domingo, 15 de maio de 2011

Desenvolvimento sustentável: a miragem que as corporações usam para continuar poluindo e explorando



   Uma das premissas básicas que Karl Marx apresentou na Ideologia Alemã, que foi a obra que deu início à sua profícua produção intelectual, é de que as idéias dominantes num certo momento histórico decorrem do poder das classes dominantes em impor sua hegemonia sobre o conjunto da sociedade. Essa questão óbvia, mas que muitas vezes é negligenciada pelos analistas mais vulgares da realidade social, tem servido para criar miragens cujo único efeito objetivo é nos manter alienados das reais causas dos problemas que nos afligem. Mas como estamos imersos nas relações de produção capitalistas, essas fabricações também visam incrementar os mecanismos de apropriação dos meios que propiciam o acúmulo de recursos, naturais ou produzidos socialmente.
    Apesar de não ser algo novo a preocupação com os efeitos das ações produtivas realizadas pela sociedade humana sobre o ambiente natural tem sido o motor de uma das maiores miragens pelo Capitalismo.  Neste sentido ainda me recordo claramente de um encontro que tive no inicio do meu doutorado com Michel Colby, que havia escrito um artigo com alta repercussão na comunidade cientifica que resumia os tipos de relações criadas entre o Homem e seu meio natural ao longo do tempo. Uma das genialidades do trabalho de Colby era mostrar de forma bastante didática como, ao longo do tempo, a preocupação com as repercussões do desenvolvimento econômico sobre o ambiente natural havia gerado diferentes estratégias para tentar amenizar os problemas causados pela exploração econômica. A engenhosidade de Colby foi mostrar como, em menos de dois séculos, a sociedade capitalista havia passado do chamado comportamento de fronteira (onde tudo é explorado o mais rápido possível sem se preocupar com as repercussões futuras) até a chamada Ecologia Profunda, onde se propunha o abandono da sociedade industrial e o retorno a uma vida em simbiose com a Natureza.
     Mas o mais interessante da leitura do trabalho de Colby foi entender o papel ocupado pela Conferência Mundial do Ambiente realizada em 1972 em Estocolmo na Suécia. Esta primeira reunião de cúpula de Estados nacionais que se ocupou dos problemas ambientais que estavam ameaçando o futuro da humanidade, e acabou gerando uma poderosa ferramenta ideológica para desviar a atenção das suas verdadeiras causas. Desde então, estamos convivendo com o conceito de desenvolvimento sustentável que, como boa miragem, foi transformado rapidamente em um dogma inquestionável. Além disso, na esteira de uma suposta preocupação com as gerações futuras, o que de fato ocorreu foi a produção de uma série de certificados que são oferecidos como commodities a diferentes preços por entes privados às corporações poluidoras, mas cujo valor é dotar as corporações de verdadeiras licenças para poluir e degradar.
   Outro aspecto ainda mais deletério da adoção acrítica do dogma do desenvolvimento sustentável é que lentamente as grandes corporações sediadas nos países ricos começaram um processo gradual de realocação das atividades poluidoras para os países do capitalismo periférico. As razões para isto foram múltiplas, indo desde pressões para aumentar a exploração dos trabalhadores até responder positivamente a pressões das populações dos países ricos em prol do credo da sustentabilidade. Aliás, é interessante notar que toda essa transposição de atividades poluidoras recebeu bem menos atenção da academia, que preferiu se ocupar das supostas transformações no mundo do trabalho. Este foi um caso típico do que Karl Marx chamaria de jogar a criança fora com a água do banho, mas certamente não ocorreu acidentalmente. Pelo contrário, ao se concentrar apenas na flexibilização das formas de produção, e esquecer da crítica ao novo mundo da sustentabilidade, os intelectuais serviram intencionalmente aos interesses capitalistas.
     Aqui é preciso notar que quando ao reduzir o problema da sustentabilidade às estratégias de produção e de suas instalações físicas, as corporações conseguem de forma esperta desviar a atenção de problemas mais amplos de sua atuação sobre a sociedade humana, como é o caso da remoção forçada de centenas de famílias do 5o Distrito do município de São João da Barra para a construção do chamado corredor logístico da EBX. Ao reduzir o problema da sustentabilidade ao processo produtivo e colocar o foco das preocupações ambientais e sociais em gerações futuras, o que as corporações buscam, com a abnegada e cúmplice ação do Estado, é aumentar exponencialmente suas taxas de lucro sem qualquer preocupação com as gerações que estão sendo efetivamente afetadas.
     Em função dessa reflexão é que tenho me afastei da noção que é possível proteger o ambiente natural através da criação de pequenas ilhas intocadas ou do uso de outras ferramentas que permitam gerenciar os efeitos da degradação criada pelo funcionamento do sistema capitalista. Essa noção pode até servir bem aos que postulam uma volta impossível a um mundo ecocêntrico encantado, mas de nada adianta no combate que realmente importa que é de questionar a forma pela qual as riquezas são geradas e distribuídas.  Deste modo, ainda que eu veja os ambientalistas como aliados eventuais, creio que a opção preferencial deve ser por aqueles que terminam sempre carregando o ônus da degradação ambiental e da exploração social.