segunda-feira, 8 de outubro de 2012

A crise das universidades estaduais do Rio de Janeiro explicita um debate sobre modelos de desenvolvimento

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado originalmente pela Revista Somos Assim


Passado o primeiro turno das eleições municipais, creio que é hora de começar a tratar da resolução dos problemas que não serão resolvidos neste momento. O fato é que, além de eleições não serem uma panaceia capaz de curar todos os males que afligem o sistema democrático brasileiro, em muitos casos elas obscurecem aspectos importantes da nossa realidade. Vamos tomar, apenas como elemento norteador, a questão da Educação. Ainda que por linhas divergentes, não houve candidato neste primeiro turno que não jurasse amar a Educação, os professores e os estudantes que dependem da escola pública para garantir um futuro decente. Entretanto, sejam quais forem os vencedores desta eleição, sabemos que a educação pública continuará ocupando um papel secundário nas preocupações dos governantes. Como declarou recentemente um secretário do governo estadual, o problema é que Educação não dá voto.

Assim, enquanto a lógica dos governantes for guiada por investimento no que dá voto ou não, é provável que tenhamos de continuar vendo o show de cinismo que mistura o paraíso das promessas eleitorais com o inferno em que as escolas públicas vivem imersas, sejam elas administradas por prefeituras ou por governos estaduais. Aqui no Rio de Janeiro, vivemos uma verdadeira catástrofe na situação de nossas escolas. Ano após ano, avaliação após avaliação por diferentes tipos de indicadores, o que se vê é um completo desastre. Mas para quem pensa que o sucateamento da educação pública estadual está circunscrita aos níveis básicos, eu diria que este é um ledo engano. A situação das universidades estaduais é outro exemplo de como a opção por concentrar os investimentos públicos em megaobras voltadas para a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos está criando uma situação vexaminosa; aqui, não estou falando apenas dos salários defasados e das condições desgastantes em que os servidores precisam exercer suas funções. Para mim, o maior problema é a política continuada de sucateamento das três universidades estaduais que operam com orçamentos cada vez menores. A situação é tão gritante, que a Uenf opera, em 2012, com um orçamento menor do que em 2011, e o quadro promete se agravar em 2013.

Para responder a isto, os servidores da Uerj mantiveram uma longa greve que foi encerrada sem que o problema fosse totalmente resolvido. No caso da Uenf, a greve iniciada em meados de agosto se deu basicamente pelos mesmos motivos, e ainda continua sem um horizonte de solução. O interessante é que, após quase dois meses de greve, os sindicatos da Uenf foram recebidos pelo todo poderoso secretário estadual de Planejamento e Gestão, o Sr. Sérgio Ruy Pereira, que de forma autoritária demandou o encerramento da greve como pré-condição para início do processo de negociação. Esta postura não é apenas autoritária, mas também cínica, já que antes de iniciar o processo de greve, os sindicatos da Uenf enviaram diversas correspondências aos representantes do governo estadual, pedindo o início de negociações para que se resolvesse a questão da crescente defasagem salarial em relação às universidades federais. Saliente-se ainda que, apenas após algumas dezenas de infrutíferas viagens ao Rio de Janeiro é que os sindicatos decidiram iniciar a atual greve.

Mas qual é a garantia que o governo do Estado liderado por Sérgio Cabral dá para a resolução dos problemas que afetam as nossas universidades? Grosso modo, não há sequer um discurso voltado para fingir um mínimo de preocupação com a crescente defasagem em relação, por exemplo, às universidades estaduais paulistas. Assim, enquanto a Universidade de São Paulo (USP) é a única universidade latino-americana colocada entre as melhores universidades do mundo, não se vislumbra qualquer mudança na situação causada pela falta de financiamento na saúde institucional das universidades estaduais do Rio de Janeiro. O pior é que, continuando nesta batida, há uma grande chance de que o nível de degradação que já provoca resultados desastrosos na educação básica se estenda de forma irremediável às universidades fluminenses.

Muito provavelmente haverá quem se pergunte se a manutenção de boas universidades estaduais representa alguma coisa num Estado em que existem graves problemas em outras áreas, como saúde e habitação. A questão é que, gostem ou não os governantes, sem boas universidades não haverá a produção do conhecimento necessário para desenvolvermos as soluções que precisamos. Se olharmos para as economias desenvolvidas, veremos logo que os países com melhores oportunidades de superar o atual ciclo de crises são justamente aqueles que concentram as melhores universidades. Isto não se dá porque as instituições sejam infalíveis, mas justamente porque é no âmbito delas que se pode desenvolver pesquisas que nos habilitam a enfrentar os desafios colocados por uma economia globalizada.

A questão chave nesta discussão se refere ao tipo de modelo de desenvolvimento que pretendemos. O que é atualmente defendido e implementado no Brasil, independente do nível de governo que pensarmos, não necessita de universidades públicas capazes de desenvolver pesquisas de ponta. Aliás, muito pelo contrário, pois o modelo vigente se baseia na contínua dependência tecnológica e cultural em relação à Europa e aos EUA. Será que é isto mesmo que queremos para o nosso futuro?