Por Marcos de Moura e Souza | De Conceição do Mato Dentro (MG)
A centenária cidade mineira vive o dilema entre os benefícios do investimento em minério de ferro e as consequências do crescimento acelerado e sem planejamento
Seis anos depois de começar a se converter na base do projeto mais ambicioso da mineradora britânica Anglo American no mundo, a pequena Conceição do Mato do Dentro está transformada. Os hotéis e pousadas vivem cheios. As ruas antigas da época do Brasil colônia passaram a ter congestionamento. A renda subiu, emprego não falta e arrecadação da prefeitura disparou. Mas o Minas-Rio, o empreendimento de US$ 8,8 bilhões para extração de minério de ferro das montanhas na zona rural, não trouxe só bonança. O projeto desatou uma sucessão de problemas até agora não resolvidos e que deixam autoridades e parte da população inconformadas.
A Anglo e as empresas prestadoras de serviços nas obras são hoje o motor de Conceição do Mato Dentro. A cidade, de 1702, não tinha até então uma grande indústria, nem comércio pujante. Tentou investir na imagem de polo de ecoturismo, mas muitos dizem que a ideia nunca realmente decolou.
"Para o meu negócio, foi a salvação", diz Allan Augusto Galdino, de 55 anos, um ex-bancário que há quase 15 anos decidiu voltar de Belo Horizonte para sua cidade natal e montar um restaurante e uma pousada. O movimento era fraco e só começou a melhorar entre 2007 e 2008, quando a Anglo American adquiriu a mina do empresário Eike Batista e terras do entorno. A pousada de Galdino, que tinha 16 quartos foi ampliada para 24. Ele, então, arrendou outra com 18 e agora está construindo uma terceira com mais onze quartos.
Os negócios de Galdino são uma síntese do que aconteceu com a economia local. Tudo, ou quase tudo, gira em torno do empreendimento. Restaurantes, pousadas, mercados, postos de combustível, farmácias, lojas de roupa, empregos. Mas críticas repetidas na cidade ao projeto se referem ao outro lado da história. "O impacto social está sendo muito maior do que o ambiental", diz o prefeito Reinaldo César de Lima Guimarães (PMDB).
Com uma população de 17 mil habitantes, Conceição inchou. São cerca de 6 mil trabalhadores no projeto da Anglo, diz a prefeitura. A empresa fala em 4 mil espalhados pela cidade, onde está a maior parte dos trabalhos, e por dois municípios vizinhos. Parte mão de obra local, parte de outras cidades e outros Estados. Muitos trabalhadores dormem em extensos alojamentos nos canteiros de obras. Mas uma boa parte vive em casas em Conceição do Mato Dentro. E quando isso começou a acontecer, logo surgiu o primeiro efeito colateral do empreendimento: os alugueis subiram numa velocidade espantosa. Casas simples que famílias da região pagavam de R$ 200 a R$ 250 por mês há quatro ou cinco anos variam hoje de R$ 1 mil a R$ 1,5 mil. Uma casa com um pouco mais de conforto, que até 2011, o proprietário cobrava R$ 2,2 mil, no ano passado já queria R$ 5 mil.
Muitas famílias viram aí um filão. Passaram a viver com parentes enquanto alugavam seus imóveis para os forasteiros dispostos a abrir a carteira. Mas outras se acharam no aperto por não ter como bancar um aluguel tão caro. Foi quando veio um segundo efeito: o início de uma favelização na cidade. E bem numa área adjacente a um parque ecológico. Pressionada pelos preços, muita gente foi improvisando. Segundo o Ministério Público Estadual, cerca de 600 pessoas estão vivendo ali.
A especulação dos aluguéis acabou respingando em outras áreas, como a segurança. "Os impactos são tão grandes que hoje qual policial quer vir para Conceição?", indaga o prefeito. "Eles recebem R$ 2 mil a R$ 3 mil e têm de pagar R$ 1,5 mil de aluguel. Ninguém quer vir para cá. Hoje temos aqui uns 20 policiais, entre militares e civis. Eu precisaria de no mínimo 50." Para tentar fazer com que mais policiais se transfiram para Conceição, a prefeitura tem um projeto de construção de uma vila militar.
Outra mudança foi no emprego. Atrás de salários e benefícios tão mais atraentes, muitos se banderam para o empreendimento. Na prefeitura, por exemplo, faltam garis, motoristas, pessoal de limpeza e também profissionais mais preparados. Vários simplesmente deixaram o funcionalismo.
Guimarães fala de outros impactos: o movimento no único hospital da cidade aumentou 70% e o lixão dobrou de tamanho, diz. No caso da saúde, a nova população da cidade fez também aumentar a demanda por vacinas, remédios da farmácia popular e por atendimentos no posto de saúde. A prefeitura diz que os gastos com saúde aumentaram.
Claro que o caixa de Conceição melhorou. A cidade que vivia praticamente de recursos do Fundo de Participação dos Municípios, hoje tem no ISS sua maior fonte de recursos. A receita total de Conceição no ano passado foi de R$ 36 milhões e este ano deve chegar a R$ 45 milhões. Especula-se que em 2015, só de royalties do minério, Conceição passe a receber R$ 200 milhões por ano.
Mas por força de condicionantes e acordos relacionados ao projeto, a Anglo American tem de ajudar a cidade não só fazendo o dinheiro girar. No caso do hospital, a empresa terá de bancar 70% dos gastos por três anos, prorrogáveis por mais três, diz a Secretaria de Saúde. No caso do lixão a céu aberto, a Anglo se comprometeu a construir um aterro sanitário. Nos dois casos, nada ainda é realidade.
O promotor público estadual Marcelo Mata Machado, o único da cidade, acompanha de perto o projeto. Em 2012, o Ministério Público ajuizou três ações civis públicas contra a Anglo e obteve três liminares que interromperam os trabalhos no projeto durante meses. As liminares tratavam dos impactos ambientais e de potenciais riscos a patrimônio arqueológico. Uma ação não deu em nada, mas a empresa acatou os pedidos do MP em troca do encerramento das outras duas, diz o promotor
Em parte pelas questões judiciais, a Anglo alterou seu cronograma: a produção programada para começar este ano ficou para o fim de 2014. Na primeira fase, a capacidade de produção será de 26,5 milhões de toneladas de ferro.
O secretário de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais, Adriano Magalhães, lembra que é um projeto complexo, que está num santuário ecológico e numa área turística. "Quando você entra numa região turística, que tem um circuito cultural e histórico para fazer um projeto de mineração, há sempre mais resistências e isso pode não ter sido bem avaliado pela empresa." Ele elogia a direção atual e avalia que ela mostra comprometimento com o projeto e disposição para resolver as questões que surgirem.
Para o promotor, assim como para outros críticos, a Anglo American deixa ainda um rastro de descontentamento. "Se você olha a cartilha com os valores da Anglo, são valores comprometidos com direitos humanos, com respeito às comunidades afetadas. Mas quando escutamos as pessoas afetadas pelo empreendimento aqui na cidade, existe um abismo."