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Não há pior veneno para o futuro nacional do que o desânimo que acompanha a perda de esperança da juventude quanto ao país. Explicitar um projeto nacional é prioridade para a preservação da identidade e da autoestima do Brasil; exige colocar o presente do país em pauta. Um projeto nacional é sempre percebido e adotado em parte pelos atores sociais que preconizam mudanças mais ou menos acentuadas em dimensões estruturais e comportamentais de uma sociedade nacional. Obriga os conservadores a saírem da casca; cria uma diferenciação entre aqueles que querem preservar intacto o status quo e aqueles que admitem – via negociação – adaptações e transformações parciais. Pensar o futuro ilumina o presente; restaura esperanças e dá substância à retórica democrática convertendo-a em prática substantiva social e política”.
Apresento essa epígrafe, extraída do texto do último artigo do professor Carlos Lessa, publicado no jornal Valor Econômico, em seis de julho desse ano, para evidenciar, mais uma vez, a importância de um projeto nacional para o Brasil. Lessa, nesse artigo, nos lembra a trajetória de alguns dos poucos países da economia globalizada desse início do século XXI que lograram construir projetos de nação, dignos desse nome. A partir dos primeiros passos da revolução industrial iniciada na Inglaterra, no século XVIII, poucos países conseguiram de fato se constituir em nações soberanas na definição de suas prioridades. Além da própria Inglaterra, apenas a França, os Estados Unidos, a Alemanha, o Japão e agora, já no século XX, a Rússia, a China e a Índia podem ser considerados países portadores de definições estratégicas e condições para a afirmação soberana de seus destinos.
O Brasil é um país que potencialmente teria todas as condições para já estar incluído nesse seleto grupo. Para tanto, é importante esclarecer, não nos bastaria vontade e condições políticas adequadas. As dimensões territorial e populacional, as especificidades vinculadas às possibilidades para a produção de alimentos e a geração de energia são, por exemplo, variáveis essenciais para uma determinada nação almejar o objetivo de atingir um grau de autonomia que lhe livre da dependência estrutural a outros países. Em relação a essas variáveis, o Brasil talvez seja o país que reúna as melhores condições, junto com os Estados Unidos, para pensar e definir uma estratégia nacional, com o objetivo de construir um modelo específico, adequado às nossas necessidades e peculiaridades, de desenvolvimento econômico, social e cultural. Um modo brasileiro de vida.
Ao contrário do Brasil, os Estados Unidos fez a sua opção radical, de romper com a potência imperial de então, a Inglaterra, envolvendo inclusive um conflito bélico, e ousar a construção de uma nação soberana, ainda no século XVIII. Sem entrar no mérito sobre a natureza do modelo adotado por eles – baseado na guerra e na radical defesa de sua moeda, como forma de defesa de sua economia nacional – a realidade é que eles foram exitosos em seus objetivos.
Aqui no Brasil, ao contrário, a renúncia a uma perspectiva séria de soberania sempre foi a tônica do comportamento de nossas elites. Apenas no século passado, e a partir das contradições da crise global capitalista dos anos trinta, é que começamos a engatinhar em torno da idéia de construir uma nação soberana. Contudo, de forma extremamente mambembe. O projeto nacional-desenvolvimentista, que sequer foi capaz de efetivar uma verdadeira reforma agrária, foi na prática atropelado por um desenvolvimentismo associado ao capital estrangeiro, cujo ápice se deu no golpe civil-militar de 1964.
Posteriormente, quando restabelecemos um regime de liberdades democráticas formais, já nos anos oitenta, o desenvolvimentismo encontrava-se em xeque, por conta do endividamento externo e pela própria pressão do capital financeiro global, em favor das políticas de abertura e privatizações em favor de corporações privadas.
A eleição de Collor, em 1989, nos jogou definitivamente na aventura dos financistas. Os governos de FHC azeitaram o modelo inaugurado de forma atabalhoada por Collor, com as mudanças constitucionais e o arranjo institucional impulsionado pelo PSDB e seus aliados. Entretanto, as sucessivas crises do capitalismo global na segunda metade dos anos noventa colocaram o modelo neoliberal na berlinda, não somente aqui no Brasil, mas especialmente em toda a América Latina, região onde esse modelo havia se implantado com força.
Foi nesse contexto que, em 2002, Lula, o PT e os seus aliados chegaram ao governo federal. Contudo, ao contrário do que se poderia esperar, os novos governantes se adaptaram rapidamente ao credo dos seus antigos adversários políticos. A nomeação de um alto executivo de um banco americano para a presidência do Banco Central, em decisão anunciada em Washington, foi apenas o início de uma profunda metamorfose explícita dos novos governantes, antiga vanguarda na luta contra o projeto dos bancos e transnacionais.
Com a expansão dos fluxos de comércio internacional que caracterizou a primeira década do século XXI, impulsionada pela demanda asiática – e especialmente chinesa – por alimentos e matérias-primas, houve uma extraordinária melhoria em nossas contas externas, propiciando ao governo avançar em políticas de transferência de renda aos miseráveis, reajustes reais ao salário-mínimo e a ampliação do mercado de crédito, particularmente para setores pobres que jamais haviam tido esse tipo de acesso.
Lula e seus aliados, dessa forma, conseguiram dar popularidade ao modelo que, em 2002, se encontrava politicamente derrotado. Mantendo e ampliando a abertura financeira, não alterando e inovando a política de privatizações, não revendo as mudanças constitucionais patrocinadas por FHC e abandonando bandeiras históricas, como a reforma agrária, a mudança do modelo agrícola e a reforma tributária em prol dos trabalhadores, o Brasil de hoje nunca esteve tão distante da perspectiva de um modelo nacional, democrático e popular.
Mais grave: dada a conversão política e ideológica do PT e de seus aliados, fortaleceu-se a apologia – quase sem contestações – de que o Brasil está no rumo certo. A mídia dominante, junto com a demagogia e manipulação dos governantes, proclama aos quatro ventos a emergência do país no cenário internacional, um extraordinário processo de distribuição de rendas e um ufanismo que não resiste a nenhuma avaliação mais séria, menos apaixonada e isenta dos oportunismos de ocasião.
A acelerada desnacionalização produtiva; o endividamento galopante do Estado, das empresas e das famílias; a reprimarização de nossas exportações ou a transformação do setor industrial, cada vez mais dependente da importação de peças e componentes, parecem não ter importância alguma.
Nosso futuro, dado o enorme retrocesso em que nos encontramos – na perspectiva de um modelo soberano de país – dependerá da capacidade dos setores que não se renderam à guinada do PT e de seus aliados sensibilizarem e terem a capacidade de organizar novas lutas, em torno de um projeto nacional a ser assumido por amplas parcelas dos trabalhadores e de nossa juventude.
Vivemos hoje, no país, o ocaso da esperança de mudanças que uma geração de políticos e lutadores populares alimentou por anos, mas que não foi capaz, na hora decisiva, de ser fiel aos desafios que se colocaram para uma ruptura que era esperada.
Somente a construção de um novo projeto nacional – que recupere a importância de nossa soberania, a necessidade de uma democracia exercida pelo povo (e não pelos donos do dinheiro) e coloque a defesa do bem-estar dos trabalhadores como questões inalienáveis – poderá recuperar a defesa da política como instrumento de mudanças, e resgatar a juventude para as lutas política que se fazem necessárias.
Uma oportunidade histórica ímpar se perdeu. E, nesse sentido, o alerta de Carlos Lessa ganha destaque e importância. Mais que nunca, o nosso futuro dependerá das possibilidades e perspectivas a serem construídas junto a nossa juventude.