Rio+20: dilemas em tempos de profunda reação anti-ambiental
Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 249 da Revista Somos Assim
Na semana que se inicia, o Rio de Janeiro servirá de palco para mais uma das conferências para o Meio Ambiente organizada pelas Nações Unidas, no que está sendo chamada de Rio +20, em referência à edição de 1992 que também aconteceu na "cidade maravilhosa". Se olharmos friamente para o que ocorreu na fase preparatória, a Rio +20 tem tudo para ser um fracasso; na melhor das hipóteses, não sairemos dela com grandes retrocessos ao que foi acordado há duas décadas. As razões para este quadro pouco animador são múltiplas, mas a principal é mesmo a falta de disposição política da maioria dos governos do mundo em reverter o padrão de consumo desenfreado que alimenta a atual fase do Capitalismo. É que tomados de assalto pelos interesses das grandes corporações, a maioria dos governantes escolheu protelar a aplicação dos acordos que previam, por exemplo, a redução da emissão dos chamados gases de efeito estufa. A razão para isto é simples: entre adotar novas estratégias de desenvolvimento econômico ou manter intactos os lucros das corporações, os governos não hesitaram em manter o status quo econômico vigente.
A atual crise do sistema capitalista já deveria ter servido para que medidas criativas fossem adotadas visando substituir a dependência dos combustíveis fósseis que catapultam o processo de consumo em massa; no entanto, não foi isso o que ocorreu. Se olharmos apenas para o que anda acontecendo na Europa, veremos que as medidas de arrocho fiscal não dilaceraram apenas direitos sociais, mas atingiram também as pesquisas científicas que buscavam desenvolver mecanismos mais limpos. De quebra, nos chamados países emergentes como o Brasil, a resposta à crise ora ocorrendo nas economias centrais não resultou numa tomada de posição pró-energias alternativas. Na verdade, o que se viu nos últimos anos foi o aumento da dependência da exportação de commodities agrícolas e minerais, o que implicou na destruição de ecossistemas inteiros em todas as regiões brasileiras.
Aliás, chega a ser irônico o fato de que a Rio +20 esteja sendo realizada num dos estados brasileiros onde os ecossistemas naturais e as populações que tradicionalmente os habitavam se encontram mais penalizados pela opção de aprofundar o modelo de economia que nada tem de verde, já que o que mais se vê em várias partes do território fluminense são as nuvens marrons de poluição. Basta analisar, por exemplo, o trágico caso da Companhia Siderúrgica do Atlântico, do grupo alemão Thyssen-Krupp, que se tornou um dos maiores emblemas da opção pelo desenvolvimento a ferro e fogo: após receber centenas de milhões de reais de fundos públicos, a CSA passou a lançar pesadas nuvens de escória sobre os habitantes de Santa Cruz. Mas a CSA não é o único grande poluidor agindo no Rio de Janeiro sob as bênçãos do governo Cabral; temos ainda exemplos gritantes como os do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (COMPERJ), em Itaboraí, e do Complexo Portuário-Industrial do Açu, em São João da Barra. Quando somadas as emissões de poluentes apenas destes três megaempreendimentos, não há como negar o fato de que a política de licenciamento “Fast Food” engendrada pelo secretário estadual de Meio Ambiente, Carlos Minc, aumentou exponencialmente o passivo ambiental fluminense.
Por outro lado, temos ainda de lembrar para quê e para quem deveria servir a agenda da preservação ambiental. E aqui talvez tenhamos um dos maiores nós de toda essa discussão. Sejam os que advogam o desenvolvimento a ferro e fogo ou, no lado oposto, aqueles que pleiteiam uma mudança de paradigma para uma suposta economia verde, ambos lados sempre aparecem dizendo que suas agendas favorecem em última instância a Humanidade. O problema é que dentro dessa abstração chamada Humanidade, nem todos vêm recebendo os bônus das peripécias do Capitalismo. Aliás, muito pelo contrário, visto que enquanto os ganhos ficam fortemente concentrados, a maioria de despossuídos é que arca com os pesados custos de um modelo calcado na exploração dos ecossistemas naturais em prol do lucro privado. É exatamente essa verdade que não deverá ser enfrentada na Rio +20, já que a maioria dos governos opera como verdadeiro gerente das corporações poluidores, vide o caso aqui discutido do governo do Rio de Janeiro.
Em que pesem as evidências de que o evento oficial deverá ter resoluções muito aquém das tarefas colocadas, há que se lembrar que simultaneamente à Rio +20 teremos também a chamada Cúpula dos Povos, evento paralelo que promete reunir as principais lideranças de movimentos sociais de todo o mundo para discutir uma reação global ao modelo hegemônico calcado na poluição e na concentração da riqueza; este evento servirá também como um elemento aglutinador de lutas e enfrentamentos que ocorrem em todo o planeta neste exato momento. Ainda que a Cúpula dos Povos não venha a receber o tratamento que realmente merece em termos de cobertura jornalística, é muito provável que as discussões que nela ocorrerão sejam de efeito mais abrangente e prático na direção de um modelo realmente sustentável de existência. Afinal, como diz um amigo meu, acreditar em economia verde é acreditar em tigre vegetariano.