domingo, 14 de julho de 2013

Donos do Rio



O poder econômico, além de dar as cartas, virou o dono do baralho, ditando as regras do jogo, onde a banca é garantida pelo dinheiro público

João Roberto Lopes Pinto

Em meio às dezenas de obras e megaempreendimentos na cidade e no estado, o Rio de Janeiro é objeto de um jogo de cartas marcadas, onde quem ganha - e muito - são algumas empresas e políticos. E quem perde é a população. Até aí nenhuma novidade, o povo sabe que os “tubarões” do poder econômico é quem de fato dão e sempre deram as cartas. A novidade é que no caso do Rio a coisa está escancarada. O poder econômico, além de dar as cartas, virou o dono do baralho, ditando as regras do jogo, onde a banca é garantida pelo dinheiro público – o seu, o meu, o nosso bolso.

Imaginemos, então, o Rio de Janeiro como uma grande mesa de jogo. As cartas são as grandes obras/empreendimentos na cidade e no estado. Os jogadores são as empreiteiras responsáveis pelas obras e, muitas vezes, pelo empreendimento. A primeira constatação é que o jogo está sendo jogado por muito poucos e grandes jogadores. Destacam-se aí as empreiteiras, as “quatro irmãs”: Odebrecht, Andrade Gutierrez, OAS e Camargo Correa. Se tomarmos 16 dos maiores empreendimentos/obras no Rio, em sua grande maioria no setor de mobilidade urbana no Rio de Janeiro, verificamos que em praticamente todos eles há a participação de, pelo menos, duas delas – com as exceções para a Linha Amarela e Rio-Teresópolis, sob o controle da OAS; e para a Supervia, que administra a rede de trens na região metropolitana da cidade, controlada pela Odebrecht.

Do ponto de vista político-institucional, o PMDB aparece como o principal responsável pela gestão da cidade e do estado do Rio de Janeiro, através dos mandatos do Sérgio Cabral e Eduardo Paes. O líder do partido na Câmara, Eduardo Cunha também desempenha um papel importante na dinâmica de poder de seu partido no Rio de Janeiro.

Abaixo, temos um quadro sintético. Sabemos também que outros grupos empresariais são beneficiados com esta política no Rio de Janeiro Grupo X; Brookfield; Cyrela; Rossi; Carvalho Hosken; Carioca Nielsen; Queiroz Galvão; Delta. Do mesmo modo, as intervenções em função da Copa do Mundo de 2014 (CBF e a FIFA) e as Olimpíadas (organizada pelo grupo Rio 2016) também vão além das listadas acima, incluindo projetos como: Centro de Operações Rio; Centro de Tratamento de Resíduos (CTR) de Seropédica; Controle de Enchentes da Praça da Bandeira; Morar carioca; Parque dos Atletas; Parque de Madureira ;Rio Criança Global ; Rio em Forma Olímpica; Sambódromo; Viaduto da Abolição; VLT e os impactos naComunidade do Horto. Além das inúmeras violações de direitos humanos que ocorreram neste contexto.

Na tabela, podemos ver a presença direta ou indireta destas empresas. Esta presença se dá através do controle (mesmo que não majoritário) da empreiteira sobre o empreendimento e/ou através da realização de obras para o projeto em questão – os dados se referem à situação a partir dos anos 90. O primeiro está indicado pela letra C na tabela. Já o segundo, pela letra O. Confira:

Além desta presença ostensiva que sugere um revezamento, uma espécie de rodízio entre elas na realização de obras e/ou controle de empreendimentos pela cidade, chama também a atenção o fato de que elas estão juntas em obras viárias como o Arco Metropolitano e a Transolímpica, ligando a Barra à Avenida Brasil. Neste caso, trata-se do Consórcio Rio Olímpico, formado pelas empesas Odebrecht, Invepar (OAS) – controladora também do Metro Rio – e CCR (Andrade Gutierrez e Camargo Correa), que controla ainda a Via Dutra, Via Lagos, Ponte Rio-Niterói e Barcas SA. As “quatro irmãs” estão igualmente presentes no Consórcio VLT Carioca, responsável pela obra do VLT no Centro do Rio. Já no caso das Transcarioca há uma partilha das obras entre elas, com o trecho Barra à Penha, ficando a cargo da Andrade Gutierrez e o trecho da Penha ao Aeroporto Internacional, sob a responsabilidade da OAS.

Embora atuem claramente de modo consorciado e combinado, elas também se apresentam por vezes como concorrentes em licitações públicas. Atuando em conjunto no Consórcio Porto Novo, responsável pelas obras e serviços na zona portuária do Rio, OAS e Odebrecht disputaram, recentemente, a concessão para administrar o Maracanã – reformado, a um custo bilionário, pela mesma Odebrecht em aliança com a Andrade Gutierrez. Uma série de irregularidades foi apontada por uma Ação do Ministério Público Estadual e Federal em favor da suspensão da licitação de concessão do estádio. A ação apontou que a concessão vencida pela empreiteira Odebrecht, em parceria com a OGX, continha uma série de irregularidades que comprometiam a concorrência, como a não explicação dos valores estimados de investimento no estádio, a sonegação de dados essenciais ao procedimento licitatório que afrontam os princípios de impessoalidade e publicidade.

O domínio do jogo pelas “quatro irmãs” é de tal forma patente e evidente que levanta suspeição sobre possível formação de cartel, tipificado como infração administrativa sujeita a multas e como crime sujeito a prisão pelo Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Segundo a “Cartilha: combate a cartéis em licitações” da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça, “cartel é um acordo explícito ou implícito entre concorrentes para, principalmente, fixação de preços ou quotas de produção, divisão de clientes e de mercados de atuação. Cartéis são considerados a mais grave lesão à concorrência porque prejudicam seriamente os consumidores ao aumentar preços e restringir a oferta, tornando os bens e serviços mais caros ou indisponíveis”. A mesma cartilha aponta como indícios de cartel visando a fraudar licitações se “existe um padrão claro de rodízio entre os vencedores das licitações” ou “licitantes que teriam condições de participar isoladamente do certame apresentam propostas em consórcio”. No caso do Rio de Janeiro, é notória, como demonstrado, a presença destes indícios nas licitações de grandes obras.

Outro indício deste domínio sobre o mercado são os abusos cometidos pelas empresas vencedoras das licitações, que realizam invariavelmente revisões nos orçamentos das obras, elevando seus preços muito acima do valor licitado. O caso novamente da reforma do Maracanã é emblemático, que teve seu orçamento duplicado ao longo da obra. Cabe ao Ministério Público e aos órgãos de defesa da concorrência verificarem a existência de cartel nos megaempreendimentos no Rio, a exemplo do processo que levou à recente condenação de empreiteiras na África do Sul por fraude em licitações de obras relativas à última Copa do Mundo.

Resta, ainda, indagar quem banca esta jogatina? A resposta já se sabe: a banca pública, seja por meio de recursos orçamentários, isenções fiscais, seja pelo financiamento generoso e volumoso dos bancos públicos, notadamente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Será que está bem entendido? O dinheiro público alimenta uma concentração de poder econômico que, por sua vez, se alimenta de mais dinheiro público. Cabe enfim perguntar, qual o interesse da banca pública em alimentar esta jogatina? Nos últimos dez anos, somente as “quatro irmãs” despejaram meio bilhão de reais nas campanhas eleitorais. Estudo recente sobre as contribuições para a campanha de candidatos a Câmara dos Deputados em 2006 e seu retorno em contratos de obras públicas, constata que para cada real doado, a empreiteira recebeu em média 8,5 vezes o valor na forma de contratos de obras públicas.

Além do uso e abuso do dinheiro público, estes grandes empreendimentos têm sido responsáveis por graves violações de direitos da população, com remoções arbitrárias, especulação imobiliária, elevação de tarifas de transporte, etc. As grandes manifestações pelo país e, em especial no Rio, parecem indicar que a população não quer mais assistir a este jogo sentada na arquibancada e que está disposta a entrar na partida e, oxalá, a mudar as regras do jogo em favor das maiorias.


João Roberto Lopes Pinto é doutor em Ciência Política pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro – IUPERJ. Atualmente é coordenador executivo do Instituto Mais Democracia e professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-RJ. Escreveu Economia solidária: de volta à arte da associação (Porto Alegre: UFRGS, 2006).