quinta-feira, 22 de novembro de 2012

“MENSALÃO” REVELA CRISE DOS PARTIDOS 

O Lulismo reina, enquanto tucanos, petistas e outros congressistas impotentes encenam batalhas inócuas no parlamento. 

Por José Arbex Jr., artigo publicado no número 188 da Revista CAROS AMIGOS


Coube aos juízes do “mensalão” a tarefa de operar, no campo do direito, aquilo que os políticos da burguesia tentaram, sem sucesso, realizar no mundo da política: punir o PT. Impotentes para impor a sua vontade no âmbito da luta parlamentar, os políticos burgueses foram reduzidos à condição de simples espectadores das ações levadas a cabo pelos juízes do Supremo Tribunal federal (STF). O diagnóstico é muito claro: observa-se, no Brasil, uma séria crise de representação política da burguesia. Não há, entre os seus partidos, nenhum capaz de fazer oposição real à “base governista” articulada em torno do PT, ninguém capaz de mobilizar ao menos um setor expressivo do Congresso ou de sensibilizar uma parte da sociedade. Mas a recíproca também é verdadeira: o proletariado tampouco conta com um partido que de fato possa chamar de seu. O PT, há muito divorciado de suas origens, passou a se autodenominar “partido dos pobres” – marca reinante nas recentes eleições municipais -, recuperando o pior legado do populismo varguista. O Brasil vive hoje, neste sentido, uma situação anômala – para adotar um adjetivo neutro -, no que se refere ao poder de representação política das duas classes fundamentais da teoria marxista: burguesia e proletariado estão politicamente órfãos. 

A “grande mídia” – que, em seu conjunto, forma o mais importante, articulado e consequente partido burguês brasileiro – tratou de dar o máximo de visibilidade ao julgamento. À falta de lideranças políticas reais, os homens de preto do STF foram elevados por nossos Murdochs à categoria de redentores da pátria, em especial o relator Joaquim Barbosa, cuja vida foi cantada em verso e prosa pelos principais veículos do país. Seu nome começa a aparecer, com certa insistência, como possível candidato á presidência do Brasil, em 2014. Para uma burguesia carente de alternativas, um juiz nacionalmente respeitado, negro de origem humilde não é um capital desprezível. Com o desenvolvimento do julgamento, proferidas as primeiras sentenças condenatórias, os políticos burgueses começaram a acreditar no espetáculo midiático: por alguns breves momentos, às vésperas das eleições municipais, eles chegaram a acreditar que o escândalo do “mensalão” teria um impacto nas urnas. Alguns chegaram a sonhar com o eventual impedimento de Luis Inácio Lula da Silva. O fracasso das expectativas produziu outro show, agora bem mais cômico, propiciado pela frequente, e às vezes exasperada demonstração de impotência dos políticos associados ao PSDB e ao DEM – os mais importantes representantes da burguesia no período da chamada “redemocratização”. 

O “mensalão” não produziu a catástrofe eleitoral tão esperada por tucanos e asseclas, e é vital que se entenda porque. A primeira explicação é de natureza econômica: O Brasil “vai bem”, quando comparado aos países europeus e Estados Unidos. Há crédito em abundância, os juros estão mais baixos do que nunca, o número de trabalhadores empregados com carteira assinada atinge recorde. Não importa aqui, se tudo isso ocorre, em grande parte, à custa da expansão acelerada do agronegócio e a consequente destruição da Amazônia e outros biomas nacionais; graças ao endividamento astronômico da família brasileira; irresponsavelmente estimulado pelo governo; ou ainda graças ao fato de o Brasil ter topado fazer o jogo a eles destinado pelo capital internacional, como exportador de commodities, mesmo quando isso signifique o sucateamento da indústria nacional. Deixando tudo isso de lado, e outras coisas mais, o Brasil “vai bem”. O “mensalão”, desse ponto de vista, aparece como um incidente curioso, mas distante, lamentável, mas, sem consequência prática, moralmente repreensível mas, cá entre nós, infinitamente recorrente na história brasileira. A diferença é que agora o Brasil “vai bem”. 

A questão, obviamente, não é só econômica. É também, principalmente, politica. A versão lulista do PT sedimentou no Brasil a percepção de que o “jeitinho” – a prática dos favores, do clientelismo, dos acordos sem princípios – é o caminho para derrubar todas as barreiras e aplainar todos os caminhos rumo ao sucesso, seja lá o que for. O “PT do jeitinho” – do “lulinha paz e amor”, da Carta aos Brasileiros, da governabilidade a qualquer preço – derrubou o PT das origens e autorizou, no final das contas, o amoroso e festivo abraço no neocompanheiro Paulo Salim Maluf, em troca de um minuto a mais de tempo de televisão durante a campanha eleitoral em São Paulo. Como resultado dessa prática, amplamente consolidada na década dos governos Lula – Dilma, uma parte do PT que poderia ter ficado indignada com o “mensalão”, sentiu-se impotente para sequer tentar mudar o rumo das coisas dentro do partido; outra parte aplaudiu a montagem do esquema (justificado como realpolitik) e ainda pediria bis, se o barco não tivesse naufragado; e a grande maioria, provavelmente, acha tudo muito chato, mas se sente alienada sobre os processos decisórios dentro do partido. 

No final das contas, o “mensalão” passou à margem e ao largo do próprio PT, mas de um PT emasculado e reduzido ao silêncio pelo lulismo. O PT das greves de 1979 -80 teria muito a dizer e fazer sobre o “mensalão”; o de 2012 limita-se a proclamar sua suposta vocação – muito mais moral do que política – de apoiar os “pobres” e acusar os juízes do STF de “conspiração”. Os petistas, nesse sentido, são tão impotentes quando os tucanos. A impotência do PT foi provocada por uma política mediante a qual os jovens e trabalhadores passam a ser “defendidos” como categoria social e estatística – ganhavam visibilidade pelo seu salário, por local de moradia, por hábitos de consumo etc -, mas não como classe potencialmente transformadora, que só se constitui como classe quando enxerga no patrão o explorador inimigo. No PT castrado de Lula, os trabalhadores como categoria sociológica esmagam a classe proletária politica. Esse é o sentido final do abraço em maluf, é o emblema da impotência petista. 

O lulismo subsiste, cresce, elege novos prefeitos e continua dando as cartas no vácuo representado pela ausência de representação autênticas de burgueses e proletários. É o “meio de campo” da conciliação que define as regras do jogo político. É a estrutura necessária e ainda suficiente para que o capital financeiro reine e goze. Apenas a erupção da luta de classes exigirá novas definições. Mas enquanto o Brasil “vai bem” a crise anuncia-se apenas como nuvem no horizonte.