O desaparecimento da vida nos oceanos: por que a nossa fome de consumo tem a ver com isso?
Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 205 da Revista Somos Assim
Em um dos meus primeiros artigos na Somos, procurei esboçar uma reflexão acerca dos problemas éticos que cercam o consumo cotidiano de carne vermelha. A verdade é que desde então procurei modificar para menos o meu próprio consumo de carne, pois a consciência de que minha opção de consumo vai muito além da minha pessoa empurrou-me para essa mudança. Na verdade, o que temos em jogo é a possibilidade de extinção em massa de muitas espécies animais, as quais foram incorporadas em nossa dieta ao longo do tempo, e que agora têm suas populações ameaçadas pelo nível de consumo predominante, especialmente nos países ricos. Isto me ficou evidente através de uma matéria recentemente publicada pelo jornal britânico The Guardian, mostrando que os problemas em torno do consumo estão causando uma drástica diminuição das populações de peixe nas ilhas Britânicas. Segundo os cálculos feitos pela New Economics Foundation e pela Campanha Oceanos 2012, os habitantes do Reino Unido já consumiram até este mês tudo o que poderiam consumir o ano inteiro. Assim, tudo o que for pescado de agora em diante vai implicar num comprometimento da capacidade de determinadas espécies de recuperarem suas populações em patamares que impossibilitem sua extinção.
A questão da pesca acima da capacidade de recuperação das espécies mais consumidas já havia sido levantada mês passado num relatório publicado pelo Programa Internacional sobre o estado dos Oceanos (Ipso), que apontava para a possibilidade concreta de extinção massiva da fauna marinha caso não sejam limitadas as atividades antrópicas que têm lançado grandes quantidades de poluentes e fertilizantes no interior de todos os oceanos do mundo. Além disso, o relatório do Ipso também alertava para o fato de que a pesca excessiva estaria impedindo a recuperação das populações de muitas espécies. De acordo com aquele relatório, baleias e tubarões são as espécies mais ameaçadas, mas muitas outras espécies também estariam sob o perigo sem precedentes de extinção por causa dos padrões de consumo vigentes na sociedade humana. Segundo Alex Rogers, diretor científico do Ipso, estas descobertas são chocantes, ainda que não inesperadas. O mais grave, de acordo com Rogers, é que ao considerarmos os efeitos cumulativos gerados pelo conjunto das atividades humanas nos oceanos da Terra, estes seriam muito piores do que quando os fatores são considerados individualmente.
Quando as causas específicas desta diminuição da fauna marinha são analisadas é comum, e equivocado, associar o aumento do consumo ao crescimento da população humana. Ainda que geralmente aceita, e tentadora para aqueles que não querem reconhecer sua própria culpa no que está acontecendo, defende que o aumento do número de pessoas coloca um estresse inevitável sobre todos os ecossistemas da Terra. A solução para os proponentes deste tipo de explicação seria, então, simplesmente diminuir o número de habitantes da Terra, preferencialmente nas regiões periféricas do sistema capitalista, onde o número de pobres é maior. Porém essa explicação, apesar de popular, omite a real questão dos níveis de consumo e das preferências que são emanadas dos países ricos, que são aceitos e incorporados pelas frações ricas, e minoritárias em termos numéricos, nos países pobres.
O interessante é que exatamente neste momento a União Européia está realizando uma crucial reforma política na área dos recursos pesqueiros. E no interior desta discussão aparecem itens que estão na raiz dos problemas que estamos enfrentando para manter a vida nos oceanos. Por exemplo, a questão do uso de espécies que são capturadas por acidente pelas modernas redes de pesca, e que normalmente são simplesmente descartadas. Para minimizar este problema, a União Européia está propondo modificações não apenas nos equipamentos de pesca, mas também nos padrões de consumo para que determinadas espécies comecem a ser colocadas no cardápio, em vez de serem tratadas apenas como lixo. A idéia é que a adoção destas medidas básicas vá diminuir a pressão dos estoques das espécies mais ameaçadas em virtude de serem as mais preferidas pelos consumidores europeus.
Apesar de esta discussão parecer irrelevante, e distante, em relação ao nosso cotidiano, ela de fato não o é. Por um lado, a pesca oceânica hoje ocorre em regiões do planeta que até bem pouco tempo estavam inacessíveis à ação da indústria pesqueira, o contribui para o aumento das capturas em todas as partes da Terra. No caso específico do Brasil, o fato de que a maioria das regiões urbanas está localizada no litoral representa um fator inegável de impacto sobre a fauna marinha, visto que a liberação de esgotos domésticos e industriais no oceano ocorre praticamente sem nenhum tratamento. Além disso, a recente opção por construir mega-empreendimentos em diferentes pontos da costa brasileira já vem causando importantes modificações sobre a dinâmica marinha que, por sua vez, poderá comprometer a sobrevivência de espécies que se reproduzam próximo ao litoral.
O que mais me intriga nisto tudo é o porquê de estarmos tão alienados em relação a um problema tão fundamental para a nossa sobrevivência como espécie, afinal de contas a espécie humana vem dependendo há milhões de anos do alimento que retira dos oceanos para sua sobrevivência. Talvez quando acordarmos seja tarde demais. Pense nisto quando consumir aquele pequeno, e cada vez mais caro, prato de Peruá frito com cebolas no próximo verão.