terça-feira, 16 de outubro de 2012

"Eles racharam o mar para dentro da terra"


Surpreendida pelos preocupantes resultados da pesquisa, a equipe de reportagem da Somos foi ao Açu acompanhando mais uma viagem de coleta e exames de água da equipe de pesquisadores da Uenf e aproveitou para ouvir moradores do 5º Distrito, como o agricultor João Roberto de Almeida, de 50 anos, mais conhecido como seu Pinduca, que com apenas 2 alqueires de terra sustenta a sua família com esposa e quatro filhos.

Seu Pinduca, como a maioria dos seus vizinhos, recebe água fornecida pela prefeitura de São João da Barra para consumo, na hora da visita da equipe, de acordo com os testes realizados no local pela doutora Marina Suzuki, da Uenf, essa água estava com 744 microsiemens de condutividade, ou seja, maior em 105 microsiemens de condutividade em comparação à primeira pesquisa feita no mesmo local, e mais de sete vezes além do recomendado para consumo humano.

De acordo com a Drª. Marina, a água ideal para consumo é água doce, e água doce não pode ter salubridade nenhuma. “O ideal seria ser abaixo de 100. A água do Paraíba fica em torno de 70, 80 microsiemenes, essa água está imprópria para o consumo”, explicou.


Revoltado diante dos resultados, o agricultor desabafou: “Aí que nós queremos ver onde está a justiça, porque se é para matar o ser humano é para matar. A nossa água era doce, eles racharam o mar para dentro da terra, estão jogando a água do mar direto para as terras. Há poucos dias morreram os peixes todos no rio Quitingute, que era a maior fonte de riqueza do povo. As laranjas eram a coisa mais linda do mundo, as plantas já não estão aguentando mais, a horta já não presta mais, a lavoura já não presta mais. Você plantava o maxixe, o quiabo, era a coisa mais linda do mundo, agora leva um mês a dois meses para morrer, uma coisa que durava um ano. Tem roça aí que só tá plantando e tá morrendo. A pessoa já não tira mais nem um dia de serviço. A gente planta as verduras e joga a água por cima, a água mata as verduras todinhas. Não existe indenização, não existe respeito. A falta de vergonha no nosso país, isso descontrolou o homem do campo. Agora onde está o respeito? Qual é o homem que vive sem comer? Em saber que a solução do Brasil somos nós que matamos a fome, somos nós que matamos a fome”, declarou seu Pinduca, que também disse que esse problema começou desde o início das obras do Porto. “Em 2000, nós já fomos atacados por eles.”

Quando questionado sobre o que ele falaria, se pudesse, para o empresário Eike Batista sobre esse problema, o seu Pinduca foi enfático. “Eu falaria para ele respeitar o ser humano, porque sem o ser humano ele não vive, porque quem dá comida a ele somos nós, porque ele pode ser tudo, ele pode ser o rei do mundo, mas quem planta a alimentação não é o rico, quem planta a alimentação é o pobre que ele está pisando, além disso, nós não somos respeitados, o respeito que nós queríamos ter é das autoridades. Faz poucos dias que nós sentamos com uma juíza, e ela disse para umas vinte ou trinta famílias que no Brasil não existe respeito, não existe autoridade para idosos, não existe nada. Tudo o dinheiro compra. Então, como nós vivemos numa situação dessas? Eu sei que toda vida nós fomos pobres e conhecemos muita gente pobre, mas se a cidade, se o mundo inteiro fosse governado pelo respeito que existe dentro do 5° Distrito de São João da Barra, não existiria um ser humano morando em baixo de ponte, não existiria um ser humano morrendo de fome. O que eu aprendi com minha mãe, que eu vou levar para o resto da minha vida, é o respeito. Já passei fome e nunca roubei nada, e o homem que passa fome tem que ser seguro na vida, principalmente com Deus, senão ele rouba. A riqueza que Deus deixou não foi só para os ricos não, deixou para todos os pobres”, afirmou.

Durante a entrevista, seu Pinduca, que depende da água e da terra para sobreviver, disse que não tem o que fazer a não ser colocar nas mãos de Deus. “Vou colocar nas mãos de Deus, vou pedir para Deus mostrar uma saída.”

Quando perguntado se não recebeu alguma oferta da LLX para vender sua terra, seu Pinduca afirma que não existe negócio. “A oferta deles é invadir o que é dos outros e pegar na marra. Essa é a oferta que eles fazem. Nós já perdemos a confiança nas autoridades”, disse.

Segundo ele, a produção também diminuiu. “Minha produção caiu muito. O 5° Distrito, que era de homem trabalhador, vai virar favela. O homem que nunca pegou nada de ninguém vai ser ladrão. Nós não queremos, mas vai ter muita gente que não vai ter escolha. Quando faltar a comida, o desespero vai ser grande. A maioria já não tem serviço para trabalhar, se nós não temos terra para plantar, nós vamos plantar onde? Na rua? Não podemos. Em 15 anos passando dificuldades nós nunca roubamos, nunca matamos. Eu sempre ouvi uma voz que dizia que nós iríamos sair daquela situação e que nada faltaria. Hoje nós temos casa para morar e não foi governo nenhum que deu, foi tudo do nosso suor. O dia que nós ganharmos R$ 10,00 vai ser do nosso suor. Não gostamos de político, temos nojo de político. A gente faz nosso dever dando nosso voto, mas não vivemos em função disso, porque nós temos profissão, nós somos ricos de profissão”, declarou.

Quando o assunto girou em torno de algum tipo de auxílio da prefeitura de São João da Barra, seu Pinduca disse que nunca teve qualquer tipo de ajuda da atual prefeita. “A prefeita ajuda a pegar a terra. O outro prefeito sempre respeitou, só foi essa mulher entrar... Ela podia trazer o porto, seria bem vindo, mas a primeira coisa que ele (o porto) deveria fazer era respeitar o homem do campo, porque nenhuma cidade funciona sem comer. Tudo que nós passamos na vida a gente agradece a Deus, não tem nada que paga a nossa saúde. Tem gente que diz que não vive sem dinheiro, mas vive. Uma vez eu fiz uma pergunta para Deus, a gente não tinha dinheiro para comprar uma camisa, não tinha dinheiro para comprar um sapato, não tinha dinheiro para ir ao dentista. A gente, quando era criança, pensava de onde ia arranjar, e a voz dizia ‘você vai ter’. Quando eu já não aguentava mais de fome, eu fiz uma pergunta para Deus, ‘senhor, por favor, nós já não aguentamos mais, vamos acabar morrendo, mostra uma saída, porque nós não vamos roubar’, foi quando entrou na nossa cabeça que a terra seria a solução, foi quando eu vi que meu irmão já não estava aguentando mais. Nós trabalhávamos juntos, eu vi que ele não aguentava pegar mais a enxada, e aquilo que fez muito mal. Olhei para o céu às 14h pedindo uma solução a Deus, depois minha família nunca mais passou fome. A solução na minha vida hoje é a água e a terra. Aquele que não tem valor nenhum para o governo é que coloca comida no mercado para todo mundo comer. O ser humano não fica dois dias sem comer, em dois dias ele já não é homem mais, já está trocando as pernas, a não ser o poder de Deus que segure ele, como nos segurou”, finalizou.