A semana começou e terminou com uma polêmica que promete se arrastar ainda por um bom tempo: o anúncio da injeção de recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social – BNDES na fusão do Grupo Pão de Açúcar e a rede francesa Carrefour. O anúncio da possível megafusão entre dois gigantes varejitas desatou forte controvérsia. O governo afirma que a fusão é a possibilidade do país abrir no mercado internacional as portas para o mercado varejista nacional; do outro lado, entre os que criticam a operação, perfilam-se os argumentos do risco de monopólio, demissões e, como mais grave, a utilização de recursos públicos para subsidiar um negócio privado.
A possível entrada do BNDES na criação do “CarrePão” ou “Carreçucar” – com alguns vêm denominando a fusão doCarrefour com o Pão do Açúcar –, tem sido abordado por parte da grande imprensa e por alguns jornalistas e comentaristas econômicos como algo inesperado e até supreendente. Na realidade, o aval do governo para a montagem da operação é coerente o com o discurso de se criar “campeãos nacionais” no capitalismo brasileiro e com o modelo neodesenvolvimentista protagonizado por Lula/Dilma.
Nos últimos anos, sob o governo Lula, o BNDES despejou dinheiro graúdo no fortalecimento do capital privado nacional e o fez em várias áreas: Telefonia (fusão da Oi com a Brasil Telecom); Papel e celulose (fusão entre a Votorantim Celulose e Papel - VCP e a Aracruz criando a Fibria); Alimentação (formação da Brazil Foods - fusão da Sadia com a Perdigão e fusão dos grupos JBS – Friboi); Petroquímica (fortalecimento do grupo Braskem); Sucroalcooleiro (fortalecimento do grupo ETH Bioenergia, controlado pela Odebrecht), isso para ficar em apenas alguns casos.
A fusão do Pão de Açucar e do Carrefour com subsídios públicos, portanto, deve ser interpretada a partir de uma concepção do papel do Estado e não como um fato episódico e isolado. A principal característica do capitalismo brasileiro na Era Lula/Dilma tem sido a da ativa participação do Estado na constituição de global players em diferentes ramos da atividade econômica. Nas palavras de Luciano Coutinho, presidente do BNDES, “a prioridade do BNDES é apoiar o desenvolvimento brasileiro e dar apoio a empresas brasileiras competentes e competitivas que queiram uma atuação internacional”.
O modelo neodesenvolvimentista de Lula/Dilma acredita que o capitalismo brasileiro precisa ser fortalecido para enfrentar o capital de fora e não correr o risco de ser engolido. Nessa visão, capital nacional forte significa também Estado forte. Novamente éLuciano Coutinho quem exemplifica essa estratégia ao defender recursos do Estado em operações privadas afirmando que “se a operação fortalece empresas de capital nacional, é bom para o País”. Isso explica também o dinheiro generoso do Estado para empresas como a Vale (mineração), Embraer (aviação), e para usineiros (sucroalcooleiro).
Pode-se concordar ou não com essa concepção de Estado, debate que exporemos na sequência. O anúncio, entretanto, de que o BNDES poderá vir colocar recursos polpudos na fusão do Pão de Açucar com o Carrefour nada de tem de surpreendente quando se interpreta a essência do governo Lula/Dilma.
Operação polêmica
Com o argumento de criar uma "campeã nacional" no mercado varejista, o BNDESanunciou que está disposto a aportar quase R$ 4 bilhões, há quem fale em valores maiores, na fusão do Pão de Açucar com o francês Carrefour. As duas redes, somada à americana Wal Mart dominam aproximadamente 40% do comércio varejista no país. O conceito “campeão nacional” forjou-se na Era Lula, particularmente no BNDES sob a presidência do economista Luciano Coutinho, no cargo desde abril de 2007.
A operação com a ativa participação do BNDES é apenas mais uma entre várias já realizadas pelo banco estatal, como já destacado anteriormente. A possível fusão dos gigantes varejistas está entre as três maiores já feitas pelo banco, ao lado de JBS Friboi e Oi-BrT. A fusão “CarrePão”, caso concretizada, criaria uma gigante no mercado varejista com 2.386 pontos de venda. Consultorias especializadas em varejocalculam que, juntos, Pão de Açúcar e Carrefour controlariam 47% do setor de supermercados no Estado de São Paulo, o maior mercado consumidor do país. A receita anual seria no patamar de R$ 65 bilhões.
A operação não é simples. O BNDES condiciona os R$ 4 bilhões a um acerto entreAbilio Diniz, sócio-majoritário do Pão de Açucar, e o grupo francês Casino que possui uma fatia de 34% no Pão de Açúcar. O Casino é sócio do grupo brasileiro desde 1999, quando entrou no capital da varejista brasileira para salvá-la da bancarrota. Pelos contratos em vigor, o Casino tem o direito de assumir o controle do Pão de Açúcar em 2012 por conta de um negócio fechado por Diniz em 2005.
Essa teria sido uma das motivações maiores para o BNDES entrar no negócio, ou seja, evitar que o grupo brasileiro caia em mãos do capital de fora. As informações da imprensa dão conta de que Diniz utilizou-se fortemente desse argumento para convencer o governo a entrar no negócio. Ocorre que como o grupo francês Casino é arquirival doCarrefour, é contra o negócio porque não deseja ver o seu oponente fortalecido. Abilio Diniz, o todo poderoso do grupo Pão de Açucar teria envolvido o BNDES em uma disputa societária e, agora, o banco percebendo a enrascada e a péssima repercussãoameaça recuar.
A imprensa dá conta de que Diniz foi a Paris e ficou 26 horas esperando para ser recebido por Jean-Charles Naouri, presidente do Casino, mas o executivo francês se recusou a atendê-lo. Caso a fusão seja concretizada os franceses do Casino perderiam o controle do Pão de Açucar no país e virariam sócios do Carrefour o que não faz parte de sua estratégia de crescimento num mercado emergente. O grupo Casino diz que a proposta de fusão é ilegal, ocorreu sem sua participação e que recorrerá para inviabilizá-la. Tudo indica que o caso irá parar na justiça internacional.
Por outro lado, o Carrefour está hoje nas mãos de investidores financeiros – os gestores de fundos Blue Capital e Colony, além de Bernard Arnault [dono da Louis Vuitton – 4º na lista dos milionários da Forbes], que não escondem o desejo de vender suas participações.
Destaque-se que o argumento de “nacionalização” do Carrefour com a entrada de recursos do BNDES do Banco Pactual não é verdadeiro. Os socios majoritários continuarão sendo os acionistas franceses do Carrefour e do Casino. No caso, a operação brasileira, chamada de NPA (Novo Pão de Açúcar), terá apenas 11,7% do Carrefour mundial.
Argumentos do governo
Os argumentos do governo para sustentar a entrada do BNDES são de duas ordens. O principal deles, e coerente com a estratégia neodesenvolvimentista, é de que a fusão “abriria porta importantíssima para colocar produtos brasileiros no mercado estrangeiro (...) vamos ter pela primeira vez, numa grande cadeia varejista internacional, produtos industrializados brasileiros lá fora”. O argumento é brandido por Fernando Pimentel, ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Segundo ele, “a fusão será de importância estratégica para o Brasil". Na mesma linha vai o líder do governo no senado Romero Jucá, para quem a empresa de Abílio Diniz passaria a ser um “playerinternacional, caso ocorra a fusão”.
O ministro Pimentel afirma ainda que a participação do BNDES se faz necessária porque o capital privado nacional não subsidia e não aposta no fortalecimento do capitalismo brasileiro. Segundo ele, “tudo seria resolvido se o setor financeiro privado do Brasil fizesse o papel dele, que é financiar o capital brasileiro. Como ele não faz isso, o BNDES tem de atuar”, diz o ministro.
O outro argumento é de que “ não há recurso público" do BNDES na fusão entre o Pão de Açúcar e o Carrefour. A ministra da Casa Civil Gleisi Hoffmann argumenta que essa é uma ação de mercado da BNDESPar, braço de participações do banco em empresas privadas, e não passa pelo crivo do governo. "É uma operação enquadrada pelo BNDES. Não é operação de crédito do BNDES, não tem recurso público envolvido, nem FGTS nem Tesouro. É a BNDESPar que vai fazer isso. É ação de mercado, não tem nada a ver com decisão de governo”, diz ela. A BNDESPar é uma estatal que opera com receita própria, sem depender da arrecadação tributária. Há controvérsias, porém com esse argumento.
Quem ganha com a fusão?
Há uma série de questionamentos políticos e econômicos à operação defendida e engendrada pelo governo.
O economista Mansueto Almeida, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea, levanta uma série de questões acerca da política de fusões na área do mercado varejista. Entre elas, e a principal, a de que "o argumento de que o BNDES deve participar do processo de fusão entre duas grades redes de supermercados pois essa operação é importante para a geração de emprego e aumento das exportações do Brasil carece de qualquer base empírica e não passa de uma grande falácia”.
O economista começa destacando que a concentração do varejo é uma tendência mundial. Segundo ele, “no caso recente do Brasil e América Latina, essa concentração está ligada, do lado da demanda, ao crescimento da urbanização, participação crescente da mão de obra feminina no mercado de trabalho e expansão da renda per capita, que aumentou a demanda por refrigeradores e permitiu ao consumidor estocar por um tempo maior comidas perecíveis, o que diminuiu a necessidade de idas frequentes aos supermercados”.
Do lado da oferta, diz ele, “a saturação da concentração do varejo na Europa e nos Estados Unidos empurrou as grandes redes para os países em desenvolvimento. Adicionalmente, o desenvolvimento tecnológico do setor com o controle de estoques computadorizados e informação on line entre as grandes redes e seus fornecedores aumentou ainda mais a eficiência das grandes redes de supermercados”.
Mansueto cita dados da AC Nielsen, para destacar que “as cinco maiores redes de supermercados no Brasil respondiam por 23% das vendas totais do setor, em 1994, e essa participação aumentou para 41%, em 2000. Desde então a participação das cinco maiores redes oscilou ao redor desse valor e atingiu uma participação de 43% em 2009. Mesmo assim, a concentração do setor de supermercados no Brasil ainda é menor do aquele observado em países desenvolvidos da Europa no início do século atual: Reino Unido (60%); Alemanha (75%) e França (67%)”.
A sua análise, portanto, indica que “para aumentar as exportações de forma inclusiva, que permita não apenas aos grandes, mas também aos pequenos e médios produtores participarem das cadeias de produção que cada vez mais são controladas pelas grandes redes de varejo, o foco da politica pública não deve ser as grandes redes de supermercados, mas sim ações voltadas para a modernização de grupos de produtores em uma mesma região”.
Mansueto argumenta que “quem tem um mínimo de conhecimento da evolução de firmas regionais no Brasil sabe também a importância que teve e ainda tem o pequeno varejo e supermercados de bairros do Brasil (...) O crescimento de grandes empresas é puxado mais pelas vendas para supermercados pequenos, o que garante uma margem de lucro maior (por unidade), do que com vendas para o grande varejo, que apesar da margem de lucro menor garantiam um volume de vendas maior”.
Logo, conclui o economista, “o argumento de que o BNDES deve participar do processo de fusão entre duas grades redes de supermercados pois essa operação é importante para a geração de emprego e aumento das exportações do Brasil carece de qualquer base empírica e não passa de uma grande falácia. No caso do consumidor, pouco importa a nacionalidade do dono da rede de varejo desde que o produto seja barato. No caso dos produtores, o que importa é conseguir se adequar a política de compras dos grandes supermercados e dos países importadores e não da nacionalidade do grupo controlador”, conclui.
Questões similares são sugeridas pelo jornalista de assuntos econômicos Vinicius Torres Freire. Segundo ele, “fusões podem até ser úteis, mas há dúvidas sobre o Pão de Açúcar e sobre o apoio do BNDES a conglomerados", destaca. Segundo ele, “concentrações” nessa área podem até ser bem vindas quando destinadas a dar sinergia para pequenas redes do varejo que concentram cerca de metade das vendas de supermercados em todo o país. Diz ele que no pequeno mercado do varejo, se tem muitas vezes “negócios pouco eficientes, com pouco acesso a tecnologia, a produtos de ponta (marcas mais caras e melhores), com logística precária etc. Se fosse possível concentrar tais negócios, haveria ganho econômico geral”, argumenta.
Logo, diz ele, “a concentração que mereceria elogio é aquela da parte de baixo da tabela do campeonato de vendas dos supermercados, não a dos líderes de mercado (Pão de Açúcar, Carrefour e Walmart)”. Segundo Vinicius Torres Freire “não dá para acreditar nessa conversa de Pão de Açúcar, Carrefour e BTG de que o novo megavarejista não vai dominar o mercado, dado que teria apenas 32% das vendas, como o Walmart, nos EUA".
O jornalista, entre vários questionamentos, pergunta: “Qual o ganho geral do negócio para os brasileiros ou para a eficiência do país (certo, o Carrefour vai mal aqui, mas não é preciso o BNDES para se tomar o lugar dele)? O objetivo é vender produto brasileiro nas gôndolas francesas? É piada, pois o grosso dos empecilhos ao comércio de produtos brasileiros lá fora não passa por aí. O que o fato de Abilio Diniz ser luliano de primeira hora, no empresariado, tem a ver com o apoio oficial ao negócio”? São questões por ele formuladas.
Na opinião de Diogo Costa, professor de economia e relações internacionais do Ibmec, “a obsessão por ‘campeãs mundiais’ pode fazer com que se perca a noção de que campeonato estamos disputando”. Segundo ele, “de fato, o Carreçúcar pode se tornar uma empresa campeã, mas quando pensamos no que é mais desejável para a sociedade, o título de campeão vale menos que a campanha. Em um regime de livre concorrência, ensina a velha teoria econômica, venceria a empresa que melhor atendesse as demandas dos consumidores”.
“Mas, continua ele, no modelo brasileiro de capitalismo, a vitória de uma empresa não necessariamente corresponde a sua capacidade de satisfazer a sociedade. A justificativa é que o BNDES investe nos setores em que o país demonstra competitividade. Mas a competitividade de um país não se planeja - se descobre”, citando o exemplo da Índia e sua aposta na economia da informática.
O economista destaca que “diferentemente de um investidor privado, o BNDES não irá à falência se suas decisões se mostrem equivocadas. Quando uma empresa subsidiada pelo BNDES quebra, quem fica com a conta são os consumidores. É o socialismo invertido: o lucro é privatizado e os prejuízos são socializados” afirma ele e conclui: “De que adianta o Brasil ter empresas campeãs, quando os derrotados são os próprios brasileiros”?
Outro que questiona duramente o apoio do BNDES à fusão é o jornalista Ricardo Kotscho, ex-integrante da linha de frente do Partido dos Trabalhadores (PT) – foi por muitos anos assessor de imprensa de Lula. Ele critica ásperamente o que chama de “farra com nosso dinheiro”. Diz o jornalista: "Assim eu também quero! O inclíto empresário Abílio Diniz, ex-todo poderoso dono do Pão de Açucar, resolve sair um dia de casa e comprar, sem gastar um tostão dele, seu maior concorrente no Brasil, o Carrefour. Não se dá ao trabalho sequer de consultar o seu sócio majoritário, o grupo Casino, maior concorrente do Carrefour na França".
Pergunta Kotscho: “Quem vai bancar a farra? Sim, somos todos nós, com o sagrado dinheiro dos trabalhadores brasileiros guardado no BNDES”. O jornalista comenta que “o moderno capitalismo brasileiro é assim mesmo: o BNDES, com dinheiro da poupança dos trabalhadores, anunciou que pretende liberar R$ 4 bilhões - ou seja, 85% da grana necessária para a concretização do monumental negócio - para que Abílio Diniz possa controlar 32% do varejo nacional, caso saia vencedor da briga com o Casino, que promete lutar por seus direitos nos tribunais internacionais de comércio”.
Para ele, “em lugar da concorrência, que já era cada vez menor no setor, teremos agora o assustador oligopólio do monstro ‘CarrePão’, com todas as condições de jogar os preços dos fornecedores para baixo e o dos consumidores para cima, fechar lojas, demitir funcionários, pintar e bordar - e tudo isso financiado com dinheiro público”, conclui.
O riscos e prejuízos para a sociedade com a possível fusão é também levantada pelasCentrais Sindicais. As Centrais Força Sindical, CUT e UGT criticaram a fusão entre a rede francesa de Carrefour e o Grupo Pão de Açúcar, anunciada terça-feira (28), alertando sobre eventuais demissões nas lojas, monopolização do varejo e uso de R$ 4 bilhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na transação. Na opinião do presidente da CUT, Artur Henrique, recursos do BNDES não devem ser utilizado em fusões de empresas privadas: “Quem ganha com isso? Qual o beneficio para a sociedade? Essa concentração em verdadeiros monopólios não vai fazer com que os preços aos consumidores sejam cada vez mais elevados?”, questionou.
Aos questionamentos anteriores, soma-se o jornalista Jânio de Freitas, que classifica a operação como “desvio” de recursos. Diz ele: “O desvio de R$ 3,9 bilhões do BNDES, das suas finalidades primordiais para viabilizar a integração do supermercado Pão de Açúcar com o Carrefour, implica o comprometimento do governo Dilma Rousseff com um negócio privado de futuro juridicamente incerto e com esperáveis efeitos negativos para os consumidores e a economia social”.
O jornalista, comenta que “com esse envolvimento articulado em sigilo, como convém aos dias de hoje [ilação aos gastos com a Copa], o BNDES persiste no governo Dilma com sua presença bilionária e decisiva; durante o governo Lula, na senda de negócios suspeitos ou, mais do que isso, ostensivamente contrários às leis - como o negócio das telefônicas Oi/ BrTelecom, tramado contra proibição legal explícita. E, está provado, sob justificativas falseadas: nenhum proveito se mostrou ao país ou aos consumidores”, argumenta.
Jânio de Freitas levanta a tese de que a fusão tem como objetivo “salvar” o Pão de Açucar. Segundo ele, “tudo indica que o Grupo Pão de Açúcar está burlando o seu sócio Casino, também francês, que o socorreu em dificuldades não distantes e ao qual, por contrato e por pagamento feito, deveria entregar parte substancial de si mesmo em 2012”.
Aí está a verdadeira razão para o negócio na opinião de Janio de Freitas, para quem o governo brasileiro faz ainda mais: “Desfavorece os consumidores e o já comprometido equilíbrio na oferta e na concorrência dos supermercados. A formação do crescente oligopólio, encabeçada pelo Pão de Açúcar, sairá muito fortalecida do novo negócio. Há cidades em que a situação já é ou está próxima do monopólio”. O jornalista acrescenta ainda: “Alimentar (sem trocadilho) a voracidade do Pão de Açúcar é contra o que já foi muito chamado de economia popular. Sem que os R$ 3,9 bilhões do BNDES contribuam em nada para maior produção industrial. Nem para um pouco mais de empregos, mas para o desemprego sempre decorrente das fusões em atividades comuns”.
O jornalista Celso Ming, classifica o negócio como promiscuidade. Segundo ele o governo Dilma caiu na conversa de Abílio Diniz: “Pelo menos três dos seus ministros de Estado (Gleisi Hoffmann, da Casa Civil; Fernando Pimentel, do Desenvolvimento; eGuido Mantega, da Fazenda) saíram proclamando as vantagens do negócio para o País. Deixaram entrever que estavam em questão princípios de segurança nacional, uma vez que a iminência de controle do Grupo Pão de Açúcar pelo francês Grupo Casino deixaria uma importante fatia do mercado varejista nas mãos de capital estrangeiro”.
Para Ming, “esse episódio escracha um dos maiores problemas do País: a atual promiscuidade entre interesses públicos e privados. O empresário Abilio Diniz, talvez porque tenha feito polpuda contribuição para as despesas de campanha da então candidata à Presidência da República Dilma Rousseff, julgou-se no direito de envolver a Bandeira Nacional, a energia do governo e um punhado não desprezível de recursos públicos num negócio (que tem tudo para não passar de uma grande encrenca) em que o grande beneficiário é seu grupo comercial - como reconheceu no comunicado. Enquanto isso, o governo Dilma se mete nessa armação privada, tentando convencer o resto da sociedade de que estão em questão interesses de Estado”.
O modelo explica
O debate anterior sobre a pertinência ou não da utilização de recursos públicos para fortalecer ou salvaguardar fatias do capital nacional, deve ser contextualizado a partir da opção do modelo, ou projeto, levado a cabo pelo governo Lula e continuado, agora, porDilma Rousseff.
Já abordamos em análises anteriores que Lula é responsável pelo processo dereconfiguração do capitalismo brasileiro. Ao projeto econômico de corte neoliberal do governo FHC intitulado de “inserção subordinada à economia internacional”, o governoLula respondeu com a retomada do modelo econômico “nacionaldesenvolvimentista”, com significações semelhantes e distintas daquele adotado a partir dos anos 1930.
Sob a perspectiva econômica, o modelo neodesenvolvimentista encetado por Lula e continuado por Dilma, tem no BNDES um agente estratégico na conformação de grupos econômicos fortes e que em comum têm o Estado como o indutor do negócio, seja através de empréstimos ou compra de ações. Em outros, o Estado é o facilitador ou ainda assume o papel de sócio. Em todos eles, a ação privilegia o fortalecimento do capital nacional frente ao capital transnacional.
Esse modelo acredita que em face da transnacionalização da economia um Estado forte precisa de um capital nacional forte, caso contrário, o Estado fica refém da dinâmica econômica internacional. Isso explica o fato de que a BNDESPar, braço de investimentos do BNDES, já investiu R$ 42,6 bilhões na compra de participações societárias em empresas das áreas de petróleo, telefonia, energia, mineração, celulose e até frigoríficos. Trata-se da política de criar "campeãs nacionais", como a Oi (telefonia), o JBS Friboi(carnes) e a Fibria (papel) e agora o “CarrePão'' (comércio varejista), entre outras. Por meio do seu braço de participações, o BNDES, portanto o Estado brasileiro, se tornou sócio dessas empresas, aportando nelas dezenas de bilhões de reais.
A carteira de investimentos da empresa, considerando as participações societárias, debêntures e fundos, apresenta concentração nos setores de petróleo e gás (36,5%),mineração (21,2%), energia elétrica (11,7%), alimentos (9,8%),telecomunicações (4,4%) e papel e celulose (4,3%).
Lula e Dilma defendem a ativa participação e presença do Estado na economia como um agente regulador e indutor do crescimento econômico. Reeditam dessa forma o nacional-desenvolvimentismo do governo Vargas. Porém, atente-se para o fato de que o nacionaldesenvolvimentismo praticado pelo governo Lula/Dilma é distinto do praticado na Era Vargas.
No período anterior, os investimentos realizados pelo Estado constituíram a formação de um capital produtivo sob controle do próprio Estado. Foi assim que surgiu a CSN, a Companhia Vale do Rio Doce, a Petrobras, a Eletrobrás, o sistema Telebrás. Foram essas empresas que possibilitaram a modernização – conservadora – do país e o alçaram a uma das potências econômicas mundiais. Agora, entretanto, o nacionaldesenvolvimentismo em curso repassa recursos do Estado para o capital privado na crença de que ele induzirá o crescimento nacional e fortalecerá o país na disputa comercial internacional.
É a partir dessa concepção do papel do Estado brasileiro que se compreende a ação doBNDES na operação da fusão dos gigantes varejistas. Concordar ou não com essa opção ou esse modelo que se poderia nomear de “capitalismo estatal” é outra história.