Ex-porta-voz de Lula, André Singer afirma que a MP dos Portos tem caráter "privatista" e concede benefícios exagerados aos terminais privados, gerando concorrência predatória com os portos públicos; "Dilma pode ter enterrado o sonho de recuperar a soberania nacional em terreno estratégico", diz ele, que apontou também como favorecidos os grupos Odebecht e Hamburg Süd
247 - O jornalista e cientista
político André Singer, ex-porta-voz do governo Lula, publicou um duro artigo
contra a Medida Provisória 595, que abriu o setor portuário a grupos privados
como Odebrecht e Hamburg Süd. Segundo ele, a medida tem caráter privatista e
prejudica a soberania nacional, num setor estratégico da economia.
Leia abaixo:
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Estranho nacionalismo
A MP dos
Portos, aprovada depois de impressionante guerra político-empresarial no
Congresso, deverá marcar o governo Dilma, talvez comprometendo de maneira
indelével o caráter nacional-desenvolvimentista que a presidente procurou
imprimir aos anos iniciais de seu mandato.
Em primeiro
lugar, porque a orientação do projeto é privatista, embora o Executivo não
goste que se fale em privatização. É verdade que os portos já estavam
parcialmente em mãos privadas desde a reforma de 1993. No entanto, em lugar de
restabelecer o primado do Estado numa área vital, a 595 abriu o espaço dos
negócios portuários para outras empresas (as quais também já operavam no setor,
porém em caráter, digamos, provisório).
Daí a disputa
que se estabeleceu na Câmara dos Deputados nesta semana. Os que já estavam não
queriam sair. Os "de fora" queriam substituir os antigos donos do
pedaço.
Como se trata
de interesses que envolvem bilhões de reais, vastos recursos foram usados para
mobilizar parlamentares de um lado e de outro. Empresários como Daniel Dantas e
Eike Batista e conglomerados como Odebrecht e Oetker (que detém a companhia de
navegação Hamburg Süd) foram alguns dos nomes famosos que circularam nas
notícias da semana. Ou seja, além de aumentar a privatização dos portos, a MP
acelerou a galopante privatização do Legislativo brasileiro.
Em segundo
lugar, a pretexto de aumentar a concorrência, o novo marco regulatório parece
ter dado a alguns gigantes econômicos benefícios de tal ordem que, no médio
prazo, os portos estatais irão quebrar. É o que afirmaram o senador Roberto
Requião (PMDB-PR) e, por incrível que pareça, a nota técnica da liderança do
PT. Isso explica por que o partido votou em bloco a favor da medida, mas com
defesas tímidas do conteúdo, apelando para uma vaga ideia de modernização, tão
a gosto dos liberais.
Ao aceitar o
argumento neoliberal de que só o mercado é capaz de controlar o mercado,
deixou-se de lado a alternativa de reconstruir a capacidade pública para
ordenar um setor-chave da economia brasileira. Em outras palavras, aprofundando
o viés liberalizante da política iniciada na década de 1990, Dilma pode ter
enterrado o sonho de recuperar a soberania nacional em terreno estratégico.
Ainda que possa estar
satisfeita com a vitória de última hora, não creio que o instinto
desenvolvimentista da presidente a deixe dormir em paz com a perspectiva acima,
que o grande capital evidentemente comemora. Resta ver se, pelo menos, tantas
concessões irão trazer os frutos esperados em matéria de crescimento do PIB. A
conferir.