terça-feira, 13 de novembro de 2012

Para entender a realidade pós-royalties, procure pelas relações público/privadas nem sempre republicanas!






Marcos A. Pedlowski, artigo originalmente publicado no site da Revista Somos Assim


Se olhadas de forma desconexa, algumas coisas parecem ter vida própria e nenhuma correlação. Assim é que nas últimas semanas temos assistido a fatos que parecem brotar do nada, como se fossem movidos por algum elemento mágico que os faz emergir na realidade como trazidos pelas mãos dos deuses gregos. Um desses casos é a decisão do congresso nacional em realizar uma redistribuição dos royalties do petróleo que prejudica diretamente os interesses econômicos dos chamados municípios produtores, como é o caso de Campos dos Goytacazes. Visto separadamente parece que a decisão é fruto de um ato repentino de um bando de espertalhões que decidiram se apossar de um butim que estava inerte esperando apenas pelo saque, mas quando examinamos a trajetória desta peça de legislação veremos que a mesma teve um longo percurso, e que, apesar disto, os principais interessados, como o governador Sérgio Cabral, pouco ou nada fizeram para organizar algo que se assemelhasse a um processo de resistência. Agora que a vaca foi para o brejo, eis que o governador que mais viajou na história recente dos governadores fluminenses apareceu em público para falar que tudo está sob ameaça, desde os salários dos servidores até as obras na cidade do Rio de Janeiro para os Jogos Olímpicos de 2016!

E aí podemos começar a desenrolar um novelo bastante complicado. A primeira coisa que todo cidadão fluminense poderia fazer é se perguntar sobre onde estava o governador quando chegou a hora fatal dos royalties. Pelo que a mídia empresarial noticiou no dia, Sérgio Cabral estava em Paris para, supostamente, participar de uma cerimônia. Depois que a votação aconteceu, Cabral, em seu conhecido estilo de bravatas, se manifestou em tom ameaçador. O problema para todos nós é que ninguém levou a sério as declarações estapafúrdias do governador do Rio de Janeiro. É que, ao contrário da maioria dos mortais que precisam dos serviços públicos prestados pelo Estado, os empreiteiros e incorporadores imobiliários sabem que as obras para os dois megaeventos esportivos previstos para ocorrer no Rio de Janeiro (a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016) não estão ameaçadas por serem custeadas com dinheiro do governo federal. E mais do que isto, dadas as conhecidas relações de Cabral e grandes interessados na manutenção do ritmo das obras, Fernando Cavendish e Eike Batista apenas para citar dois dos amigos mais íntimos, sabemos que não há qualquer possibilidade de que os interesses sacrificados sejam os dos ricos.

Mas a questão dos royalties é apenas uma das facetas da inseparabilidade de grandes interesses que hoje estão sobre a mesa no Brasil. Neste momento estão sendo feitos planos para impor uma série de modificações estruturais no chamado pacto federativo. Aliás, este pacto federativo é um neologismo para uma repactuação dos interesses que movem os interesses de classe dos capitalistas brasileiros. As modificações sendo gestadas nos corredores dos ministérios e do congresso nacional em Brasília incluem, entre outras coisas, a reformulação das concessões do setor elétrico, a abertura das áreas indígenas para atividades de mineração e exploração madeireira, e a joia da coroa que é a questão de um novo modelo de cobrança e distribuição do ICMS.

Também não está fora deste conjunto de mudanças estratégicas no funcionamento do Estado brasileiro um esforço concentrado por parte do governo Dilma de aprofundar o relaxamento da legislação relativa ao licenciamento de grandes empreendimentos. O que está se preparando é praticamente o extermínio das medidas básicas de responsabilização das grandes corporações econômicas que estão cruzando o território brasileiro em busca de lucro. Um lampejo do que pode significar este afrouxamento da legislação pode ser visto no V Distrito de São João da Barra, onde o onipresente Eike Batista está construindo o Complexo do Porto do Açu com gordos financiamentos do BNDES, e num misto de desrespeito ao direito de propriedade e despreocupação escancarada com o meio ambiente está se fomentando um cataclismo com alto poder de destruição.

Para cimentar tudo isto, o que também está sendo visto é a disseminação de uma política de contenção das vozes contrárias. Assim, seja em protestos contra a privatização do Maracanã, da defesa dos índios guarani-kaiowá que estão sendo massacrados pelo latifúndio no Mato Grosso do Sul, ou ainda manifestações contra um escorchante aumento de passagens de ônibus na cidade do Rio de Janeiro, as forças policiais estão sendo empregadas para reprimir violentamente os manifestantes. Esta faceta repressiva, além de dar a cola que as diferentes esferas do governo não possuem ou sequer desejam, explicita uma nova fase na realidade política brasileira. 

Felizmente, parece que, cansados de conviver com a inutilidade dos partidos majoritários e de sindicatos cooptados pelo Estado, setores significativos da população estão se colocando em movimento para não apenas protestar, mas também para buscar novos modelos de organização social. Este processo que em alguns momentos parece adormecido vem surgindo de forma multifacetada e com uma agenda multivariada. Apesar das evidentes limitações que isto traz para uma ação unificada, tampouco continuaremos relegados a uma falsa harmonia social. Já não era sem tempo!