sábado, 2 de junho de 2012

NOTA DE APOIO E PREOCUPAÇÃO DIANTE DA SITUAÇÃO DO QUILOMBO RIO DOS MACACOS - BAHIA


As organizações não-governamentais, movimentos sociais e assessorias que subscrevem esse documento vêm por meio deste demonstrar sua solidariedade à Comunidade Quilombola do Rio dos Macacos (BA), assim como, manifestar sua preocupação diante dos últimos fatos de ampla  repercussão nacional e internacional que envolvem ameaças de violações de direitos em suas  dimensões políticas, sociais, culturais, econômicas, ambientais e históricas.
A comunidade quilombola do Rio dos Macacos é uma comunidade negra rural, composta por cerca de quarenta famílias, que remonta mais de um século de existência em área do Recôncavo Baiano, região do estado onde desde o século XVII se instalaram os engenhos produtores de cana-de-açúcar. Atualmente, a comunidade encontra-se cravada no atual município de Simões Filho, região metropolitana da cidade de Salvador.

Os habitantes realizam suas atividades rurais como a pesca e o extrativismo de forma comunitária, utilizando áreas de uso comum e perpetuam, assim, a tradição cultural de viver dos seus antepassados, conforme o relato apresentado ao Ministério Público Federal pela anciã Maurícia Maria de Jesus (111 anos de idade) : "essa terra é dos tempos dos meus avós. Meu pai, Severiano dos Santos, já falecido, nasceu aqui em 1910 e teve vinte e dois filhos aqui. O pai dele, José Custódio Rebeca, também nasceu aqui."

A Marinha do Brasil começou no início dos anos de 1970 a edificar as construções do que viria a ser, futuramente, a Base Naval de Aratu, na zona suburbana do bairro de Paripe, Salvador. No início desta mesma década, a Marinha construiu a Barragem do Rio dos Macacos, que dividiu ao meio a comunidade quilombola.

Nesse momento é que são iniciadas as tentativas, por parte da Marinha, de expulsão das famílias. A administração militar passou então a impor diversas proibições, entre elas a de construir ou reformar suas casas, manter ou iniciar roças de subsistência, criar gado de pequeno ou grande porte, entrar e sair do território livremente, receber parentes e convidados, realizar reuniões ou se organizar politicamente, entre outros impedimentos.

Destaca-se que além da não titulação/regularização da área quilombola, as famílias não têm direito à água encanada, energia elétrica e saneamento básico, além disso, o correio postal, documentos e cartas endereçadas aos moradores da comunidade passam por triagem da Marinha, são 04 (quatro) décadas de intenso tensionamento para que o conflito atinja dimensões insuportáveis, porém, a comunidade não esmoreceu.

No dia 28.05 do corrente ano, foi veiculado em diversas redes sociais mais uma situação de extrema violência contra a comunidade Rio dos Macacos, pois, a Marinha utilizando um grupo de fuzileiros fortemente armados invadiu o local para derrubar a casa de um morador que estava reerguendo uma parede danificada pelas chuvas do final de semana, a ação desastrosa atingiu uma criança e gerou novas tensões.

A situação poderia parecer apenas um fato corriqueiro diante de tantas outras tentativas de intimidações e direitos negados, porém, há indícios de que está em curso uma retaliação sistemática contra a comunidade em face do grau de articulação local, nacional e internacional que a comunidade vem conseguindo nos últimos anos, em especial a Defensoria Pública da União, o Ministério Público Federal, a Associação de Advogados/as de Trabalhadores Rurais (AATR), a Comissão Pastoral da Terra (CPT/BA) e outros.

Concorre para tal visibilidade a perspectiva de uma decisão na Justiça Federal que aponte uma solução para o conflito com a permanência da comunidade no local, assim como, uma visita programada para próxima segunda-feira (04.06), no qual estão confirmadas a participação da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos/as Deputados/as, Procuradoria Geral da República, Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, organizações e assessorias de apoio. Até o momento estão agendadas uma visita a Comunidade, assim como, reuniões com o Governo do Estado da Bahia e com o Secretário Geral da República.

O Estado brasileiro, através das suas instituições devem proporcionar o cumprimento dos princípios, objetivos e leis que foram promulgadas na Constituição Federal de 1988, assim como, em tratados, pactos e declarações internacionais, a Constituição reconhece a necessidade de titulação das áreas quilombolas em seu Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, compreende a necessidade e promove o reconhecimento cultural, social e histórico (material e imaterial) da contribuição dos afro-brasileiros para construção de uma sociedade plural (Artigos 215 e 216 da Constituição).

No campo do direito internacional, ratificou a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho que trata do autorreconhecimento, uso do território e garantia para que as comunidades possam manter seus modos de vida, sejam elas comunidades indígenas, quilombolas e populações tradicionais.

No momento em que desafios no campo da regulamentação do processo de Consulta prevista na Convenção 169 da OIT são discutidos e estimulados pelo próprio Governo Federal através do Itamaraty e demais Ministérios, assim como, persiste a batalha jurídica pela manutenção do Decreto 4.887/03 no Supremo Tribunal Federal, na qual dezenas de organizações de direitos humanos, associações quilombolas e outros movimentos se acostam ao processo na defesa do direitos quilombolas, a ingerência contínua da Marinha no quilombo do Rio dos Macacos caminha na contramão da história e configura-se como um atentado não apenas a essa comunidade quilombola, mas a todas as outras no Brasil e América Latina, cabendo a responsabilização interna e internacional do Estado brasileiro sobre qualquer situação na qual os agentes do Estado utilizem a força coercitiva para intimidação e negação de direitos.

Assinam esta nota:

Centro de Assessoria Popular Mariana Criola.Centro de Referência em Direitos Humanos - UFPB.Comissão Pastoral da Terra - Regional Nordeste 2.Dignitatis - Assessoria Técnica Popular.GT Combate ao Racismo Ambiental[1] da Rede Brasileira de Justiça Ambiental.Justiça Global.Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.Terra de Direitos.[1]Entidades que compõe o GT de Combate ao Racismo Ambiental: AATR - Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais no Estado da Bahia - Salvador - BA; Amigos da Terra Brasil - Porto Alegre - RS; ANAÍ - Salvador - BA;Associação Aritaguá - Ilhéus - BA;Associação de Moradores de Porto das Caixas (vítimas do derramamento de óleo da Ferrovia Centro Atlântica) - Itaboraí - RJ; Associação Socioambiental Verdemar - Cachoeira - BA;CEDEFES (Centro de Documentação Eloy Ferreira da Silva) - Belo Horizonte - MG;Central Única das Favelas (CUFA-CEARÁ) - Fortaleza - CE; Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (CEDENPA) - Belém - PA; Coordenação Nacional de Juventude Negra - Recife - PE; CEPEDES (Centro de Estudos e Pesquisas para o Desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia) - Eunápolis - BA;CPP (Conselho Pastoral dos Pescadores) Nacional ;CPP BA - Salvador - BA;CPP CE - Fortaleza - CE;CPP Nordeste - Recife (PE, AL, SE, PB, RN);CPP Norte (Paz e Bem) - Belém - PA;CPP Juazeiro - BA;CPT - Comissão Pastoral da Terra Nacional;CRIOLA - Rio de Janeiro - RJ;EKOS - Instituto para a Justiça e a Equidade - São Luís - MA; FAOR - Fórum da Amazônia Oriental - Belém - PA; Fase Amazônia - Belém - PA; Fase Nacional (Núcleo Brasil Sustentável) - Rio de Janeiro - RJ;FDA (Frente em Defesa da Amazônia) - Santarém - PA;FIOCRUZ - RJ;Fórum Carajás - São Luís - MA;Fórum de Defesa da Zona Costeira do Ceará - Fortaleza - CE;FUNAGUAS - Terezina - PI;GELEDÉS - Instituto da Mulher Negra - São Paulo - SP;GPEA (Grupo Pesquisador em Educação Ambiental da UFMT) - Cuiabá - MT; Grupo de Pesquisa Historicidade do Estado e do Direito: interações sociedade e meio ambiente, da UFBA - Salvador - BA;GT Observatório e GT Água e Meio Ambiente do Fórum da Amazônia Oriental (FAOR) - Belém - PA;IARA - Rio de Janeiro - RJ;Ibase - Rio de Janeiro - RJ;INESC - Brasília - DF; Instituto Búzios - Salvador - BA;Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense - IF Fluminense - Macaé - RJ;Instituto Terramar - Fortaleza - CE;Justiça Global - Rio de Janeiro - RJ;Movimento Cultura de Rua (MCR) - Fortaleza - CE;Movimento Inter-Religioso (MIR/Iser) - Rio de Janeiro - RJ;Movimento Popular de Saúde de Santo Amaro da Purificação (MOPS) - Santo Amaro da Purificação - BA;Movimento Wangari Maathai - Salvador - BA;NINJA - Núcleo de Investigações em Justiça Ambiental (Universidade Federal de São João del-Rei) - São João del-Rei - MG;Núcleo TRAMAS (Trabalho Meio Ambiente e Saúde para Sustentabilidade/UFC) - Fortaleza - CE;Observatório Ambiental Alberto Ribeiro Lamego - Macaé - RJ;Omolaiyè (Sociedade de Estudos Étnicos, Políticos, Sociais e Culturais) - Aracajú - SE;ONG.GDASI - Grupo de Defesa Ambiental e Social de Itacuruçá - Mangaratiba - RJ;Opção Brasil - São Paulo - SP;Oriashé Sociedade Brasileira de Cultura e Arte Negra - São Paulo - SP;Projeto Recriar - Ouro Preto - MG;Rede Axé Dudu - Cuiabá - MT;Rede Matogrossense de Educação Ambiental - Cuiabá - MT;RENAP Ceará - Fortaleza - CE; Sociedade de Melhoramentos do São Manoel - São Manoel - SP;Terra de Direitos - Paulo Afonso - BA e TOXISPHERA - Associação de Saúde Ambiental - PR.
Participantes individuais: Ana Almeida - Salvador - BA;Ana Paula Cavalcanti - Rio de Janeiro - RJ;Angélica Cosenza Rodrigues - Juiz de Fora - Minas;Carmela Morena Zigoni - Brasília - DF; Cíntia Beatriz Müller - Salvador - BA;Cláudio Silva - Rio de Janeiro - RJ;Daniel Fonsêca - Fortaleza - CE;Daniel Silvestre - Brasília - DF;Danilo D'Addio Chammas - São Luiz - MA; Diogo Rocha - Rio de Janeiro - RJ/ Florival de José de Souza Filho - Aracajú - SE; Igor Vitorino - Vitória - ES;Janaína Tude Sevá - Rio de Janeiro - RJ;Josie Rabelo - Recife - PE; Juliana Souza - Rio de Janeiro - RJ; Leila Santana - Juazeiro - BA; Luan Gomes dos Santos de Oliveira - Natal - RN; Luís Claúdio Teixeira (FAOR e CIMI) Belém- PA; Maria do Carmo Barcellos - Cacoal - RO; Mauricio Sebastian Berger - Córdoba, Argentina; Norma Felicidade Lopes da Silva Valencio - São Carlos - SP; Pedro Rapozo - Manaus - AM; Raquel Giffoni Pinto - Volta Redonda - RJ; Ricardo Stanziola - São Paulo - SP; Ruben Siqueira - Salvador - BA; Rui Kureda - São Paulo - SP; Samuel Marques - Salvador - BA; Tania Pacheco - Rio de Janeiro - RJ; Telma Monteiro - Juquitiba - SP; Teresa Cristina Vital de Sousa - Recife - PE; Tereza Ribeiro - Rio de Janeiro - RJ e Vânia Regina de Carvalho - Belém - PA