sexta-feira, 28 de junho de 2013

Blog do Sakamoto: Rio perdeu o pudor de adotar o terrorismo de Estado como política pública


Por Leonardo Sakamoto

O governo do Estado do Rio de Janeiro enlouqueceu. Não há outra forma de descrever o comportamento de suas forças de segurança nas últimas semanas. E olha que quem escreve é um morador de São Paulo, que possui uma das polícias mais meigas do país. Não estou surpreso com a violência desmesurada ou com o pouco respeito à vida e à dignidade, mas pelo fato do governo ter perdido o pudor e não se preocupar mais em esconder as besteiras que faz.

Primeiro, a selvageria contra manifestantes que marchavam em paz no Centro da capital carioca sem nenhum constrangimento, ignorando que o comportamento de um grupo de idiotas não pode justificar o tratamento ignóbil dispensado à imensa maioria pacífica. Os policiais não atuavam entre os que causavam danos ao patrimônio público, mas intimidavam ostensivamente qualquer um que não estivesse em casa vendo a novela. Isso sem contar as bombas de gás, balas de borracha e spray de pimenta lançados contra quem protestava pacificamente próximo ao estádio do Maracanã.

Somado a isso, o pânico provocado no Complexo da Maré com a operação que deixou, pelo menos, dez mortos – inclusive um policial. Supostamente, em busca de supostos responsáveis por um arrastão e, depois em clara vingança pela morte de um sargento, a força pública esculachou moradores, invadiu casas, abusou da autoridade, enfim. Centenas se reuniram para protestar contra a presença do Bope na favela e a própria polícia – pasmem – reconheceu que inocentes foram mortos.

Boa parte dos policiais que morrem nesses momentos são da mesma classe social dos moradores e traficantes que também tombam. Ou seja, é pobre matando pobre enquanto quem manda ou lucra de verdade com todo o circo está arrotando comida chique em outro lugar. Ninguém entra atirando a esmo no Leblon ou em Moema, por que isso ocorre na Maré? Porque lá a vida vale menos, ué.

A verdade é que o Rio está se especializando no caminho do terrorismo de Estado, tanto ao criar entraves à liberdade de expressão quanto ao reprimir ainda mais o punhado de direitos das comunidades pobres que ainda não foram defenestrados. A população cada vez mais teme seu governo ao invés de respeitá-lo. Dessa forma, vai se afastando das mudanças estruturais para garantir paz – que incluem um Estado que pense em qualidade de vida para todos e, ao mesmo tempo, em um horizonte de opções para os mais jovens que saem em busca de um lugar no mundo e caem no colo do tráfico. Ações que devem ser discutidas e construídas com a participação popular e não de cima para baixo, como se soubéssemos o que é melhor para os outros. Em vez disso, o Rio renova seu estoque de gás lacrimogênio, lançando mão de caveirões e bombas. Que limpam a cidade para os “homens de bem”. A dignidade não é uma grande UPP.

Enquanto o povo protestava contra a divisão dos royalties do petróleo, Sérgio Cabral achava tudo bonito. Quando as pautas são outras, pau neles. E quando é com pobre, aí é bala mesmo. Lembra os verde-olivas que adoravam uma marcha cívica, mas desciam o cacete nos estudantes que protestavam e nas “hordas de bárbaros” quando elas saíam da casinha. Ele lembra a todos que a cidade é para alguns apenas, que têm um tanto na conta bancária e pensam de uma determinada forma. Estes podem participar dos destinos de sua pólis e ser tratados com dignidade. Para os outros, resta um “Rio: ame-o ou deixe-o”.

Se o poder público se comporta assim em um momento de teste de sua sanidade mental, imagina na Copa?

Em tempo: É necessário uma cobertura mais crítica e contundente do poder público em suas ações de segurança pública por parte da mídia. Por vezes, banalizamos aberrações a ponto de internalizá-las como parte do cotidiano. Nesta reportagem, ao tratar da repressão a uma das manifestações no Centro do Rio de Janeiro, o especialista em segurança pública da TV Globo proferiu uma perigosa diferenciação (aos 1’4”): “É uma arma de guerra, uma arma de operação policial em comunidades, em favelas. Não é uma arma para ser usada em ambiente urbano…”