terça-feira, 20 de novembro de 2012

Diante da escolha de Asterix: questionar e resistir ou aceitar passivamente a dominação dos poderosos?



Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no site da Revista Somos Assim


Poucos devem saber quem é Albert Uderzo, desenhista franco-italiano que, em setembro deste ano, decidiu se aposentar aos 84 anos após uma longa e criativa carreira. Mas não há quem, independente da idade, não tenha se deliciado com a sua maior criação, o imbatível e indomável personagem Asterix, um bonachão gaulês que colocava terror no coração das legiões romanas que teimavam em tentar conquistar sua aldeia fictícia. Desde que Uderzo concebeu Asterix e seus muitos companheiros de aventura, em 1969, a editora que detém os direitos, a Hachette, já vendeu em torno de 350 milhões de livros com as aventuras do pequenino gaulês em todo o mundo, o que faz dele um dos principais produtos franceses de exportação.

Por que começo falando de Asterix? É que recentemente, num desses intercâmbios de ideias que ocorrem no mundo rápido da internet, um conhecido blogueiro de Campos dos Goytacazes utilizou a metáfora de que todos nós que resistimos à ideologia totalizante que emana da hegemonia capitalista representamos uma forma de materialização dos ideais de Asterix e sua pequena aldeia resistente. Isto me fez pensar sobre o fato de querer ou não me colocar numa posição em que, sem abrir mão da resistência ao opressor, não sobreviveria se não tivesse uma espécie de poção mágica que me dotasse de superpoderes para fazer frente a um poder avassalador. Na prática, o charme de Asterix não nasce apenas de uma teimosia em aceitar o inevitável, mas principalmente por não se dobrar aos valores que são impostos pelos que detém a hegemonia da violência. Ainda que isto não me conforte totalmente, o dilema levantado em torno de Asterix me leva a pensar em um personagem histórico real, o criador da Universidade Estadual do Norte Fluminense, o antropólogo Darcy Ribeiro. Darcy, em uma revisão altamente crítica de seus esforços como pensador, dizia que havia perdido todas as grandes batalhas de sua vida, mas que assim mesmo detestaria estar no lugar daqueles que as haviam vencido. Por mais estapafúrdia que possa parecer essa possibilidade, penso que Darcy Ribeiro deve também ter devorado vorazmente alguns exemplares das aventuras de Asterix. Se não, é possível que tenha conversado pessoalmente com Albert Uderzo em uma de suas paradas na França, tal é a similaridade do moral das estórias de Asterix com o que Darcy ofereceu como balanço de vida.

O interessante é que todos os dias a realidade bate à nossa porta e em nossa consciência, nos oferecendo a possibilidade de escolher entre a resistência ou a aceitação das ideias dominantes, por mais perversas e injustas que sejam. Assim sendo, as escolhas que fazemos nos tornam parte intrínseca da construção da realidade em que estamos imersos. Vejamos, à guisa de exemplo, o caso do Complexo Industrial-Portuário do Açu, motivo do intercâmbio que citei no inicio desse artigo, e de suas repercussões sociais e ambientais. Como qualquer outra pessoa que quer a melhoria da situação econômica da região em que vive; não morri de simpatia quando soube do início do projeto, mas tampouco me coloquei como uma voz crítica. Em verdade considerei o projeto como um daqueles males necessários dentro da ordem vigente que forma lugares e não lugares, onde os últimos acabam sendo sempre relegados ao atraso e à pobreza extrema, já que ao menos geraria alguma dinâmica econômica num município extremamente pobre. No entanto, minha posição de relativa condescendência mudou quando comecei a ter conhecimento dos absurdos que estavam sendo cometidos contra centenas de famílias pobres que viviam na região e que tinham sua base de sustento nas terras que o governo do estado decidiu, na calada da noite, desapropriar para dar, praticamente de mãos beijadas, a uma corporação que poderia ter negociado melhor com as comunidades afetadas. De quebra, começamos a obter evidências de graves alterações ambientais que poderão afetar drasticamente até as chances das famílias não desapropriadas de permanecerem na região que ocupam há várias gerações.

Entretanto, pior do que notar a ação avassaladora de uma corporação e das forças repressivas enviadas pelo Estado para retirar as famílias que ousavam resistir foi notar a passividade e o silêncio em torno da injustiça que estava sendo cometida. E tudo isto para quê? Para viabilizar um projeto que parecia bonito na maquete, mas que visivelmente tinha pouca viabilidade no atual contexto econômico mundial. E mais interessante ainda é que, no movimento que acabou se formando, se não fosse o surgimento de um processo de resistência genuinamente nascido de dentro das comunidades afetadas, teríamos visto a vitória do consenso dos opressores, mesmo dentro das universidades. Ainda que isto não represente nenhuma garantia de que a aldeia gaulesa instalada no V Distrito conseguirá sobreviver aos ataques das legiões do novo império, é certo que a sua erradicação não será tão fácil como esperavam os estrategistas que querem nos impor o mesmo modelo que oprime o povo deste solo desde que os conquistadores portugueses chegaram em 1500, nas praias do que seria hoje o sul da Bahia. Por isto tudo, longa vida a Asterix e aos aldeões rebeldes!