sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Agrotóxicos sempre trazem riscos à saúde e ao ambiente

Maura Campanili
Luis Schiesari, biólogo, professor de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo


Apesar de existirem avanços na indústria, com produtos menos tóxicos e menos persistentes, uma coisa não muda em relação aos agrotóxicos: são produtos formulados para matar organismos vivos indesejáveis para o cultivo, ou seja, são venenos. Essa explicação, do biólogo Luis Schiesari, professor de Gestão Ambiental da Universidade de São Paulo, é um dos motivos para o lançamento do manual Defensivos agrícolas: Como evitar danos à saúde e ao meio ambiente, lançado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) e do qual é o autor. Nesta entrevista, Schiesari aborda também como a transformação da paisagem na região das cabeceiras do rio Xingu – importante área produtora de soja do estado do Mato Grosso – influencia na biodiversidade de águas paradas como poças e brejos, a partir de pesquisa realizada em parceria pelo IPAM, Universidade de São Paulo e Universidade de Medicina Veterinária de Viena, Áustria.


Clima e Floresta - Quais são os riscos do uso de agrotóxicos para a saúde humana e para o meio ambiente?

Luis Schiesari - Os agrotóxicos são extremamente diversos, com centenas de ingredientes ativos disponíveis, que podem ser usados em muitos mais produtos comerciais. São compostos químicos planejados para matar organismos tão diferentes quanto plantas, ratos, ácaros etc. Entre eles, há diferentes comportamentos no ambiente e modos de ação. Além disso, é obvio que existiram inúmeros avanços na indústria, com produtos menos tóxicos e menos persistentes, mas uma coisa não muda: são produtos formulados para matar organismos vivos indesejáveis para o cultivo, são venenos. Portanto, existem riscos variados. Alguns desses componentes acabam em lugares que não são o alvo, ou seja, as áreas de lavoura. Há riscos concretos de contaminação de águas subterrâneas, açudes, rios, florestas. Também podem contaminar os alimentos produzidos e isso chegar às pessoas que os consomem. No geral, há duas classes de efeitos: letais e subletais. Os letais são causados por intoxicação, em geral, pelo consumo intencional (suicídios desse tipo acontecem no meio rural) ou acidental, quando os pesticidas são guardados de forma inadequada. Já os efeitos subletais causam danos variados que se manifestam ao longo do tempo aos sistemas nervoso, hormonal, imunológico, além de malformação fetal e câncer. São problemas de médio e longo prazos já bem documentados, sobretudo no caso de agricultores que trabalham diretamente na aplicação dos produtos. Na cartilha, damos exemplos de compostos usados nas culturas de soja que causam cada tipo de dano. Mas é importante lembrar que tudo o que se aplica às pessoas, também se aplica aos animais: peixes, insetos, macacos ou onças-pintadas. O nível de funcionamento celular e molecular dos organismos são parecidos. Além disso, os organismos estão inseridos dentro de teias alimentares e esses efeitos podem ser transmutados para organismos que não têm nada a ver com a área agrícola. Se uma espécie é afetada, seus predadores também serão.

Clima e Floresta - Em que situação os defensivos são importantes? Seria possível evitá-los?

Schiesari - O uso de agrotóxico é peça chave para o modelo de produção agrícola industrial. Nele, o uso desses produtos é crítico para conseguir a produtividade necessária. Por outro lado, a utilização de monoculturas, como a de soja, só aumenta a incidência de pragas e, quanto maior o campo agrícola, maior o risco. Nesse caso, o uso de agroquímico é uma solução para eliminar ou reduzir as pragas. Para eliminar o uso dos pesticidas, seria necessário adotar um modelo alternativo, como a agricultura orgânica. No entanto, há espaço para melhorias mesmo na produção industrial, como o manejo integrado de pragas, com a utilização de vários mecanismos de controle, como rotatividade de culturas, controle biológico, armadilhas e monitoramento de populações de pragas, que fariam que o uso só se desse quando realmente necessário. Pode-se também usar compostos menos danosos e persistentes. Hoje, porém, há quem use de forma profilática. Outro ponto crítico é a falta de educação e informação. Um estudo que realizamos sobre o uso de pesticidas por pequenos e grandes produtores na frente agrícola amazônica mostrou que, sobretudo entre os pequenos, faltava conhecimento técnico para o manejo tanto sobre a quantidade a ser usada como o uso de compostos inadequados.

Clima e Floresta - Quais os principais cuidados que devem ser tomados para o uso de agrotóxicos?

Schiesari - Entre as medidas para reduzir o risco, estão cuidados com o armazenamento, que deve ser em local fechado e isolado, e o descarte correto, com o modo certo de fazer a lavagem. Também é importante a aplicação em condições adequadas. Aplicar em dia seco e quente, por exemplo, acaba gerando uma porcentagem muito grande de perda por evaporação. Também é importante a preservação das matas ciliares, que protegem os corpos d’água da chegada dos pesticidas.


Clima e Floresta - Por que há tantos insumos químicos proibidos em muitos países no mercado brasileiro?

Schiesari - O Brasil não é pária da legislação mundial. É signatário de convenções que baniram compostos particularmente danosos e tem legislação relativamente mais restritiva que países vizinhos, como o Paraguai. Mas, assim como acontece no caso do Código Florestal, há lobbies poderosos que vêm conseguindo um relaxamento da legislação nos últimos anos. Hoje, ela é menos protetora do que era em 1989, quando foi aprovada. Isso sem mencionar a sua aplicação... Um exemplo é a necessidade de avaliação periódica dos pesticidas que foi eliminada pelo Congresso há alguns anos. Agora a licença é indeterminada até prova em contrário. Nos Estados Unidos, os registros para pesticidas são de 15 anos, na Europa 10 anos e, no Japão, 5 anos. A Anvisa, que tem a obrigação legal de proteger a saúde da população, se propôs a reavaliar diversas substâncias que acabaram sendo proibidas fora do Brasil desde os anos 2000. No entanto, o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Agrícola e as indústrias químicas entraram com processos e liminares para impedir as avaliações, que ficaram paradas por anos. Depois os processos continuaram e algumas dessas substâncias estão sendo retiradas do mercado paulatinamente. Por outro lado, existem movimento mundiais de controle mais restritivo, como a legislação europeia que pode levar à eliminação de um quarto dos compostos disponíveis. Com isso, podemos esperar também no Brasil pressão por um uso mais cuidadoso de agrotóxicos.

Clima e Floresta – Como foi realizado o estudo sobre como a transformação da paisagem na região das cabeceiras do Rio Xingu influencia na biodiversidade de águas paradas, como poças e brejos?

Schiesari - Fizemos um trabalho de amostragem em poças e brejos em áreas de floresta, pastagem e soja. É uma combinação interessante, porque plantação e pastagem possuem a degradação estrutural, mas a pastagem não tem contaminação química. Fizemos uma grande amostragem estatística (50 a 60 poças), por isso trabalhamos com áreas pequenas. Nesse tipo de ambiente, os principais atores são os girinos (de rãs, pererecas e sapos) e predadores, em geral, insetos aquáticos, como larvas de libélulas, besouros adultos e larvas e adultos de percevejos. As amostragens aconteceram em três momentos do ciclo da soja, coincidindo com a temporada de chuva: começo, meio e fim. Os resultados foram surpreendentes. Mostraram que havia pouquíssimos girinos na floresta, muitos nas pastagens e um número intermediário nas plantações de soja. Em relação aos insetos, havia uma diversidade alta na floresta e na pastagem, mas foram eliminados dos plantios de soja.


Clima e Floresta - Quais foram as principais causas dessas transformações e quais os seus principais impactos?

Schiesari - O motivo é que a floresta na região das cabeceiras do Xingu possui solo extremamente permeável e a água vai direto para o lençol freático, não fica acumulada e inexiste ambiente de água parada. Por isso, não há habitat desses bichos nas terras mais altas na floresta. Quando se transforma a paisagem, por outro lado, com abertura de estradas, construção de cacimbas, tráfego de maquinário, há uma compactação do solo e aumenta o habitat para anfíbios. Nas regiões mais baixas, as mudanças são brutais, com a construção de barragens (mesmo pequenas), aumentando a ocorrência de reservatórios. O impacto na hidrologia é enorme, mudando o ambiente de organismos aquáticos. Para vários anfíbios, causa o aumento na população, embora as espécies beneficiadas não sejam de floresta, mas de áreas abertas (as mais resistentes do cerrado). Com a expansão da agricultura, determinadas espécies – não as mais raras, mas as mais robustas – se beneficiam, principalmente nas áreas de pastagens, onde são escavadas cacimbas para acumular água para o gado. Os insetos também atingem biomassa alta na pastagem, mas na região de plantio eles somem da paisagem. Achamos girinos nas poças, mas não insetos. Ao que tudo indica, é por conta dos inseticidas. Na região, se usa 13 diferentes ingredientes ativos de inseticidas nesta época.


Clima e Floresta – O que as modificações verificadas na biodiversidade das espécies desses locais podem significar no longo prazo?

Schiesari - É difícil ter prognósticos precisos, mas é obvio que há perda de ambientes terrestres com as transformação de florestas ou cerrados em plantações de soja. Espécies mais sensíveis, como uma que só come um tipo de planta, por exemplo, tendem a desaparecer. Há uma cadeia de perda de espécies. Nos ambientes aquáticos, temos também alteração de ambientes de alguns nichos por conta das inúmeras barragens. Além disso, há a expansão de espécies resistentes em poças, brejos e represas, e uma redução drástica de insetos em áreas aquáticas de plantações. Aparentemente, as espécies que estão expandindo são de áreas abertas. Plantações de soja e pastagens não são desertos, mas têm menos espécies.