O conflito envolvendo a mineradora Anglo American, o governo estadual de Minas Gerais e atingidos pelo Projeto Minas-Rio começou com um acordo palaciano, sem a devida consideração sobre os impactos ao povo, ao meio ambiente e às tradições culturais da região de Conceição do Mato Dentro e Alvorada de Minas, no Médio Espinhaço de Minas Gerais.
"O deputado Alberto Pinto Coelho, presidente da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, o governador Aécio Neves e o chairman e presidente da MMX, Eike Batista, no lançamento recente do Projeto Minas-Rio, no Palácio da Liberdade, em Belo Horizonte"
Foto publicada no jornal Mato Dentro por dentro – Ago/2007
As consequências deste desleixo e das maquinações especulativas de Eike Batista (primeiro titular da concessão minerária) e seus consortes políticos em Minas são bem conhecidas da imprensa, do Ministério Público, das delegacias e batalhões de polícia locais, da Bolsa de Valores e das vítimas mais prejudicadas da região.
O site Notícias da Mineração publicou em 16/05/2013 que o governador de Minas Gerais Antônio Augusto Anastasia declarou que os “problemas de atrasos de licenciamento enfrentados” pela mineradora Anglo American “estão resolvidos”. A afirmação ocorreu em Nova York, durante evento para investidores e líderes empresariais promovido pelas agências Bloomberg e McKinsey & Company, e Anastasia teria encontro em Londres, na última semana, com Mark Cutifani, dirigente global (CEO) da Anglo American [informação não divulgada pelo governo].
Os Atingidos pela Anglo American em Alvorada de Minas, Conceição do Mato Dentro e região esclarecem que, ao fazer tal declaração, o governador mostra desconhecimento sobre as denúncias recentes, publicadas em jornais, compartilhadas em reuniões de conselhos ambientais do Estado, audiências públicas dos Ministérios Públicos Estadual e Federal (MPE e MPF), bem como aquelas trazidas pelas comunidades atingidas pelo Projeto Minas-Rio na Audiência Pública realizada na17ª Reunião Extraordinária da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), no último dia 6 de maio de 2013. Nesta audiência, foram apresentados fatos graves, de violações de direitos humanos e ambientais, bem como do não cumprimento de condicionantes do licenciamento estadual pela mineradora(confira aqui as Notas Taquigráficas, e os registros audiovisuais de alguns depoimentos no youtube[1]).
As declarações do governador Anastasia também sugerem que ele ignora que a direção da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de seu governo, bem como a Superintendência Regional de Meio Ambiente do Jequitinhonha (Supram Jequitinhonha/Sisema) vem protelando a discussão de um diagnóstico independente concluído em 2011, determinado pela própria Unidade Regional Colegiada do Conselho Estadual de Política Ambiental no Jequitinhonha (URC Copam Jequitinhonha). O diagnóstico demonstra que os Estudos de Impacto Ambiental (EIA) que fundamentaram o licenciamento do Projeto Minas-Rio subestimaram o alcance dos respectivos impactos socioambientais na região de Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro, assim reduzindo radicalmente o universo dos atingidos pelo empreendimento. A insistência do Estado em mais uma vez protelar a análise deste trabalho pelo colegiado que determinou sua realização mereceu uma Moção de Repúdio da URC Copam Jequitinhonha e motivou a Recomendação 01/2013 do Ministério Público Estadual, para que o governo paute o assunto na URC e não concorra mais para o prejuízo da população afetada pela Anglo American.
Em 1º de abril (sic), dirigentes da Anglo American informaram à imprensa que de 90 a 93% das licenças ambientais do Projeto Minas-Rio estavam solucionadas – notícias publicadas nos sites da revista Exame e dos jornais O Globo e Estado de Minas, entre outros. Os dirigentes da Unidade Minério de Ferro Brasil, da Anglo American, também informaram que “os pedidos das licenças de operação serão feitos em outubro [de 2013] para que não haja mais impactos sobre o cronograma”. Partem contudo de uma avaliação dos resultados totalmente diversa da realidade. Quer dizer, ou os dirigentes maiores do Governo de Minas e da Anglo American não estão agindo com honestidade ou não estão informados por suas equipes sobre o que realmente se passa em relação ao Minas-Rio.
Fazemos nesta oportunidade o favor de repassar-lhes a seguinte avaliação, feita no último dia 18 de abril, pela Superintendente de Meio Ambiente da Regional Jequitinhonha do Sisema (Sistema Estadual de Meio Ambiente), em reunião da Rede de Acompanhamento Socioambiental (Reasa) organizada pela Coordenadoria de Mobilização e Inclusão Social do Ministério Público Estadual (Cimos/MPE). Admitiu a senhora Eliana Machado, aos atingidos pelo Projeto Minas-Rio presentes à reunião, a existência de um total de 341 condicionantes do empreendimento (desde a Licença Prévia/LP até a Licença de Instalação-Fase 2/LI-2) – e que, destas 341 condicionantes,
“162 estão assim, ... ou em análise ou dependendo de análise. Se o secretário do Meio Ambiente, Dr. Adriano, chegar hoje e me perguntar: ‘- Eliana, quais são as condicionantes que estão cumpridas e quais estão descumpridas’ - eu não tenho esta resposta.”
Mais do que isso, a superintendente da Supram Jequitinhonha reconhece que, atualmente, os atingidos “estão muitos mais atualizados com relação ao empreendimento [do] que a própria Supram”. Isso, por ser também obrigada a constatar que a Supram já “não tem memória”, isto é, não conta mais com“praticamente nenhuma das pessoas que participaram da análise deste processo” (nas fases de análise do EIA/RIMA , para a LP e LI, fases 1 e 2).
Por sua vez, a Anglo American não desconhece os problemas externados nas reuniões da URC Jequitinhonha, desde 2008, como nos vários encontros e audiências públicas mensais de que tem participado, desde abril de 2012, nos municípios de Alvorada de Minas e Conceição do Mato Dentro – cujas atas estão disponíveis no sitehttp://blogs.mp.mg.gov.br/cimos/reasa/. Além disso, a mineradora tem conhecimento de que, além de alguns acordos e Termos de Ajustamento de Conduta (TACs) já celebrados com o Ministério Público, vários inquéritos civis continuam tramitando no MPE, por ilegalidades e denúncias de crimes ambientais e sociais cometidos pela empresa.
Os problemas do Projeto Minas-Rio têm origem em erros de avaliação da própria empresa, mas também são causados pela precipitação e miopia da administração estadual – possivelmente instigada por interesses eleitorais –, quanto à extensão e insuportabilidade dos impactos sociais e ambientais da mineração no estado.
Fazendo coro a esta constatação, nos últimos dias, uma articulação governista emergiu para enfrentar a crescente indignação social com relação ao modus operandigovernamental e empresarial associados ao Projeto Minas-Rio. O vice-governador de Minas Gerais Alberto Pinto Coelho (pré-candidato ao governo do Estado na eleição de 2014) e o desembargador Herbert Carneiro, presidente da Associação Mineira dos Magistrados, uniram forças, com o “de acordo” do prefeito de Conceição do Mato Dentro, para a criação de um Conselho de Desenvolvimento Econômico daquela cidade, composto essencialmente pela tradicional oligarquia municipal.
Ora, nestes últimos cinco anos, os autoproclamados beneméritos conceicionenses nunca se apresentaram para defender aqueles seus conterrâneos atingidos pelas arbitrariedades de uma empresa e as deliberadas vistas grossas da administração pública estadual, não raramente abençoadas pela segunda instância da Justiça Estadual. Com este ensaio ou pacto de “elites” em torno de um “desenvolvimento” apelidado de “sustentável”, têm suas excelências a dignidade de finalmente assumir que representantes do Poder Judiciário formam com o Executivo do Estado e meia dúzia de representantes de cartórios, mineradoras e empresas fornecedoras de equipamentos pesados para a mineração um só corpo e pensamento, para legitimarem o rolo compressor da Anglo American, e, brevemente, da Vale S.A. e da estreante mineradora Manabi sobre o povo mais simples e a região que dizem “defender”.
Em outubro de 2012, pouco antes de renunciar à direção da Anglo American, a geóloga norte-americana Cynthia Carroll afirmava que o “baixo custo da logística” era fator essencial para a competividade do Projeto Minas-Rio. Em abril de 2013, o diretor de Minério de Ferro da Anglo American no Brasil, Paulo Castellari Porchia afirmou que “a garantia de sucesso do empreendimento (...) está no baixo custo de produção de um minério de qualidade” – e que este é “um projeto muito bem posicionado na curva de custos” (matérias de Marta Vieira e Zulmira Furbino, no jornal Estado de Minas: 26/10/2012 e 02/04/2013).
Percebe-se que mesmo com todos os problemas e atrasos, os mais altos dirigentes da mineradora estimam um alto retorno com o Minas-Rio. Se, ao invés de ficar buscando subterfúgios e interpretações legais diversos dos princípios que regem o ordenamento jurídico vigente, se não insistisse em justificar e enrolar por tanto tempo as graves omissões do EIA e estudos complementares, se reconhecesse e demonstrasse estar tomando as providências objetivas para solucionar os impactos e danos ambientais que está causando, e se a Anglo American, fundamentalmente, e seus amigos no Estado agissem com menos truculência e mais zelo pelo bem comum, se teria evitado boa parte dos problemas atuais que estão enfrentando – por total desconhecimento e desrespeito aos movimentos sociais e suas lideranças, e pela absoluta intransigência pela perpetuação de um modelo de mineração que está com os dias contados, e que só se sustenta pelo uso da violência, da improbidade administrativa e da afronta às leis e à Constituição.
Os problemas decorrentes da ignorância dos tomadores de decisão corporativos e governamentais recrudescerão enquanto os mesmos ignorarem a crise de legitimidade institucional e política por que passa o Brasil, que a sociedade está à frente deles e o presente caso não será resolvido, sem revisão de posturas e com base em acordos de coronéis.
Bacia do Rio Santo Antônio, Serra do Espinhaço Meridional, Minas Gerais/BR,
27 de maio de 2013.
Atingidos pelo Projeto Minas-Rio/Anglo American e também atingidos pelo Governo do Estado de Minas Gerais
[1] Depoimentos registrados e publicados por Frei Gilvander Moreira no Youtube: Resumo das denúncias, Promotores de Justiça, Atingidos e Coordenador de Estudo sobre Comunidades Atingidas, Antropóloga/UFMG, Atingidos, Advogado e Coordenadora do Grupo de Estudos Ambientais-Gesta/UFMG, Defensora Pública Estadual, Atingidas pelo Porto de Açu/RJ e Mineroduto em São Domingos do Prata/MG, Atingidos de Alvorada de Minas e Conceição, Coordenadora do Laboratório de Cenários Socioambientais-LabCen/PUC-MG, Ambientalista e Padre de Conceição do Mato Dentro