terça-feira, 13 de agosto de 2013

JB: Porto do Açu: empresa de Eike pode ter causado grande desastre ambiental

Denúncias de ambientalistas revelam que obras para construção do porto contaminaram a região

Por Cláudia Freitas



As obras realizadas pela empresa OSX, do grupo de Eike Batista, na região do Açu, em São João da Barra, Norte Fluminense, podem ter causado uma das maiores tragédias ambientais do estado. Durante as perfurações e extração do sal para a construção do Complexo Portuário do Açu uma falha técnica em um dos tanques de transferência provocou o derrame de água salgada para os córregos, rios e propriedades de pequenos agricultores, contaminando toda a região. 

As denúncias são do geógrafo Marcos Pedlowski, doutor em Environmental Design And Planning - Virginia Polytechnic Institute and State University, que está desenvolvendo pesquisas de campo nos terrenos afetados. O impacto ambiental também está em análise por cientistas da Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf), que já constataram que tanto a água quanto o solo da região sofreram contaminação, apresentando um aumento expressivo de salinidade, que pode representar danos irreversíveis para a natureza e, consequentemente, para a economia do lugar, que tem base na agricultura e pecuária.

Segundo Marcos Pedlowski, a primeira queixa partiu de um agricultor no bairro de Água Preta, em novembro do ano passado, que notou um sabor estranho na água que estava consumindo. Amostras de água e solo deste agricultor foram encaminhadas ao Laboratório de Ciências Ambientais (LCA) da Uenf, que constatou através de testes com equipamentos de precisão que o nível de sal no líquido colhido estava muito além do normal. Os estudos foram conduzidos pelo biólogo Carlos Rezende, que continua prestando apoio aos agricultores do Açu, com orientações técnicas que visam amenizar os efeitos da salinização no uso familiar.

Rezende explicou que as montanhas de areias extraídas pelas dragas da OSX e colocadas num aterro hidráulico, não tiveram a contenção adequada e a água salgada migrou para o solo das áreas mais baixas. “Precisa de um plano eficiente de contingência do sistema de drenagem, para evitar falhas como essa. É só imaginarmos que, numa dragagem, 70% do resíduo é água e somente 30% sólido. Isso é básico”, disse o biólogo.

Para o geógrafo Marcos Pedlowski, a questão da contaminação do solo e da água em São João da Barra é muito séria e representa grave risco à saúde da população. “O processo de salinização da terra é acelerado e irreversível, pode prejudicar a fauna, a agricultura e, principalmente, as pessoas que consumirem os alimentos e a água contaminada”, alertou Pedlowski. Segundo ele, a prefeitura de São João da Barra não está realizando o monitoramento da água distribuída na região, serviço que é da sua competência e as conseqüências podem ser ainda mais sérias.

Pedlowski conta que a retirada de areia com água salgada é feita por uma das maiores dragas do mundo, alcançando o aprofundamento do canal em 14,5 metros de profundidade. A capacidade de sucção é de mais de 30 mil m³ por hora, permitindo a construção dos canais do estaleiro. Toneladas de areia e água do mar são extraídas por um duto, sem uma contenção preventiva e adequada. Os resíduos vão para um aterro hidráulico que fica às margens das obras e os canais de drenagem jogam a água salgada para as terras próximas, causando a salinização do lençol freático do Açu. Quem mais sente as conseqüências são as propriedades que ficam nas áreas mais baixas. “Pelos meus estudos, eu não tenho qualquer dúvida que os 7.200 hectares de terras próximas ao empreendimento estão sofrendo esse impacto ambiental. Isso vai de São João da Barra até Campos. As autoridades de preservação ambiental, como o Ibama[Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis] e o Inea [Instituto Estadual do Ambiente], dizem que o problema está resolvido, mas isso não é possível. Acho até que está pior, porque o sal não diluiu e eles estão empurrando as áreas contaminadas para mais longe, através do processo conhecido como diluição”, explicou Pedlowski.

Além da contaminação por salinidade, Pedlowski conta que a retirada da vegetação local também está acontecendo de forma desenfreada e sem planejamento. "Eu já presenciei caminhões carregados com a vegetação de restinga saírem daqui. Será que eles não tem noção dos danos que estão provocando para a fauna e flora desse lugar? Cadê as autoridades ambientais que não enxergam esse crime?", questionou o pesquisador. 

No ano passado, as denúncias dos moradores levaram o Inea até a região do Açu. Os agentes do instituto confirmaram as informações e avaliaram que “ocorreu um erro de execução de projeto em um dos aterros hidráulicos da empresa OSX, onde água de um dos aterros (que são compostos por areia e água salgada dragadas do mar) escoou por declividade natural para o rio Quitingute, aumentando a salinidade da água do rio e podendo prejudicar temporariamente os usuários”. Segundo os técnicos do Inea, o problema poderia ser evitado se a OSX tivesse comunicado a falha imediatamente ao órgão ambiental e tomado providências imediatas, como, por exemplo, paralisar o uso do aterro até construir uma segunda linha de drenagem com bombeamento.

O Inea garantiu que monitora o rio Quitingute de 15 em 15 dias e a empresa OSX envia semanalmente os resultados do controle de águas superficiais e, mensalmente, de águas subterrâneas. Segundo o órgão, todos os resultados atuais apontam que os níveis de salinidade retornaram ao padrão normal no rio Quitingute, em torno de 0,2% de salinidade. “A contaminação da área jáfoi solucionada. O que o INEA quer atualmente é levantar os danos que podem ter ocorrido na época do acidente, e se algum pode ter persistido até hoje. Mas a salinidade da água do Quitingute foi solucionada”, afirma o Inea através de e-mail ao Jornal do Brasil. A OSX deverá seguir estritamente o projeto licenciado e se reportar imediatamente ao órgão ambiental no caso de qualquer suspeita de problema. A empresa foi multada em 1,3 milhão, além de assumir um investimento de R$ 2 milhões com a implementação do Parque Estadual da Lagoa do Açu e de custear, anualmente, gastos de cerca de R$ 350 mil para a manutenção da unidade de conservação. Para ajudar a diluir a salinidade das águas do Canal Quitingute, a OSX ainda foi obrigada a dragar três pontos assoreados do rio, aumentando assim o volume de sua correnteza, intervenção essa que demandou investimento de R$ 1 milhão. Porém, segundo o Inea, essa dívida ainda não foi paga, porque a empresa de Eike Batista recorreu e o processo está em fase de recurso no Tribunal de Justiça do Rio. O recurso impetrado pela OSX será encaminhado para o Conselho Diretor do Inea na próxima segunda-feira (19/08), quando deve ser decidido ou não pelo indeferimento.

No fim de semana, o Jornal do Brasil publicou uma série de denúncias feitas pelos moradores de São João da Barra, contra outra empresa de Eike Batista, a LLX. Pequenos agricultores da região, que tiveram as suas propriedades desapropriadas para a construção do Complexo Porto do Açu, entraram com processo contra o governador do Rio, Sérgio Cabral, o presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, e Eike Batista. Eles acusam a Companhia de Desenvolvimento Industrial do Estado do Rio de Janeiro (Codin) de irregularidades no processo de desocupação da terras. As vítimas afirmam também que a Codin e a LLX estão usando de violência para retirar os moradores dos imóveis, além de constantes ameaças. O processo segue no Tribunal de Justiça da capital.