quinta-feira, 19 de julho de 2012

A invisibilidade imposta a Ruy Mauro Marini

por Túlio de Souza Muniz

Talvez o mais valioso serviço de informação aliado à inteligência nacional, neste ano, tenha sido prestado por Carta Capital em sua última edição. A invisibilização imposta a Ruy Mauro Marini e a sua obra é real, como bem apontou a revista.

De fato, persiste uma quase ignorância acerca de Marini, na academia ou fora dela. Lembro-me que somente em 2008 ouvi falar de sua obra, e isso no exterior, quando cursava doutorado na Universidade de Coimbra, num seminário de Boaventura Santos, que apontava exatamente para o que diz a matéria/entrevista da Carta Capital: a “teoria da dependência” devia muito à obra de Marini, um ilustre desconhecido para a jovem geração de cientistas sociais brasileiros, senão para boa parte de todos os pensadores, independente da idade.

Marini, além de brandir penas contra FHC e Serra em vários momentos, foi também importantíssimo na proposta de outros conceitos, como o de “subimperialismo brasileiro”, ao alertar para os riscos de o Brasil reproduzir “atos imperialistas” em suas incursões econômicas internacionais. Já em 1977 ele afirmava:


“Esto es cierto aun cuando el capital industrial se amplia y fortalece en áreas extractivas y agrícolas; lo que es todavía más, cuando consideramos la extensión y diversificación a escala munidal de la industria manufacturera. El resultado ha sido un reescalonamiento, una jerarquización de los países capitalistas en forma piramidal y, por consiguiente, el surgimiento de centros medianos de acumulación — que son también potencias capitalistas medianas, lo que nos ha llevado a hablar de la emergencia de un subimperialismo (Marini, 1977: 8).

Subimperialismo que em inúmeros episódios recentes emergiu no Brasil, à esquerda e à direita. Em seu congresso de 2010, o Partido dos Trabalhadores (PT), ora no governo, acrescentou às aprovações finais críticas às práticas subimperialistas de empresas brasileiras. Entretanto, escusou-se de mencionar empresas estatais, como a Petrobras, que ampliam consideravelmente sua presença em outros países da América do Sul e mesmo de outros continentes. Mais de uma vez, a Petrobras foi utilizada por setores do governo e políticos da direita como mote e argumento para retaliação do Brasil em outros países de economia mais fraca como a Bolívia, que 2006, decretou a nacionalização das reservas de gás exploradas pela Petrobras, entre outras grandes empresas multinacionais.

Talvez graças às articulações internacionais promovidas pelo mesmo PT no âmbito da América Latina (como o Foro de São Paulo, por exemplo, estabelecido há mais de duas décadas), a retórica imperilialista voltada aos países vizinhos não tenha ganhado graves dimensões e não se concretizaram em atos de ofensiva diplomática efetiva ou mesmo contornos bélicos, pelos menos nestes últimos 10 anos.

O fato é que não faltam, entre políticos brasileiros, os que recorrem à retórica subimperialista para propor punição e mesmo ocupação de territórios estrangeiros. Foi o que se viu, por exemplo, em matéria jornalística de 30-05-2006, Bolívia acusa Petrobras de ‘sabotar’ fornecimento de combustíveis e na matéria Renan diz que governo deve ser o ‘mais duro possível’ com a Bolívia. O episódio fez surgir manifestações nacionalistas e intervencionistas entre a população brasileira, como se pode ler no site que, em 16-12-2007, publicou o comentário “Invadir a Bolívia, questão de estratégia”.

No episódio recente do golpe contra Fernando Lugo no Paraguai, não faltaram opiniões sobre o Brasil tomar o controle total da usina binacional de Itaipu, o que também não passou de discurso isolado de alguns. Entretanto, isso evidencia a necessidade de cautela com o potencial “subimperialista” nacional, que talvez advenha do que a intelectual portuguesa Margarida Calafate Ribeiro chama de “saudade imperial brasileira”, que advém de umcerto “lusotropicalismo” brasileiro, que “desde o século XIX procurara tornar-se o centro do mundo português, ideia legitimada pela intrínseca cumplicidade política entre a corte portuguesa e o Brasil, e que não era mais que o reconhecimento político da transferência do centro económico do império português para o Brasil. Enquanto ideologia brasileira, o lusotropicalismo ficará mais ou menos confinado a um círculo de diplomatas e militares” (Margarida Calafate Ribeiro (2004), Uma História de Regressos: Império, Guerra Colonial e Pós-Colonialismo, Porto, Editora Afrontamento).

Referência importante e ausente na matéria da Carta Capital (o que de maneira alguma a desmerece): boa parte, senão toda a obra de Marini, está acessível na internet. Em castelhano, posto que o site é mexicano, pois outro tributo que as Ciências Humanas brasileiras devem a Marini é a publicação, e ironicamente,a tradução, de toda sua obra.


Túlio de Souza Muniz é jornalista, historiador com graduação e mestrado pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Doutor (2011) em Pós-Colonialismos e Cidadania Global/Sociologia pela Universidade de Coimbra, Portugal.