Por Fábio Scliar*
“Propriedade privada: Para sua segurança não ultrapasse”.
Poucas frases são tão contundentes e ameaçadoras quanto essa. Ela faz uma promessa de que se nós a ultrapassarmos não serão as providências legais que serão tomadas...não! Estaremos sujeitos à risco de morte ou de agressões físicas, coisa que talvez e apenas talvez, fosse justificável em um País conflagrado por alguma guerra civil em que os poderes e o cumprimento das leis tenham se diluído ao ponto de voltarmos à pré-história na base do cada um por si.
Se essa mensagem, entretanto aparece diante de nossas vistas em um País em que as instituições democráticas funcionam normalmente a conclusão não pode ser outra que não a de que algo vai muito mal porque a ameaça significa desprezo pelas regras democráticas, arrogância, agressividade, menosprezo pela vida e história dos que habitam suas proximidades.
A imagem de uma placa com esses dizeres que poderia ser a cena inicial de um filme de terror infelizmente não está na ficção, ela inicia o caminho até o complexo do Superporto do Açu no Quinto Distrito de São João da Barra no litoral norte do Rio de Janeiro, ao longo do qual podemos ver outras dezenas como ela, e é indicativa de que todos os assuntos relacionados ao enorme empreendimento se dão daquele mesmo jeito: com arrogância, agressividade e menosprezo por tudo e todos.
Os moradores que ainda não foram expulsos desse local do tamanho de uma cidade de porte médio estão presos nesse teatro de horrores em que são constrangidos a deixar as suas propriedades e sonhos a qualquer preço, submetidos a ameaças e pressões psicológicas de um rolo compressor que não é o desenvolvimento, porque esse existe quando está de acordo com outros princípios como o da dignidade da pessoa humana e o respeito ao meio ambiente, sobejamente já prejudicado com a salinização do lençol freático causado pelas obras no local. O que há ali é um ataque do interesse econômico privado voraz, disfarçado de interesse público, aos valores mais comezinhos de uma sociedade, como a paz social, a cultura, a natureza e a honradez.
Como se não fosse possível cavar o fundo do poço moral que acontece ali, o protagonista daquele interesse privado agora vai de mal a pior, havendo notícias de que não possui condições sequer de arcar com compromissos financeiros que assumiu, e os entes públicos que o apadrinharam, seja através de financiamentos em condições generosíssimas, ou por meio da mobilização da máquina pública para ajudá-lo com desapropriações injustas esqueceram-se de pedir garantias de que seus devaneios virariam realidade e agora se corre o risco de que todo o mal causado, além dos prejuízos, tenha sido feito em vão e nem uma sombra de desenvolvimento ainda que anômalo seja visto naquela localidade.
As autoridades precisam urgentemente olhar para aquele pedaço de chão e para as pessoas humildes que ali habitam porque não pode haver no Brasil um centímetro de terra em que os princípios constitucionais não valham, antes que organizações internacionais o façam, e nos encham de vergonha por termos um governo que não protege seus próprios cidadãos.
* Professor de Direito Constitucional e Delegado de Polícia Federal