terça-feira, 24 de maio de 2011




Corpos de sindicalistas assassinados no Pará serão enterrados nesta quarta

Alessandra Gonçalves *
Especial para o UOL Notícias
Em Marabá (PA)








Os corpos do líder extrativista José Cláudio Ribeiro da Silva e de sua mulher, Maria do Espírito Santo, serão enterrados nesta quarta-feira (25). Ribeiro da Silva era presidente do Conselho Nacional das Populações Extrativistas (CNS) e foi assassinado nesta terça-feira, junto com Maria, em uma emboscada no município de Nova Ipixuna (PA), a cerca de cem quilômetros de Marabá (PA).

Silva e a mulher integravam o projeto de assentamento agroextrativista Praialta-Piranheira, criado na região em 1997 e que trabalhava principalmente com produtores de castanha. Líder da associação de camponeses da região, ele se tornou conhecido por denunciar a ação de madeireiros ilegais na floresta amazônica. Apesar de denúncias feitas em público, no entanto, nenhum deles tinha proteção policial.

De acordo com o delegado responsável pelo inquérito, Marcos Augusto Cruz, os corpos foram encaminhados ao IML (Instituto Médico Legal) local para exame de necropsia que apontará, por exemplo, quantos disparos cada um recebeu. Ambos eram da vizinha Marabá, também no Pará.

Conforme Cruz, nos próximos dias familiares e outras pessoas próximas aos líderes camponeses serão chamados a depor nas investigações. Além disso, afirmou o delegado, as denúncias de ameças relatadas por Silva ao MPF (Ministério Público Federal) e supostamente recebidas por ele de madeireiros serão analisadas “uma a uma”. “Vamos pormenorizar essas ameaças para seguir as investigações”, resumiu o policial.

Os corpos do casal foram submetidos a autópsia no início da noite desta terça-feira (24), no Instituto Médico Legal (IML), de Marabá. Na sequência, foram liberados para o velório.



Ato de crueldade

O perito criminal José Augusto Barbosa de Andrade, gerente do Setor de Criminalística do CPC Renato Chaves, de Marabá, investigou o local de crime e informou que as vítimas foram atingidas por balas de espingarda, principalmente na região torácica e nas pernas. "Também houve um ato de crueldade porque a orelha do José Claudio estava cortada, foi arrancada, do lado direito", completou.

A professora Laíse Santos Sampaio, 45, irmã de Maria do Espírito Santo, acompanhou o traslado dos corpos ao Instituto Médico e contou que há dez anos o casal lutava contra a extração ilegal de madeira, mas que sofria constantes ameaças.

A última delas, segunda Laíse, ocorreu no mês passado, quando Maria do Espírito Santo recebeu um telefonema de um número restrito e a pessoa pediu a ela ela que não saísse de casa. "Na verdade, estavam avisando como amigo, que tinha alguém atrás para matar os dois. Ela ficou preocupada, eu nunca vi ela tão sensibilizada, chorou muito", lembrou a professora, completando que a irmã lhe dizia que enquanto tivesse uma castanheira em pé, ela daria o sangue dela em defesa dessa árvore.

Histórico

Em novembro do ano passado, quando foi palestrante no TEDX Amazônia --espécie de fórum internacional que reuniu mais de 400 pensadores de diversas áreas do conhecimento sob o tema da qualidade de vida no planeta --, Silva já havia dito ao público o risco que corria: “A mesma coisa que fizeram no Acre com Chico Mendes (líder ambientalista assassinado em 1988) querem fazer comigo; a mesma coisa que fizeram com irmã Dorothy Stang (missinária norte-americana assassinada no Pará em 2005) querem fazer comigo. Posso estar falando hoje com vocês e daqui um mês vocês podem ver a notícia que eu já faleci”, sentenciou.

Na palestra, Silva disse que em 1997, quando foi criado o projeto de assentamento extrativista, a cobertura vegetal na região chegava a 85% do território, com florestas nativas de castanha e cupuaçu. “Hoje resta pouco mais de 20% dessa cobertura”, disse ele, que se auto-denominava castanheiro desde os sete anos. “Vivo da floresta, protejo ela de todo jeito, por isso vivo com a bala na cabeça a qualquer hora porque eu vou pra cima, eu denuncio (...) Quando vejo uma árvore em cima do caminhão indo pra serraria me dá uma dor --é como o cortejo fúnebre levando o ente mais querido que você tem, porque isso é vida pra mim que vivo na floresta e pra vocês também, que vivem nos centros urbanos”, disse.

Sobre a sensação de medo diante das ameaças que afirmava sofrer, o castanheiro resumiu, na palestra: “Medo eu tenho, sou um ser humano, mas o meu medo não empata de eu ficar calado. Enquanto eu tiver forças pra andar, estarei denunciando todos aqueles que prejudicam a floresta”.

* com informações de Janaina Garcia, de São Paulo