terça-feira, 2 de julho de 2013

Autismo acadêmico?



Por Luciano Canellas


As manifestações recentes que levaram milhares as ruas expuseram no que se transformou o modelo de transporte urbano nas grandes cidades (caro, ineficiente e de baixa qualidade). Também sobrou para a saúde e educação. Numa clara resposta a essa demonstração gigante de insatisfação mais recursos para esses setores serão alocados provenientes dos royalties do petróleo (http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-06-26/camara-aprova-destinacao-dos-recursos-dos-royalties-para-educacao-e-saude). 


Certamente que mais recursos para áreas estratégicas são importantes, mas tão importante quanto deve ser como utilizar esse recurso. O senso comum indica que a valorização do professor tanto pelo pagamento de salário justo como da valorização do seu papel social é fundamental para um ensino de qualidade (http://g1.globo.com/educacao/noticia/2013/05/pais-com-melhor-educacao-do-mundo-finlandia-aposta-no-professor.html). A defasagem por falta de reajustes coloca os salários da UENF como um dos mais baixos praticados no Brasil. Mas o caso aqui trata da qualidade do ensino praticado. A qualidade do ensino superior público pode ser medida pela capacidade da instituição de gerar conhecimento e conhecimento de qualidade. Mesmo com todos os problemas existentes para avaliação de um sistema complexo de pós-graduação a CAPES (Coordenadoria de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior do MEC) criou um sistema objetivo de notas de avaliação que vão de 2 para cursos de pós-graduação com problemas sérios e que devem ser fechados até os níveis mais elevados de 6 para cursos considerados muito bons e 7 para os de excelência e equiparados com os melhores cursos similares fora do país. Ainda não alcançamos na UENF nenhuma nota 6 ou 7. No que diz respeito à graduação sempre fomos mais bem avaliados.

Quem digita http://www.uenf.br/portal/index.php/br/ensi.html fica sabendo que na avaliação oficial do Ministério da Educação, a UENF tem três carreiras com pontuação máxima (5) no Conceito Preliminar de Curso (CPC): Engenharia de Produção, Matemática e Pedagogia. Outros oito cursos recebem CPC 4: Agronomia; Ciências Biológicas (bacharelado e licenciatura); Engenharias Civil, Metalúrgica e de Petróleo; Medicina Veterinária; Química; e Zootecnia. Dois outros cursos recebem CPC 3: Ciências Sociais e Física. Nenhum curso da UENF recebeu conceito insuficiente (abaixo de 3). O conceito é fruto de um tripé: a nota do estudante no ENAD (como todo exame sujeito a falhas e a boicotes), infraestrutura da universidade1 e onde queríamos chegar, na qualificação do corpo docente. 

A UENF tem 100% do seu corpo docente com doutorado e que trabalha sob regime de dedicação exclusiva ao ensino, pesquisa e extensão. Se ficar alguma dúvida da importância disso para qualidade da UENF é só voltar ao www acima e retirar esse quesito das planilhas de avaliação dos rankings de universidades e ver aonde a UENF vai parar. Diante disso, porque afinal a atual reitoria apresentou em assembleia de professores uma minuta de projeto de lei criando a figura do professor temporário com 20 horas e sem dedicação exclusiva? Talvez Tragtemberg (1990)2 possa ter uma possível explicação:

A universidade está em crise. Isto ocorre porque a sociedade está em crise; através da crise da universidade é que os jovens funcionam detectando as contradições profundas do social, refletidas na universidade. A universidade não é algo tão essencial como a linguagem; ela é simplesmente uma instituição dominante ligada à dominação. Não é uma instituição neutra; é uma instituição de classe, onde as contradições de classe aparecem. Para obscurecer esses fatores ela desenvolve uma ideologia do saber neutro, científico, a neutralidade cultural e o mito de um saber “objetivo”, acima das contradições sociais.

Assim, se o avanço do desenvolvimentismo na região pressiona o governo por mais e novos tipos de profissionais (notadamente engenheiros) cabe à universidade, sem discussão, dar um jeitinho no processo de formação da mão de obra necessária mesmo que para isso se precarize as condições de trabalho diminuindo custos e aumentando a eficiência (mesma infraestrutura de pesquisa). Em nome da funcionalidade, eficiência e objetividade se bajula o poder, mantém-se o cargo e ao mesmo tempo se adquire respeitabilidade nos ambientes palacianos. Em nome do “atendimento à comunidade”, “serviço público”, a universidade tende cada vez mais à adaptação indiscriminada a serviço dos interesses econômicos hegemônicos (Tragtenberg, 1990); Prestígio acadêmico é um conceito bastante aberto porém moldado pela titulação de seu corpo docente. Existem outras formas - inclusive mais eficientes - para atender demandas pontuais de falta de professores do que a criação de regime parcial de trabalho.

É preciso uma análise mais séria do impacto em longo prazo de uma medida como a criação do regime parcial de trabalho sobre a qualidade dos cursos na UENF. Suponho, e é só isso mesmo uma suposição, de que essa análise não tenha sido feita, pois tal como foi apresentada numa seção de slides demonstra desconhecimento mínimo das quatro operações básicas de soma, adição, subtração e divisão. Além de um alheamento estranho ao desejo de uma educação de qualidade.


Notas

1- Com a sistemática queda de recursos para custeio das universidades e com a consolidação das mesmas é cabível considerar a infraestrutura das universidades estaduais bastante da capacidade de captação de recursos em editais de financiamento de pesquisa e extensão. A infraestrutura dos cursos de graduação é, nesse contexto, dependente da titulação do quadro docente exigindo dedicação e produtividade em pesquisa para competição nos editais FAPERJ.

2 -M. TRAGTENBERG, M. Sobre Educação, Política e Sindicalismo. São Paulo: Editores Associados; Cortez, 1990, 2ª ed.

*  Luciano Canellas é professor associado da UENF, contratado em regime de Dedicação Exclusiva. Luciano Canellas também é Bolsista de Produtividade 1D do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).