Suape enfrenta desafio ambiental
Demanda por preservação dos recursos naturais torna Porto mais receptivo ao diálogo e à busca de um modelo de desenvolvimento sustentável
Leonardo Spinelli
Foto: Guga Matos/JC Imagem
Como fazem semanalmente às segundas-feiras, os pescadores da Colônia Z8 em Gaibu, praia do Cabo de Santo Agostinho, se reuniram para mais um debate sobre seu ofício. Nesse dia, início de agosto, a pauta tinha um quê de novidade. Estavam lá para debater propostas de convivência e compensação de impacto ambiental apresentadas ao Complexo Portuário e Industrial de Suape. Como contrapartida pelas obras de acesso de navios, o complexo é obrigado a propor soluções para evitar desequilíbrios ambientais. A reunião simboliza uma nova relação entre desenvolvimento econômico e preservação de ecossistemas. Não cabe mais aquele velho debate em que um e outro não se misturam. Daqui para frente, é planejar o principal instrumento do desenvolvimento industrial de Pernambuco – Suape – levando em conta aspectos que não podem ser descartados, todos eles relacionados ao meio ambiente.
Uma das ideias discutidas naquela reunião era instalar arrecifes artificiais, proposição que agrada à maioria dos pescadores. Os objetos afundados se transformam em berçários de peixes, cada vez mais raros por ali. A outra é organizar o chamado fundeio dos navios, definindo locais específicos para as embarcações estacionarem enquanto esperam sua vez de entrar no porto. Para os pescadores, gente que vive há décadas naquela região, Suape é um vizinho tão poderoso quanto incômodo. Suas atividades são estratégicas para a economia de Pernambuco, mas afastaram pescados e turistas da região. “Agora só tem funcionários por aqui e eles comem nas fábricas, não os nossos peixes”, diz o presidente da Colônia, Laílson de Souza. Para os pescadores, a entrega do estudo marca uma mudança na postura de Suape, hoje mais aberto ao diálogo. Seria fruto também do amadurecimento deles próprios.
Há seis anos, o complexo intensificou ações, dinamitando corais que serviam de berçário para lagostas – pescado com rigorosas proteções à pesca. O interesse foi o de abrir caminho para navios cada vez maiores. Também aterrou mangue para instalação de indústrias. São efeitos colaterais de um “progresso brutal”, como definem eles. Mas são também reflexos do desenvolvimento que gera renda e emprego para muitos.
Os pescadores aprenderam que não adiantava ficar parado e passaram a ser mais aguerridos em suas posições. Estudaram a região, passaram a se informar sobre o meio ambiente, aliaram-se a ambientalistas, buscaram a Justiça e até mesmo a ONU, em 2011, para denunciar desmandos.
“Suape não para”, diz o pescador Ednaldo Rodrigues, conhecido como Nal. A frase resume o que os pescadores descobriram na prática. Não há como impedir um projeto tão importante para a economia do Estado, que já atraiu 105 indústrias para o local, 80 delas a partir de 2007. Já não há mais tempo para questionar o modelo de desenvolvimento econômico pensado para aquela região estuária, que, para o bem o para o mal, terminou com a vocação natural do turismo e da cultura da pesca e agricultura. Prevaleceu a indústria. Agora é brigar para que Suape e o governo cumpram suas obrigações socioambientais. “Não existe desenvolvimento sem sustentabilidade”, completa Nal. A ajuda de custo de R$ 400 mais uma cesta básica de R$ 70 que os pescadores recebem de Suape não diminuiu a vontade de buscar novas soluções.
Para os agricultores que vivem da terra, o clima ainda parece não ter mudado. O temor de que seu pedaço de chão seja considerado de interesse estratégico é uma constante. São 7 mil famílias que residem nas terras de antigos engenhos daquela parte da Mata Sul do Estado, 2,6 mil delas vivendo em áreas que são consideradas por Suape como zonas industriais ou de proteção ecológica. Muitas estão sendo obrigadas a sair. As imagens de tratores derrubando casas, com apoio da polícia, ainda estão bastante vivas na cabeça dessas pessoas, apesar de a situação ter se acalmado. “Estão levando em banho-maria”, diz o presidente da Associação dos Agricultores do Engenho Tiriri, Edvaldo Nascimento.
Octagenário, o agricultor Luiz Abílio da Silva morou a maior parte de sua vida no local, cortando cana e plantando roçado, de onde tirava boa parte de sua alimentação diária. Foi desapropriado e recebeu R$ 60 mil, que ele considera insuficiente.
A diretoria de Suape diz que conseguiu avanços, citando parcerias de financiamento habitacional com a Caixa de R$ 258 milhões para construção de 2,6 mil casas (o contrato deve ser assinado em outubro) e construção de assentamentos (121 famílias foram para Barreiros). “De 2011 para cá, o número de acordos com as famílias aumentou 22%. Assinamos 571 deles”, pontua o vice-presidente de Suape, Caio Ramos.
O principal problema em questão é que os agricultores entendem que a terra pertence a um loteamento do Incra, com registro para reforma agrária assinado em 1970. Suape, por sua vez, entende que comprou a área 10 anos depois e, portanto, as indenizações são calculadas sobre o valor dos imóveis construídos e não sobre o valor milionário das terras. Para pessoas como o agricultor José Silvino da Silva, do engenho Titiri, hoje considerado área de Suape, a economia em larga escala, no entanto, é um monstro de dentes afiados. “Não somos contra o desenvolvimento de Pernambuco nem do Brasil. Só queremos uma indenização digna”, resume.