Em meio a enxurrada de críticas contra mineradoras, debate da Comissão
das Águas tenta organizar resistência. “O Estado faz vista grossa, o MP vem
perdendo as ações que propõe, pois falta uma reação mais coesa e enérgica da
sociedade”, ressaltou o deputado Rogério Correia (PT)
ALMG – Estabelecer uma estratégia de
luta unificada, com a mobilização da sociedade civil, contra a ação predatória
das mineradoras no Estado. Esse foi o principal objetivo da audiência pública
realizada nesta segunda-feira (26/8/13) pela Comissão Extraordinária das Águas
da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). O Auditório ficou lotado com
a presença maciça de representantes de entidades em defesa do meio ambiente e
moradores das áreas atingidas. Foram afixados cartazes e faixas de protesto
contra os minerodutos, tema central do debate, e um boneco simbolizando a
morte, com os nomes de várias empresas mineradoras, atraía a atenção dos
presentes.
“Minas Gerais virou uma Casa da Mãe Joana quando o assunto é disciplinar
a ação das mineradoras. O Estado faz vista grossa, o Ministério Público vem
perdendo as ações que propõe, pois falta uma reação mais coesa e enérgica da
sociedade. A resistência, até o momento, é local, não unificada, enquanto o
problema é estadual”, ressaltou o deputado Rogério Correia (PT). O parlamentar
abriu a reunião traçando um panorama das discussões já promovidas pela
Assembleia em torno do tema, lembrando que, apesar disso, as irregularidades
são a regra e não a exceção. “Os mineiros precisam entender que o que afeta
cidades como Conceição do Mato Dentro afeta também o restante do Estado. É
preciso unidade de ação”, completou. Rogério Correia lembrou que já houve
tentativas de instalar uma CPI da Mineração na Casa, mas não foram obtidas as
26 assinaturas necessárias, quadro que poderia mudar pela pressão popular.
O envolvimento da Comissão das Águas se deve ao fato de os minerodutos
utilizarem grande quantidade de água extraída dos mananciais de Minas para o
transporte do minério rumo aos portos do litoral, por onde é exportado. O debate
foi coordenado pelo deputado Almir Paraca (PT), presidente da comissão, que
destacou o papel das redes sociais na mobilização da sociedade na discussão
desse e de outros temas importantes.
Na mesma linha, o deputado Pompílio Canavez (PT) lembrou o papel
fundamental das discussões promovidas pela Assembleia para alertar a população
sobre todas as implicações do assunto. “Muita gente não sabe dessa agressão ao
meio ambiente em Minas Gerais.
Conhecer o assunto profundamente é importante para estabelecermos uma
estratégia de mobilização da opinião pública”, apontou.
“Tudo é feito pela lógica da exportação dos minérios, como se a
agricultura também não fosse atividade econômica. E a situação do Norte de
Minas é ainda pior, pois falta água até para o abastecimento humano. Como então
é possível pensar em usar água nos minerodutos?”, alertou o deputado federal
Padre João (PT-MG). “Mesmo sendo da base do Governo Federal, reconheço que há
falhas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis) e do DNPM (Departamento Nacional de Produção Mineral) com relação à
fiscalização dos grandes empreendimentos. Esses órgãos não podem ficar reféns
das empresas”, destacou o parlamentar, lembrando a importância de todos
acompanharem atentamente, no Congresso Nacional, a tramitação do projeto de lei
que institui o novo marco regulatório para a mineração. "Os direitos da
comunidade devem prevalecer sobre o uso dos recursos hídricos", pontuou.
Mineradoras são alvo de críticas
As críticas à ação predatória das mineradoras, que superam de longe os
benefícios sociais gerados pelo desenvolvimento econômico, foram uma
unanimidade nos pronunciamentos dos convidados da audiência pública. Um dos
mais contundentes foi dado por Marcelo Mata Machado Leite Pereira, promotor em
Conceição do Mato Dentro (Região Central do Estado), um dos municípios mineiros
mais afetados pelos empreendimentos minerários.
“Já era hora de nos perguntarmos a quem interessa o sucateamento das
estruturas fiscalizadoras do Estado. Quem paga o preço disso são os cidadãos. O
desenvolvimento econômico só se justifica se trouxer desenvolvimento humano.
Recebo diariamente em meu gabinete atingidos pelo processo minerário, que
chegam arrasados. Nosso Estado precisa repensar o seu modelo de desenvolvimento.
Afinal, a ONU já apontou que nossas próximas guerras vão ser pela água”,
afirmou Marcelo Machado, arrancando aplausos do público.
O promotor citou o exemplo de Nova Iorque (EUA), em que os mananciais de
água são considerados áreas de segurança nacional, protegidos pelas Forças
Armadas. “Por aqui, o mineroduto do Projeto Minas-Rio foi licenciado antes
mesmo do empreendimento. É um absurdo!”, completou.
O sucateamento a que o promotor se referiu ficou evidenciado no
pronunciamento de Nicolaas de Knegt, especialista em recursos minerais do DNPM,
que admitiu a falta de infraestrutura e de independência do órgão para fazer
frente a pressões econômicas cada vez maiores. “Os minerodutos são a ponta do
iceberg de uma administração que falha ao entregar para a população o que ela
quer.
Todo mundo sabe que não se deve devastar, mas falta uma eficiência
operacional para fiscalizar. É incipiente o diálogo entre os órgãos de
fiscalização e faltam regras claras. Sugestões técnicas raramente são
acatadas”, lamentou.
“O buraco é bem
maior do que aqueles que as mineradoras fazem, e vai muito além de qualquer
política de responsabilidade social das mineradoras. Na hora de licenciar, a
mineração é considerada de utilidade pública, mas a produção de alimentos não
é. Nós não comemos minério”, criticou Eduardo Nascimento, assessor de meio
ambiente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas
Gerais (Fetaemg). “Como conselheiro de Política Ambiental há 13 anos, não tenho
dúvidas em afirmar que a legislação brasileira foi feita para licenciar, não
para proteger. É uma baboseira essa crença de que a vocação de Minas é a
mineração. Outros valores precisam entrar nessa avaliação”, destacou.