quinta-feira, 23 de maio de 2013

Brasil 247: Dilma precisa de Cabral ou Cabral precisa de Dilma?

Campeão de verbas recebidas da União no ano passado, com mais de R$ 10 bilhões destinados a convênios, o "rj gov gabinete do governador" aproveitou administrativamente e, agora, se prepara para romper politicamente com o governo federal; juras de Sergio Cabral a Dilma Rousseff parecem ter a mesma seriedade das brincadeiras dele em Paris com secretários e empreiteiros; antecipando antagonismo PMDB X PT em 2014, Cabral pressiona por adesão impossível ao vice-governador Pezão; tudo ou nada é mesmo um bom jeito de fazer política?

247 – Do ponto de vista político, o governador Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, é um ingrato com a presidente Dilma Rousseff. O campeão. Administrativamente, o Rio de Janeiro de Cabral ocupou, no ano passado, o primeiro lugar no ranking de transferências de verbas da União para os Estados, na forma de convênios. Foram mais de R$ 10 bilhões (R$ 10. 183.715.430,17) repassados diretamente para o "nome fantasia" descrito como "rj gov gabinete do governador", como aparece na tabela Transferências de Recursos por Favorecido (Entes Governamentais), no Portal Transparência, do governo federal. Mais de R$ 3 bilhões a frente do segundo colocado, a Bahia.

Na administração dessa formidável fortuna, Cabral, quando está no Brasil, discursa em palaques de inaugurações, pisa em canteiros de obras e lança pedras fundamentais. Junto a ele, o vice-governador Luiz Fernando Pezão, seu candidato a governador em 2014. O tocador de obras. Endereço maior da Copa do Mundo de 2014 e sede das Olimpíadas de 2016, o Rio foi muito contemplado com verbas para obras de mobilidade urbana, mas é claro que o ótimo relacionamento, até semanas atrás, entre a presidente e o governador contribuiu para o sucesso de uma "verdadeira parceria", como dizia Cabral.

O compromisso político de Cabral com Dilma sempre apontou para uma aliança inquebrantável. A presidente tratou o governador com requintes de primeiro aliado, participando ao lado dele de eventos importantes e fazendo questão de recebê-lo, com Pezão, na condição de cicerones do prefeito reeleito Eduardo Paes, no Palácio do Planalto, imediatamente após a vitória de Paes em primeiro turno. A rigor, Cabral e Pezão não precisavam ter ido. Quem celebrava era Paes, mas Dilma se viu feliz em juntar as mãos com todos eles.

SURREALISMO POLÍTICO 

Por motivo fútil e de modo pueril, se o gesto político em curso for classificado por dois de seus nomes verdadeiros na vida real, o governador do Rio está jogando no lixo seu relacionamento privilegiado com a presidente Dilma por não aceitar um fato externo à vontade dos dois: a candidatura do senador Lindbergh Farias ao governo do Rio. É surreal, mas é o que está ocorrendo. Cabral quer que Dilma, o ex-presidente Lula, de quem sempre se mostrou um amigão do peito, e quem mais possa enfiem uma trava na seção fluminense do PT, sequem e ressequem a candidatura do ex-prefeito de Nova Iguaçu, hoje em segundo lugar nas pesquisas de opinião, atrás do ex-governador Anthony Garotinho. Pezão está comendo a poeira de ambos.

Dilma sempre deixou claro que, no Rio de Janeiro, em razão de todo o histórico de bom relacionamento com Cabral, iria atuar com uma certa discrição e grande distanciamento. Ela gostaria de deixar os pré-candidatos de sua base se viabilizarem naturalmente, sem tentar nem alavancar o nome de seu partido, nem carregar a escolha de seu principal aliado. É o que ela vem fazendo, apesar de todas as provocações lançadas pelo PMDB nas últimas semanas.

Guiado por Cabral, o líder do partido na Câmara, Eduardo Cunha, está entrando para a história como aliado mais adversário que Dilma já teve entre os parlamentares. Depois de dificultar de todas as maneiras a aprovação da MP dos Portos, ele enfiou um desconto de 45% na dívida dos Estados, desfigurando o projeto do governo de reforma tributária, e agora alimenta a chama para uma CPI na Petrobras. 

Com esses movimentos concretos e frases do tipo "meu filho também é Neves", além de cartas e caras amarradas, o governador já parece estar se preparando para um desembarque na canoa do presidenciável tucano Aécio Neves. Resignada, a presidente ainda espera a concretização das ameaças em que se transformaram as frases de carinho para tomar suas atitudes. Estas não passarão por retaliações administrativas - os convênios que fazem do Rio um grande canteiro de obras já estão em plena execução --, mas serão politicamente ancoradas na razão e no bom senso. Afinal, é Cabral que está rompendo publicamente, a plena voz, com ela, por causa de um terceiro elemento político. O governador começou a richa, a desenvolve e opera. Dilma estava quieta.

EFEITOS DO FRENESI 

Estrategicamente, o frenesi de Cabral pode-se revelar um grande erro. Para o senador Aécio Neves, o ganho é claro, até mesmo pela decepção que deve causar na adversária Dilma. Mas para o próprio Cabral há dúvidas sobre seu efeito positivo. Ele será candidato do PMDB a uma única vaga para o Senado – e não está escrito que, necessariamente, irá ganhar. Em oposição ao governo federal, terá de contar com um Aécio muito forte em sua campanha para ter uma conexão com a política nacional.

Regionalmente, Dilma e Lula, que foram seus maiores eleitores na reeleição, em 2010, estarão num palaque puro-sangue do PT. Pezão, que Cabral tanto quer, não leva jeito, segundo as pesquisas, de virar um grande puxador de votos para o candidato ao Senado. Bem ao contrário. Para alçá-lo até a cadeira que ocupa hoje, o mais certo a dizer é que Cabral estará, ele sim, sozinho. E terá de ganhar duas eleições, a dele e a de Pezão.

Para o alvo dessa trama fluminense, a situação não poderia ser mais confortável. O veto a Lindbergh já vai soando como medo a Lindbergh. Com isso, começa a surgir em torno dele a áura de candidato a ser batido, ainda que o líder nas pesquisas seja Garotinho – outro que tem a ganhar com o racha PMDB-PT, na medida em que os adversários se engalfinham enquanto ele próprio tem sua casa partidária pacificada.

Alguém precisa avisar o governador que a precipitação é um erro primário na política. Mesmo ainda sendo chamado de Serginho pelos amigos, Cabral já é u um veterano. No ano passado, afundado nas agruras políticas da CPI do Cachoeira, ele viu o deputado petista Cândido Vacarezza ser humilhado nacionalmente pela mídia ao ser flagrado no envio de uma mensagem. O petista estava dizendo ao próprio Cabral para que não se preocupasse, porque ele e a bancada do PT iria atuar para barrar sua convoção. Foi o que se viu.

Houve mais empenho do PT em tirar Cabral da frigideira do que um próprio correligionário, Agnelo Queiroz, governador de Brasília, que foi convocado. O partido da presidente também impediu, com seus votos na comissão, a ida até lá do empreiteiro Cavendish, da Delta, unha e carne com Cabral. Atitudes políticas menos intempestivas do governador, ao mesmo a esta altura do calendário – faltam 17 meses para as urnas de 2014 –, seria o mínimo que o PT e a presidente poderiam esperar dele. A prosseguir o show de provocações, porém, quem puder mais vai chorar menos.