domingo, 24 de junho de 2012

O escândalo Cachoeira: prenúncio de outros que estão por vir?

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 250 da Revista Somos Assim


De tempos em tempos, as entranhas da corrupção que assola o Estado brasileiro surge de forma tímida no noticiário. Se lembrarmos apenas os casos mais emblemáticos no período iniciado com a eleição de Fernando Collor, poderemos lembrar um número incontável de situações onde um grupo de indivíduos engravatados foram flagrados literalmente metendo as mãos no tesouro público. Assim é que no plano federal ao longo do tempo se sucederam os "Anões do Orçamento", a "Máfia dos Bingos, a "Máfia dos Sanguessugas", a Operação Satiagraha e, mais recentemente, o último escândalo envolvendo o bicheiro Carlinhos Cachoeira.

A repercussão que é dada aos diferentes casos pela mídia empresarial normalmente varia de acordo com a disposição de se colocar algum governante contra a parede. No entanto, isto nem sempre atende ao clamor público por justiça e punição para aqueles que, de posse de cargos obtidos em eleições, se lançam em empreitadas para se apropriar de forma indébita da coisa pública. Este aspecto é normalmente negligenciado porque teríamos de ter no Brasil um setor da mídia que agisse de forma isenta para verificar o que a própria mídia noticia. Assim, se houvesse uma verificação completa e isenta da ação de alguns órgãos de imprensa veríamos, como ocorreu recentemente no caso da Revista Veja, que existe uma curiosa co-habitação entre os envolvidos nos esquemas de corrupção e aqueles que deveriam trazer à luz os seus idealizadores.

Além disso, o que veio à luz no caso "Cachoeira" devido às investigações da Polícia Federal demonstra que determinados escândalos são inflados ou esvaziados pela imprensa de acordo com os interesses diretos das elites que controlam o Estado brasileiro. Só isto explica porque o envolvimento dos governadores Sérgio Cabral, Marconi Perillo e Agnello Queiróz de forma direta ou indireta com o esquema de Carlinhos Cachoeira não tenha recebido o mesmo tipo de tratamento estridente pelos grandes órgãos de imprensa. É que ao se chegar nesse nível de poder, o que está em jogo não é apenas o controle de verbas publicitárias como muitos aludem, mas somas muito mais vultosas, como do tipo que está envolvido na contratação de obras públicas. Assim, se formos analisar quem tem interesses entre as dezenas de governos estaduais envolvidos apenas com a Construtora Delta, talvez tenhamos uma explicação de como é possível que a empreiteira de Fernando Cavendish tenha se tornado repentinamente uma das maiores empresas do setor, basicamente saindo do nada para atingir o estrelato entre as grandes empreiteiras brasileiras.

Entretanto, para o entendimento de como é difícil erradicar a corrupção, em função das intrincadas relações de poder que orientam o funcionamento da sociedade brasileira, é preciso incluir nesta equação o sistema judiciário. É que caso após caso, o trabalho de investigação da Polícia Federal nos grandes escândalos de corrupção é anulado na Justiça por um exército de advogados contratados a peso de ouro. Novamente, o caso Cachoeira é emblemático, visto que um ex-ministro da Justiça do governo Lula, Márcio Thomaz Bastos, foi contratado a peso de ouro para literalmente anular todas as evidências coletadas pela Polícia Federal, buscando assim inutilizar o trabalho que colocou o seu cliente atrás das grades. Somado a esse verdadeiro exército de advogados caros, há ainda o tratamento leniente na legislação que permite que membros do Judiciário possam encontrar as brechas necessárias para anular provas, desmembrar ou juntar processos e, sim, libertar os envolvidos.

Mas no caso do Judiciário existem ainda outros mecanismos para pressionar e coagir os juízes sobre quem tem a sorte ou o azar de receber estes processos. E não é preciso ir longe para lembrar do caso do juiz Fausto de Sanctis, que depois de ter a coragem de prender duas vezes o banqueiro Daniel Dantas, passou a ser vítima de uma perseguição feroz por parte do ministro Gilmar Mendes, que produziu dois habeas corpus para o dono do Banco Opportunity. Mais recentemente, o juiz Paulo Augusto Moreira Lima, que autorizou as investigações contra Carlinhos Cachoeira, foi transferido à surdina para outra vara com prejuízo nas funções que ocupava anteriormente. Apenas com esta remoção, o caso Cachoeira agora deve ter sido atrasado por um bom tempo, o que permitirá ao bicheiro goiano retornar para a sua mansão e seus negócios.

Outro aspecto desta engrenagem são os partidos políticos que hoje controlam o congresso nacional. Ainda que apareçam brigando entre si na frente das câmeras, as últimas semanas demonstraram que quando chega a hora de investigar os grandes esquemas e seus envolvidos, a má vontade é total. E isto não se dá por causa de embaraço porque muitos dos membros destes partidos se encontram envolvidos nos casos investigados; isto apenas é a cobertura do bolo. A questão mais profunda é que a corrupção que drena bilhões de reais dos cofres públicos serve para criar uma forma bastante peculiar de funcionamento do Capitalismo no Brasil. É por isto que quando o braseiro do atual escândalo for coberto por cinzas, outro certamente acenderá. E podem todos ter certeza de que os maiores personagens serão os mesmos.