sábado, 23 de fevereiro de 2013

A perversidade do ensino universitário privado


Por Denilson Botelho

Especial para Caros Amigos

Entre março de 2002 e maio de 2009 fui professor da Universidade Candido Mendes, atuando nas unidades Tijuca e Niterói. Graduado, mestre e doutor em História, ministrei disciplinas da área de ciências humanas nos cursos de Comunicação Social, Pedagogia, Administração/Economia/Contábeis. Sempre fui remunerado como horista, ou seja, recebendo por hora/aula lecionada. Jamais tive um contrato de 40 horas, por exemplo.

Foram tempos difíceis aqueles. A cada semestre, era sempre uma angústia em face das indefinições. Ora aumentavam a minha carga horária, ora a reduziam, numa gangorra interminável que desorganiza a vida de qualquer assalariado. E, além disso, frequentemente os salários eram pagos com atraso, incluindo o décimo terceiro.

O recolhimento de FGTS e da contribuição previdenciária era irregular ou inexistente.

Na verdade eu nunca entendi porque aquela instituição era chamada de universidade. Jamais ouvi falar em pesquisa ali dentro. O que eu sempre vi foi um grande "escolão" de terceiro grau. A gestão da instituição sempre me pareceu mais preocupada com a "bilheteria", digo, com a arrecadação e o lucro, do que com qualquer outra coisa.

Talvez, por conta disso, havia ali um ambiente de esterilidade acadêmica e intelectual. O cotidiano dos docentes era marcado por sobressaltos semestrais, em meio aos quais muitos não sabiam se continuariam lecionando no semestre seguinte ou se teriam a carga horária (e salários) reduzidos.

Eu sempre me perguntava sobre o que, afinal de contas, uma instituição conduzida desta forma poderia ensinar aos seus alunos. Mas vale dizer que, a despeito de todas as adversidades, encontrei vários docentes dedicados, competentes e comprometidos com o seu ofício. E atribuo a eles a formação bem sucedida de vários alunos igualmente interessados e em busca de formação acadêmica.

O fato é que, exaurido pela prática de sucessivas irregularidades e cansado de manter um saldo permanentemente negativo no banco para honrar os meus compromissos financeiros cotidianos, já que não podia contar com o pagamento pontual dos meus salários na UCAM, não restou-me outra alternativa a não ser livrar-me dessa situação.

Aprovado num concurso público para exercer o cargo de professor efetivo numa universidade de verdade – onde se conjuga ensino, pesquisa e extensão -, não poderia, como diria meu pai, enfiar o rabo entre as pernas e pedir demissão. Não, isso seria humilhante! Afinal, foi o descumprimento das obrigações contratuais daquele empregador que me forçou a mudar de vida e buscar outra alternativa de sobrevivência. Não fosse isso, talvez eu estivesse lá até hoje, caso não fosse demitido como tantos outros colegas com os quais convivi.

Contando, com orientação jurídica adequada e firme, tenho orgulho de dizer que fiz o que muitos trabalhadores deveriam poder fazer com seus patrões. Quando um empregado descumpre com suas obrigações, pode ser demitido por justa causa, não é? Pois quando o empregador não cumpre com suas obrigações, também ele pode receber uma espécie de "justa causa", que é feita através de uma ação trabalhista de rescisão indireta. Nesse caso, cabe ao empregador indenizar adequadamente o autor do pedido de rescisão.

Ora, quem atrasa salário, não paga hora extra, não paga no tempo devido décimo terceiro e férias, não recolhe no prazo exigido as contribuições previdenciárias e o FGTS, está descumprindo peremptoriamente a legislação trabalhista! Foi argumentando tudo isso que movi ação contra a UCAM.

Passados pouco mais de três anos, obtive pleno êxito na minha iniciativa, graças à competente atuação dos advogados Mário Meirelles e Felipe Longo. Por ora, o processo está em fase de cálculos que resultam em valores ainda a serem confirmados. Desta forma, devo dizer, por um instante achei que a justiça foi feita.

Mas não foi. Ainda. Tomei conhecimento de que o presidente do Tribunal Regional do Trabalho da Primeira Região fez um "acordo" com a UCAM (Ato n. 75-2012, de 24 de setembro de 2012), semelhante ao que foi estabelecido com clubes cariocas de futebol – haveria alguma semelhança esdrúxula entre esses dois ramos de atividade?

A UCAM alega que, caso tivesse que honrar os pagamentos das ações trabalhistas em que foi derrotada, não teria como manter os salários dos seus atuais professores em dia – embora até 2009 isso não acontecesse e sou testemunha disto. Assim, a UCAM reconhece suas dívidas trabalhistas – que não são poucas -, compromete-se a quitá-las, contudo cada processo que vai sendo concluído entra numa lista de espera para ser indenizado, espera essa que pode se estender por até nove anos – pasme! Ou seja, criaram uma espécie de "precatório" para a iniciativa privada, beneficiando universidades como a UCAM – assim como times de futebol!

Os termos desse ato de generosidade do TRT-RJ para com a UCAM são bastante sugestivos. O presidente do Tribunal considerou o "risco de inviabilização do regular funcionamento da requerente, em razão do seu alto grau de endividamento e das inúmeras ordens de bloqueio de crédito e penhoras emanadas dos MM. Juízos desta Região". Em vista disso, ficou estabelecido um "Plano Especial de Execução" em que os valores devidos "deverão ser integralmente pagos no prazo de 108 (cento e oito) meses após o pagamento da primeira parcela".

Se um empresário de um ramo qualquer não tiver como honrar as suas dívidas trabalhistas, fatalmente se tornará insolvente e terá seus bens penhorados para dar quitação a essas dívidas.

Restam então algumas perguntas a serem respondidas. Por que esse privilégio concedido à UCAM? Por que esta instituição continua mantendo imóveis valorizadíssimos em bairros nobres da cidade, se tem tantos devedores?

E mais: qual não foi a minha surpresa ao ler na página 14 d'O Globo, do dia 5 de janeiro de 2013, a seguinte notícia: "Candido Mendes erguerá projeto de Niemeyer".

Como assim?

Quer dizer que a instituição conta com recursos ou financiamento para edificar uma homenagem em área nobre da capital fluminense ao célebre arquiteto recentemente falecido, mas não honra com suas dívidas trabalhistas? O que pensaria disto o honrado comunista que é objeto da homenagem?

Até onde vai a perversidade dos empresários do ensino universitário nesse país? Aliás, uma perversidade que conta com a anuência do poder judiciário e também do Ministério da Educação.

Denilson Botelho é professor de História da UFPI