Por Talita Moreira | De São Paulo
Em junho de 2008, às vésperas da oferta inicial de ações da OGX, o banco Merrill Lynch perdeu o mandato para participar da operação porque seu principal analista para o setor de petróleo e gás, Frank McGann, se negou a chancelar a avaliação sugerida pelos demais bancos para a companhia. Para ele, as perspectivas soavam otimistas demais.
Hoje, não restam dúvidas de que McGann estava certo, mas na época a atitude deixou o analista numa saia-justa e levou o Merrill Lynch (atualmente, parte do Bank of America) a perder uma comissão de milhões de reais.
As badaladas ofertas de ações das "empresas X" foram conduzidas com entusiasmo pelos bancos de investimentos, que ajudaram Eike a definir parâmetros de preço e a vender os papéis mundo afora.
Juntos, os bancos Pactual, Credit Suisse e, em menor escala, Itaú BBA formavam o núcleo duro dessas ofertas de ações. Coube a eles a tarefa de desenhar as operações e apresentar os planos das "empresas X" a grandes investidores. Nessa missão, contaram com um contexto favorável. A farta liquidez internacional, o cenário promissor para o pré-sal e a enorme euforia dos investidores com o Brasil na época contribuíram para que os papéis tivessem boa acolhida.
O Pactual fez parte do consórcio de bancos coordenadores das quatro ofertas e atuou como líder em três: na petroleira OGX, na mineradora MMX e na geradora de energia MPX. Hoje configurado como BTG Pactual, o banco de André Esteves é o responsável por estruturar o desmonte do grupo que ajudou a criar. Ganhou comissões na ascensão e ganhará na queda de Eike Batista.
O Credit Suisse só ficou de fora da oferta da MPX. Atuou nas demais e teve a liderança na oferta do estaleiro OSX. O Itaú BBA participou das quatro operações.
De 2006, quando a MMX foi a mercado, a 2010, com a estreia da OSX, as empresas de Eike captaram R$ 12,3 bilhões na bolsa, em valores da época. O cenário mudou e as perspectivas não se realizaram. As companhias eram pré-operacionais quando foram a mercado e boa parte dos projetos se revelou inviável. As ações valem hoje uma fração de seu preço inicial.
No caso da OGX, as ações saíram a R$ 1.131, no teto da faixa de preço sugerida pela empresa. Em 2009, os papéis foram desmembrados na proporção de um para cem. Ontem, valiam R$ 0,54.
É inegável que investimentos em ações embutem riscos e, no mercado financeiro, risco é oportunidade de retorno. Mas o tamanho do tombo surpreendeu até mesmo pessoas que trabalharam nas ofertas, apurou o Valor. Era grande o entusiasmo de alguns banqueiros com o perfil de empreendedor representado por Eike - ousado e com tino capitalista.
"As ofertas foram feitas como deveriam", diz um banqueiro que atuou nas aberturas de capital das empresas de Eike. "Não houve falha nas informações prestadas ao mercado", acrescenta fonte de outro banco.
Para os dois executivos, os riscos inerentes às empresas estavam devidamente descritos nos prospectos das operações e jamais foram dadas garantias de que aqueles projetos dariam certo. Além disso, porque se tratava de empresas pré-operacionais, que poderiam não produzir o esperado, as ofertas foram vendidas a investidores qualificados, como exige a Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
No caso da OGX, o estudo de viabilidade feito pela consultoria DeGolyer & MacNaughton na época do IPO fala em reservas potenciais de petróleo e gás nos blocos detidos pela empresa, e não em reservas comprovadas. O valor subjacente das reservas potenciais foi uma referência para a avaliação da companhia, diz um banqueiro. "Mas os bancos não endossam o estudo de viabilidade", afirma. "Damos elementos para o merca atribuir preço à operação."
No prospecto, entretanto, consta que a "companhia e o coordenador líder declaram que concordam com o seu teor [do estudo de viabilidade] em todos os aspectos relevantes".
Segundo um graduado banqueiro, Eike tinha estudos de consultorias competentes, estava cercado de executivos de primeira linha e havia um bom cenário para o petróleo. "Ninguém achou que era falcatrua, como de fato não foi."
Em artigo publicado pelo Valor na semana passada, Eike afirmou que se arrepende de ter recorrido ao mercado de capitais antes que suas empresas estivessem preparadas para isso. Qualquer outra opção, no entanto, não teria permitido ao empresário captar tanto dinheiro. E, naquele momento, as perspectivas eram as melhores possíveis.
A simpatia por Eike também era evidente entre analistas dos bancos envolvidos nas ofertas. Os relatórios iniciais de OGX, MPX e OSX feitos por analistas dos bancos que foram coordenadores líderes (UBS Pactual nos dois primeiros casos e Credit Suisse no estaleiro) recomendavam a compra das ações.
Segundo estudo da gestora de recursos Rio Bravo, MPX e OSX perderam valor no horizonte de tempo coberto por esses relatórios, enquanto os papéis da OGX deram retorno muito inferior ao projetado pelos analistas.
As ofertas renderam R$ 438,5 milhões em comissões aos bancos. A remuneração paga por OGX, MMX, MPX e OSX às instituições supera, em termos relativos, a média ponderada das comissões nas ofertas realizadas naqueles mesmos anos, segundo levantamento feito pelo Valor Data a partir dos prospectos (ver quadro).
Um banqueiro que participou das ofertas afirma que a complexidade das operações justificava as comissões maiores. "Era natural, até porque eram ofertas mais difíceis de vender", observa.
Em alguns casos, o relacionamento entre banqueiros e o grupo foi além das operações. Rodolfo Riechert, ex-sócio da área de banco de investimento do Pactual e atual sócio do Brasil Plural, ainda integra o conselho de administração da OGX. Foi indicado pelo controlador no fim de 2007. Evandro Pereira, que hoje também é do Brasil Plural, era sócio da área de mercado de capitais do Pactual e saiu em 2010 para trabalhar na EBX.
Procurados, Riechert e Pereira não comentaram o assunto. BTG Pactual, Credit Suisse e Itaú BBA não se pronunciaram, bem como Bradesco BBI, Santander e Morgan Stanley, que também foram coordenadores de algumas das ofertas. O UBS não se manifestou.
Frank McGann, do Bank of America, não atendeu os pedidos de entrevista. No começo deste mês, o analista causou furor novamente ao rebaixar para R$ 0,10 o preço-alvo das ações da OGX.