Problemas à vista no reino desencantado das commodities
Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 247 da Revista SOMOS ASSIM
O fato de que a economia brasileira se tornou perigosamente dependente da exportação de commodities minerais e agrícolas já deveria ter feito soar o alarme de perigo para as autoridades federais há quase uma década. Mas não foi o que se viu e, aliás, o caminho assumido por Lula e Dilma Rousseff foi justamente o oposto, pois todas as apostas feitas foram no sentido de fortalecer o papel ocupado pelas commodities na balança comercial. Assim, bilhões de reais retirados do FGTS e do Fundo de Apoio ao Trabalhador (FAT) foram usados para apoiar um pequeno número de empresas. Exemplos desta aposta nas commodities são a JBS-Friboi, atualmente a maior empresa da área de carnes, a Vale que atua na área de minérios, e o Grupo EBX cujo motor é a área de petróleo e gás. Mas, além de turbinar os negócios destas mega empresas, o governo federal também investiu vultosas somas de recursos na área de infraestrutura e logística através do chamado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
A aposta no peso econômico das commodities estava ancorada em dois aspectos básicos: a elevação sem precedentes nos preços de recursos minerais e produtos agrícolas, e o crescimento vertiginoso da economia da China, que passou a se comportar como um aspirador de pó gigante que absorvia grande parte da produção mundial de produtos primários. Além disso, a transformação das commodities em elemento com os quais as grandes corporações financeiras faziam o seu jogo especulativo contribuiu para dar uma aura de inevitabilidade de que o Brasil se dobrasse ao seu apelo comercial.
Mas, agora que a economia chinesa está dando claros sinais de que vai entrar num ciclo menos virtuoso e os países europeus permanecem enredados numa colossal crise econômica, a aposta nas commodities está se mostrando um erro descomunal. E os sinais disto estão por todo lado. Primeiro foram as indústrias de celulose que congelaram seus planos de expandir os plantios de eucalipto e pinus na região Sul; só a papeleira sueca Stora Enso diminuiu em 80% as suas metas de plantio, além de ter fechado o escritório que mantinha em Porto Alegre, num claro sinal de que está querendo dar um “adjö” ao Brasil. Outra evidência apareceu numa entrevista dada à Revista Exame por Ruben Ometto, que até recentemente jogava fundo na área de produção de açúcar e álcool, mas que repentinamente decidiu mudar o seu foco para a área de logística, e se manter o mais distante possível de tudo que tenha a ver com a cana de açúcar. Mas um sinal mais próximo de que o chamado “superciclo” das commodities pode ter chegado a um final pouco glorioso foi a desistência das multinacionais Ternium (francesa) e Wisco (chinesa) de instalarem siderúrgicas no chamado Complexo Portuário-Industrial do Açu. Apesar de Eike Batista ter tentado, como sempre aliás, colocar uma face risonha na derrocada de suas sonhadas siderúrgicas, o fato é que a produção do aço também está comprometida com o que está acontecendo na China e na Europa.
Os mais puros de alma poderiam dar de ombros para a débâcle das commodities e se refugiar no mito disseminado pelos ideólogos do governo Dilma de que a economia brasileira está forte o suficiente para resistir à pulverização dos valores estratosféricos que as commodities desfrutaram por mais de duas décadas. Aliás, há que se ressaltar: os valores inflacionados das commodities serviram ainda para disseminar e legitimar o mito de que o Brasil tinha superado nosso histórico atraso econômico para se inserir no fechado clube das economias desenvolvidas.
Neste processo todo o Brasil perdeu a oportunidade de efetivamente reorganizar para melhor o modus operandi da economia brasileira. Assim, ao invés de apostar em políticas estruturantes como a reforma agrária e o desenvolvimento de alternativas de ponta na área energética, o que se deu foi uma aposta justamente no sentido contrário. Assim, o que temos hoje é um aumento acelerado na concentração da terra para o cultivo das monoculturas agroexportadoras. Por isso, apenas a COSAN de Rubens Ometto detém 100.000 hectares de terras nos estados de São Paulo, Mato Grosso, Bahia e Maranhão que estão usando exclusivamente apenas para o plantio de cana de açúcar voltado para a produção de açúcar e álcool. Mas não seria preciso ir tão longe para ver como a opção pelas commodities está afetando a produção de alimentos, pois aqui mesmo no V Distrito de São João da Barra, centenas de famílias tiveram suas terras altamente produtivas tomadas para a implantação do Complexo do Açu! O problema é que agora toda a aposta feita no mirabolante Eike Batista está parecendo apenas outro erro trágico dos adoradores de commodities. Aliás, neste caso, caberia perguntar ao secretário estadual de Desenvolvimento, Júlio Bueno, que disse um dia que preferia aço ao maxixe, o que ele fará com as terras desapropriadas agora que o sonho da siderurgia virou pesadelo.
O mais trágico disto tudo é que se o pior cenário se confirmar, o Brasil terá de se defrontar com uma grave crise econômica e social. Mas talvez aí as mudanças venham finalmente a ocorrer.