Marcos Pedlowski, artigo publicado no número 248 da Revista Somos Assim
Como pesquisador, venho acompanhando há
quase uma década o uso de agrotóxicos por agricultores familiares, tendo como
pontos de observação os assentamentos de reforma agrária do norte fluminense e
áreas de produção de hortaliças na região serrana. Em todos os estudos realizados, pude
verificar a falácia do uso seguro de centenas de substâncias altamente tóxicas,
seja para seus usuários diretos ou para os ecossistemas aonde a aplicação é
feita. Agora, graças a uma pesquisa multidisciplinar, que integra diferentes
laboratórios da Uenf e um grupo de estudos da Faculdade de Medicina de Campos, realizaremos
um estudo acerca dos efeitos de seu uso sobre a água, os solos e a saúde dos
agricultores.
E qual a importância desse estudo? Sem
querer causar pânico, eu compararia a situação causada pela súbita condição do
Brasil ter se transformado no principal mercado mundial dos agrotóxicos a uma
epidemia. Um conjunto de matérias publicadas pelo Jornal O Globo revelou números
assustadores sobre a incidência de suicídios e mortes por câncer em três
regiões fluminenses produtoras das hortaliças consumidas pela população carioca. E a conclusão a que chegaram os jornalistas
que fizeram a matéria é assombrosa: há uma estreita relação entre o alto nível
de uso de agrotóxicos e as taxas de morte por suicídio e câncer. Mas as
reportagens foram um pouco além, ao mostrar que a prática cotidiana de
manipulação que ocorre nas pequenas propriedades contraria totalmente as normas
que supostamente assegurariam um uso seguro destas substâncias.
Um dos problemas destas reportagens foi
que os jornalistas, provavelmente por falta de conhecimento e tempo para
prepará-las, não fizeram uma análise objetiva acerca da viabilidade deste
suposto uso seguro. Com base em minha experiência de visitas a propriedades
rurais, penso que o único uso seguro
para agrotóxicos seria não usá-los. Afinal, dadas as condições climáticas,
culturais, e econômicas em que este uso se dá, não há como as complicadas
medidas de segurança serem obedecidas. Este é um fato concreto para o qual as
seguidas assertivas de representantes da Associação Nacional de Defesa Vegetal
(Andef), de que o uso de agrotóxicos seria seguro, não passam de uma postura
cínica de vendedores de veneno. Aliás, falando na negativa oferecida pela Andef
em relação à correlação encontrada entre incidência de câncer com o uso de
agrotóxicos, isto apenas revela uma propensão ao mais abjeto obscurantismo em
nome do lucro. O fato é que existem dados científicos suficientes demonstrando
que tal correlação existe, e não é apenas para problemas físicos como o câncer,
mas também para vários outros tipos de doenças mentais, como os processos
depressivos que, em muitos casos, levam ao suicídio.
Por outro lado, há uma grande dificuldade
na demonstração científica de que os efeitos do envenenamento causado pelos
agrotóxicos se espalham e atingem não só aqueles que aplicam o veneno na
lavoura, mas estão presentes também nas mesas daqueles que consomem a produção
gerada por eles. Isto, no caso do
Brasil, se dá por inúmeras causas. Primeiro, a própria Agência Nacional de
Vigilância Sanitária (Anvisa) que realiza um trabalho fundamental na avaliação
da contaminação de alimentos, o faz em condições de extrema sobrecarga pela
falta de equipamentos analíticos e pessoal especializado. Já as universidades e
instituições de pesquisa até hoje não deram a devida atenção às consequências
para a saúde pública, inexistindo assim programas coordenados para fazer este
acompanhamento. De quebra, a análise da contaminação por agrotóxicos é
extremamente difícil do ponto de vista metodológico. E o pior é que esta dificuldade é de total
conhecimento dos fabricantes, que acabam utilizando este fato de forma
oportunista se negando a reconhecer, sequer, que o uso de seus produtos causa
problemas à saúde humana e ao ambiente.
Por isto é que ninguém pode ter dúvida: as
forças que querem nos manter engolfados por nuvens de agrotóxicos são
poderosas. A verdade é que estas forças
são tão poderosas que estão conseguindo impedir que a Anvisa consiga banir uma
série de substâncias que já foram removidas legalmente da maioria dos países do
mundo, incluindo a antiga Meca dos agrotóxicos, os EUA. Aliás, em se falando
nos EUA, lá o mercado da chamada comida orgânica (aquela que não leva
agrotóxicos) está num vertiginoso processo de expansão, implicando num aumento
dos agrotóxicos que estão sendo banidos por lá e que a indústria acaba enviando
para cá, numa sinistra adaptação do ditado “pimenta nos olhos dos outros é
refresco” para “agrotóxicos nos pratos dos outros é lucro”.
A estas alturas alguém poderia se
perguntar sobre as possíveis saídas para esta situação calamitosa. As saídas felizmente existem, mas dependem
diretamente de um produto tão raro quanto alimentos saudáveis e livres de
agrotóxicos: consciência política. A boa notícia para os que querem garantir o
seu direito a uma alimentação saudável é que já existe um movimento nacional
liderado por pesquisadores e movimentos sociais denunciando de forma bastante
didática as implicações de o Brasil ter se transformado no Nirvana dos venenos
agrícolas. Essa campanha atende pelo
nome “Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida” e já disponibiliza
uma série de materiais didáticos através de uma página na internet no seguinte
endereço http://www.contraosagrotoxicos.org.
A questão que se coloca: vamos continuar
comendo veneno ou vamos reagir? Da resposta que for dada poderá depender o
destino de vida de milhões de brasileiros.