sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Amarildo revela as entranhas das UPPs



Numa conjuntura de “paz social”, o desaparecimento do pedreiro Amarildo de Souza, após a sua detenção para averiguação em um posto da UPP da Rocinha, teria passado em brancas nuvens. Afinal, o assassinato de pessoas pobres pelas forças repressivas do Estado é uma prática rotineira na história do Brasil, particularmente quando as vítimas são de origem negra. O vigor dos protestos que questionam os descalabros do governo Cabral transformou o caso Amarildo numa questão política de primeira grandeza.

A violência arbitrária do Estado contra a população pobre não é, no entanto, um problema restrito ao Rio de Janeiro. O Centro de Mídia Independente calcula que as Polícias Militares e os Esquadrões da Morte paramilitar matam ao menos mil pessoas por ano no Brasil. A polícia que tem carta branca para assassinar desvalidos sem mais nem menos é produto de uma sociedade ultra-elitista que ainda não superou as taras de sua origem escravista. O Estado que trata o trabalhador pobre como “inimigo interno” não reconhece nem mesmo o direito mais elementar que todo ser humano tem de ser enterrado com dignidade pela família.

A criminalização do trabalhador pobre manifesta-se de forma específica em cada momento histórico. Na época atual, o fenômeno assume a forma de uma crescente militarização das periferias das grandes cidades. No Rio de Janeiro, vitrine dos megaeventos que alimentam os grandes negócios e a especulação urbana, as UPPs - Unidades Policiais Pacificadoras - ganharam a dimensão de uma “política modelo”.

O caso Amarildo desmascara o caráter antissocial e racista da política de segurança brasileira. A ilusão de que as UPPs seriam uma resposta efetiva à impotência do Estado no combate ao crime organizado não durou muito. Sem possibilidade de vencer os bandidos em seu próprio terreno, cuja presença endêmica nas favelas brasileiras é garantida pela perpetuação da miséria, as forças policiais “pacificadoras” tornaram-se um fator adicional de arbítrio e violência contra a população.

A questão política aberta pela tragédia de Amarildo não se resume à urgência de punir os responsáveis pelo seu sumiço, nem tampouco à urgência de desmilitarizar e civilizar a Polícia Militar, cuja ação truculenta reproduz práticas da ditadura militar. Enquanto não se atacarem as causas estruturais da extrema violência da sociedade brasileira – as desigualdades sociais abismais e a ausência de políticas públicas nas regiões carentes –, as periferias continuarão à mercê do crime organizado e do arbítrio das forças policiais. Sem igualdade social substantiva, não há possibilidade de paz social.