domingo, 22 de maio de 2011

Campos: a cidade onde o patrimônio histórico está virando pó




     Venho de uma parte do Brasil cuja ocupação só ocorreu efetivamente na segunda metade do Século XIX. O lugar onde nasci é hoje ocupado por um plantio de pinus que alimenta a produção de celulose da Klabin do Paraná que, no início da década de 60 do Século XX, enviou os operários que ali viviam para a outra margem do Rio Tibagi. A cidade que surgiu desta mudança tem hoje apenas 47 anos de existência, e não creio que haja ali nada que mereça ser designado como um prédio ou monumento histórico, a não ser por algumas casas de madeira. E apesar de não ter vivido muito tempo por lá, creio que a experiência de habitar um lugar com tão pouca história material deve ter lá suas conseqüências.  Mas os meus conterrâneos já deram mostras de que o pouco de história que eles possuem precisa ser defendida, como foi o caso de uma decisão absurda da prefeitura local que decidiu derrubar mais de uma dezena pinheiros Araucária numa praça.

    A propensão em defender a paisagem da cidade em que vivemos, mesmo que não necessariamente a parte construída, é que parece estar sendo negligenciada neste momento em Campos. Ao contrário da minha cidade natal, esta aqui é uma cidade cujo núcleo central possui mais de trezentos anos, e que possui prédios que revelam uma riqueza histórica que deve existir em um número muito pequeno de cidades brasileiras. Aliás, como já tive a sorte de visitar outras partes do Brasil e do mundo, eu colocaria a área central de Campos como uma das diversas e belas que conheci.  Por exemplo, em termos do número de igrejas históricas, eu só vi algo parecido na cidade de León, onde os sandinistas iniciaram sua revolta armada contra Anastácio Somoza. E em relação aos casarões, vi uma incrível semelhança com a arquitetura existente no núcleo histórico de San Juan em Porto Rico. Mas, em ambos os casos, a área central de Campos me pareceu ter mais diversidade.

    Como fruto dessa minha admiração pelo centro de nossa cidade, anualmente levo minhas turmas de estudantes para trabalhos de campo onde discutimos a evolução geográfica da cidade, tendo como ponto de partida a atual Igreja de São Francisco. Em todas estas idas, sempre contei com a valiosa ajuda da minha colega de laboratório, a historiadora campista Maria Alice Pohlmann, que sempre nos apresenta com riqueza de detalhes como se deu a evolução de Campos, e como cada um dos seus edifícios tem uma história para contar. O curioso é que nestas caminhadas sempre aparece alguma pessoa pronta para acrescentar material didático, revelado a partir de memórias pessoais. 

     Como fruto dessa experiência de quase 14 anos é que vejo com indignação o que está sendo feito com a memória histórica de Campos. Não sei quantos já tombaram (e o exemplo do prédio da antiga Casa Terra é apenas o mais emblemático), mas o centro de Campos está sendo lentamente esvaziado de prédios históricos, os quais estão sendo substituídos por estacionamentos tão mal cuidados que imagino servirem mais para criar espaços de reserva especulativa do que para efetivamente gerar dinheiro para seus proprietários. Mas o que me deixa intrigado é sobre o paradeiro dos órgãos governamentais responsáveis pela proteção da memória histórica como o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) e o COPPAM (Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal). Afinal de contas, se estes órgãos estivessem cumprindo efetivamente o seu papel, creio que esse verdadeiro estupro da nossa memória coletiva não estaria ocorrendo de maneira tão violenta e acelerada. E olha que o slogan da atual administração municipal é “Campos, minha cidade meu amor”. Em função disto, alguém precisa avisar logo a prefeita Rosinha Garotinho para que coloque seus subordinados para trabalhar, pois quem ama não deixa matar.

    Por outro lado, não sou daqueles que acreditam em mudanças que não aquelas que decorram de uma mobilização social organizada que forcem o Estado a cumprir o seu papel. Em função disto, creio que já até passou da hora de cobrar das autoridades municipais que tomem medidas urgentes para proteger o patrimônio histórico de Campos. Aos mais relutantes em se engajar em causas coletivas é preciso lembrar que os frutos da inação coletiva nem sempre aparecem no momento em que ações maléficas ocorrem. O grande problema que as pessoas bem intencionadas enfrentam é que o mal precisa ser encarado a toda hora e em todas as suas pequenas facetas. Entretanto, apesar de ser exaustivo, reagir é uma obrigação de quem se importa. Do contrário, fingir indignação tardia chega a ser dispensável.

    Mas uma coisa é certa. A defesa do patrimônio histórico de Campos é uma causa que merece ser abraçada. Afinal, fala-se tanto no direito das futuras gerações em ter um mundo melhor. E que melhor caminho para as futuras gerações desta cidade construírem um mundo melhor do que tendo o direito de ter sua memória histórica preservada?