quinta-feira, 26 de maio de 2011

La Macarena: Onde os mortos não têm nome


É preciso esperar dias por um barco, pegar uma estrada abandonada ou voar em aviões sucateados para chegar a La Macarena, onde o Exército da Colômbia enterra segredos e, talvez, crimes de guerra




Fazia três anos que Diana não visitava o filho. A viagem de seu povoado até a cidade de La Macarena, na Colômbia, é longa e cara. "É preciso pegar um barco que só atravessa o rio uma vez por semana e juntar dinheiro durante vários dias para poder pagar." Os camponeses viajam apenas no fim de semana, para vender produtos agrícolas no mercado, visitar a igreja, realizar tarefas burocráticas e comprar insumos ou ferramentas. 

La Macarena fica na região do Meta, nas planícies do sudoeste colombiano, e foi o coração da "zona de distensão", uma área de 42 mil quilômetros quadrados (pouco mais que o tamanho da Suíça) que o governo de Andrés Pastrana (1998-2002) desmilitarizou e concedeu à guerrilha das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia) no final de 1998 para promover um processo de paz que durou até 2002. 

A paz nunca chegou. Em vez dela, vieram o Exército, a "segurança democrática", o presidente Uribe e o dinheiro do Plano Colômbia - ou seja, veio a guerra. La Macarena se tornou cenário de alguns dos combates mais intensos e coração da Fudra (força de ação rápida) do Exército colombiano. 

A única maneira de chegar a La Macarena partindo da capital mais próxima, Villavicencio, é em aviões de carga. São velhos DC-3 que, depois de terem revolucionado a aviação civil nos anos 1930 e participado da Segunda Guerra Mundial, foram aposentados ou são usados para o transporte de bens e passageiros que se acomodam nos espaços vazios. Existe também uma estrada abandonada que liga os dois municípios, mas o caminho, além de longo, é perigoso. É fácil encontrar grupos armados que ainda controlam boa parte das zonas rurais do Meta. 

Assim que o avião aterrissa, Bogotá e as grandes cidades modernas, centros de negócios e turismo, tornam-se uma lembrança remota. Ali, a terra fértil parece pintada de vermelho e um grande cartaz mostra o rosto de um militar com pintura de guerra, tendo atrás alguns colegas com armas grandes e uma frase: "Somos gente normal que faz um trabalho excepcional". 

O clima é pesado. Não apenas o sol é intenso, como também se respira o ar dos vilarejos colombianos que viveram e viram a guerra com os próprios olhos. 

O coveiro de olhos azuis 

O único asfalto da cidade cobre uma parte da pista de pouso. O restante é o vermelho da terra indicando as ruas, que são poucas. O cenário lembra as cidadezinhas dos filmes de velho oeste, com uma rua principal e o casario que se dissipa duas ou três quadras adentro. A base da Fudra domina a paisagem na colina, abrigando 20 mil militares, cinco brigadas móveis e vários helicópteros de guerra Black Hawk e MI-17. Os habitantes da comunidade são apenas 3.500, seis vezes menos que os militares. 

Jesús Hernández, conhecido como Don Chucho (foto abaixo), tem as mãos parecidas com as de Diana, com terra sob as unhas. Mas Chucho não é um camponês: é o coveiro de La Macarena.

 

Diana se lembra de Chucho, embora o tenha visto apenas uma vez, há três anos, quando ele enterrou seu filho. Mas não é fácil esquecer Jesús, talvez por causa dos olhos azuis e pequenos, ou pelo aparente desinteresse com que fala de seu trabalho, ou ainda porque, enquanto fala das centenas de corpos dos quais fez autópsia, deixa imaginar as dimensões do cemitério dos chamados NN (não-identificados) de La Macarena. 

Lei do silêncio 

Só uma cerca de arame separa o cemitério da base. A parte mais próxima dos militares é diferente: não há estruturas de pedra como no resto do cemitério, nem flores ou fotos dos falecidos. De longe, parece um mar de cruzes brancas, cada uma com um número gravado. "Acho que são uns 700 os guerrilheiros que enterrei aqui", conta Chucho, apontando para as cruzes brancas. "Em 2002, quando o Exército voltou, me pediram para cavar algumas fossas. Desde então, nunca mais parei". 

Na cidade, é muito difícil encontrar alguém disposto a falar do cemitério ou de quem está enterrado. "Pode estar cheio de 'falsos positivos'", conta um morador que não quer ser identificado, referindo-se aos civis assassinados e apresentados como guerrilheiros mortos em combate. "Os militares trazem os corpos de noite de todos os municípios das redondezas e dizem que enterram guerrilheiros, mas ninguém sabe quem são e ninguém os reivindica". 

Tantos NN - que, segundo Chucho, podem ser quase 2 mil - chamaram a atenção da unidade de Direitos Humanos da Procuradoria-Geral da Nação, que investiga os casos dos "falsos positivos", mas ainda não pôde organizar uma comissão para visitar o cemitério. Segundo um funcionário do governo local, La Macarena é provavelmente a cidade que abriga o maior número de NN enterrados em toda a Colômbia.