quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A crise do agronegócio canavieiro

Após expansão, setor enfrenta impactos da desvalorização do Real e a falta de liquidez do mercado financeiro 

Carlos Vinicius Xavier, Fábio T. Pitta e Maria Luisa Mendonça

Maringoni 


Desde 2003, observa-se no campo brasileiro a permanência da expansão do monocultivo de cana para a produção de etanol. Mas a partir de 2010, apenas a área plantada continuou a crescer, enquanto a produtividade sofreu uma queda significativa. Esse processo está relacionado à crise econômica internacional, à valorização do dólar e à falta de liquidez no mercado financeiro. 

A partir de 2008, diversas usinas tomaram empréstimos baratos em dólar, aproveitando a valorização do real, para especular com derivativos cambiais. Com a reversão dessa tendência e a valorização do dólar, muitas usinas quebraram. O setor somou um prejuízo de mais de R$4 bilhões. As empresas deixaram de investir, por exemplo, na renovação de canaviais. Por essa razão, em janeiro de 2012, o governo brasileiro liberou R$4 bilhões somente para o plantio de cana. 

O apoio estatal para o agronegócio inclui constante rolagem de bilhões de reais em dívidas, incentivos fiscais, crédito a juros subsidiados e segurança de mercado. Com a crise no setor, o governo Dilma anunciou que poderia aumentar a mistura de etanol na gasolina de 20% para 25%. Outra proposta do governo é conceder total isenção de impostos para a produção de etanol. Além do apoio estatal, o cenário de crise reforça a monopolização através de fusões e aquisições. 

A inserção da petrolífera Shell, a partir da fusão com a Cosan, resultou na constituição da empresa Raízen, um dos cinco maiores grupos econômicos do país. Outra petrolífera que atua no setor é a British Petroleum (BP), que adquiriu 50% da Tropical BioEnergia, composta pela LDC Bioenergia e o Grupo Maeda. A Petrobras é também uma das principais empresas do ramo, através da Nova Fronteira Bioenergia, resultante da fusão entre o Grupo São Martinho e a Petrobras Biocombustíveis (PBio). 

Entre as tradings que entraram no negócio dos agrocombustíveis está a Cargill, que em 2006 adquiriu 64% da Companhia Energética do Vale do Sapucaí. Em meados de 2011, a empresa anunciou a fusão com a Usina São João, com duas unidades em Goiás. A Archer Daniels Midland (ADM) tem atuação no sul de Goiás e no Triângulo Mineiro, através da aquisição de usinas já instaladas. Essa estratégia também foi adotada pela Sojitz Corporation, que em 2007 adquiriu 33% do da ETH, junto ao grupo Odebrecht. A participação da Bunge também ocorre através de aquisições de empresas já formadas. Em 2007, adquire a Usina Santa Juliana, localizada no Triângulo Mineiro. Em 2008, estabelece um negócio com o grupo Tate & Lile, tornando-se um dos maiores exportadores da commodity no país. 

A atuação dos fundos de investimento ocorre tanto através da aquisição completa de usinas, quanto da associação ou fusão. Um exemplo de aquisição completa é a Infinity Bio-energy, composta pelos fundos estadunidenses Kidd & Company, Stark e Och Zitt Management, além do banco Merrill Lynch. Em 2006 e 2007, a empresa efetivou a compra de oito usinas, além do anúncio da construção de outras cinco. As aquisições totalizam R$1 bilhão. Tais empreendimentos apresentam conexão com a captação de 1,5 bilhão de dólares junto à bolsa de recursos para empresas em formação (AIM) em Londres. Em 2006, a CEB (Clean Energy Brazil) obteve R$400 milhões na bolsa de Londres e adquiriu 49% da Usaciga Açúcar, Álcool e Energia Elétrica, no Paraná. Em 2009, formou um joint venture com a Unialco S.A., com 33% de participação em duas usinas no Mato Grosso do Sul. 

Ilusão

A concentração de capitais decorre da crise econômica mundial, em um contexto marcado pelo modo como o capital financeiro gera a ilusão de um movimento autônomo do dinheiro. Como derivação deste “miraculoso” sistema, no qual dinheiro, por si só, pressupõe uma capacidade de gerar mais dinheiro, é que surge a expressão “indústria financeira”. O agronegócio reafirma uma necessidade de atrair recursos do sistema financeiro com o propósito de cobrir antigos créditos. Trata-se do capital fictício em sentido estrito, ou seja, quando se paga os créditos insolváveis com novos créditos. Apesar de se tratar de um capital proveniente da ficcionalização da reprodução, onde se cria a ilusão de que o dinheiro pode reproduzir-se independentemente da exploração do trabalho, as empresas tentam mostrar que há de fato valorização. 

Ao longo dos anos 1990, os países centrais, antes credores das dívidas externas dos países periféricos, desenvolveram mecanismos de securitização das dívidas. Foram criados novos produtos financeiros denominados “derivativos”. Tais possibilidades expandiram a capacidade de criação de dinheiro por parte do sistema financeiro, assim como o aumento dos endividamentos, que passaram a ocorrer na forma de dívidas internas dos Estados nacionais. 

Tal procedimento expandiu a capacidade dos bancos concederem empréstimos, muito além dos limites antes permitidos. Isso porque os credores que detêm títulos securitizados não são computados nos balanços financeiros dos bancos. 

A crise na Bolsa Nasdaq em 2001 gerou uma busca por novas modalidades, fazendo com que os títulos da dívida interna dos países periféricos aparecessem como bons negócios. A manutenção dos juros baixos nos Estados Unidos atraiu investidores para os títulos da dívida interna brasileira, com taxas bem maiores. Esse mecanismo, denominado de carry trade, estimula agentes privados a assumir empréstimos em dólar e aplicar em títulos das dívidas de países que pagam juros mais altos. Com boa capacidade de endividamento, o governo brasileiro ampliou a oferta de crédito subsidiado ao setor privado, principalmente ao agronegócio. 

Os mercados de derivativos favorecem a especulação, tanto com commodities agrícolas quanto com moedas, nos mercados de futuro. Os preços de certas mercadorias hoje podem expressar simples apostas futuras de especuladores, que os aumentam ou diminuem conforme a melhor possibilidade vislumbrada para seus ganhos. Tais variações impactam, inclusive, as taxas de câmbio e de juros, o que mobiliza investimentos nesses mercados de derivativos, retroalimentando a instabilidade de preços. 

Desta forma, as características das “apostas” do capital financeiro passaram a compor os ganhos de empresas que anteriormente investiam apenas na produção direta de mercadorias. As chamadas operações de hedge (proteção) têm essa característica, já que o mercado de futuro é especulativo por excelência. Portanto, há um entrelaçamento das empresas consideradas “produtivas” com o capital especulativo, já que cumprem ambos os papéis. 

O quadro de crise no setor é cíclico, como uma espiral que se desdobra e se aprofunda. A capacidade de uma empresa adquirir novas dívidas está atrelada ao seu tamanho, ou seja, aos valores de seus ativos, o que estimula as fusões e o monopólio. Porém, ao modernizarem o processo de produção, essas empresas substituem força de trabalho por máquinas, inviabilizando ainda mais a acumulação, o que retroalimenta o endividamento e a especulação financeira. O acesso a crédito permitiu uma transformação que aprofundou a diferença entre montantes de capitais imobilizados em maquinário em relação à força de trabalho a ser explorada. 

Com a mecanização, aumentaram os casos de superexploração do trabalho, inclusive de pilotos de tratores e colhedeiras. O impacto pode ser notado na diminuição da média dos salários, no aumento da jornada e da quantidade de cana cortada. O modelo baseado no pagamento por produção e não por hora gera uma condição estrutural degradante. Diversos são os casos de morte e mutilação de cortadores nos canaviais devido ao excesso de esforço físico. A diminuição de postos de trabalho faz com que apenas os trabalhadores mais produtivos consigam manter seus empregos. As metas de produtividade chegam a 12 mil quilos de cana cortada por dia. 

A busca por competitividade no mercado mundial faz com que a agroindústria da cana, assim como todo o agronegócio brasileiro, assuma constantes dívidas para manter níveis aceitáveis de produtividade. A expansão territorial dos monocultivos expressa a necessidade das usinas aumentarem seus ativos para conseguir maiores montantes de empréstimos financeiros. Portanto, seu principal “produto” é enorme dívida econômica, social e ambiental. 


Carlos Vinicius Xavier e Fábio T. Pitta são geógrafos. Maria Luisa Mendonça é jornalista. Mais informações sobre o tema no relatório A agroindústria canavieira e a crise econômica mundial.