Artigo publicado no número 222 da Revista Somos Assim
Existem coisas que parecem desconexas, apenas para serem as faces diferentes da moeda. Há poucas semanas, uma matéria publicada nas entrelinhas dos grandes jornais mostrava que o Brasil está importando em quantidades cada vez maiores itens essenciais da cesta básica tais como arroz, feijão e frutas. Ao mesmo tempo, e também nas entrelinhas, apareciam informações sobre o avanço da desindustrialização que está ocorrendo na América Latina, e que estaria recolocando todos os países da região numa condição de meros exportadores de minérios e produtos agrícolas. Assim, no plano econômico, estamos nos encaminhando para um futuro em que, cada vez mais, retrocedemos ao Brasil Colônia, no que parece um salto gigante para o passado. No caso brasileiro, a gravidade desta situação foi revelada em estudos do professor da Universidade de São Paulo, Osvaldo Coggiola, que demonstram que entre 1985 e 2008, a participação da indústria brasileira na formação do produto interno bruto caiu de 33% para 16%, o que explica a dependência do saldo da balança comercial em relação ao setor primário.
Esta situação de desindustrialização combinada com a importação crescente de alimentos deveria já ter ligado o sinal de alarme; afinal de contas, enquanto nossa indústria desaparece, passamos a importar aquilo que poderíamos estar produzindo em nosso próprio território. Mas não é isto o que se vê, pois parece que vivemos em meio a um momento em que o Brasil não faz parte de um mundo em profunda crise. Como bem notou o jornalista José Arbex Junior na edição 176 da Revista Caros Amigos, a forte especulação imobiliária associada à realização de mega-eventos esportivos como os Jogos Olímpicos e a Copa do Mundo da FIFA está servindo para criar uma falsa sensação de pujança. Ainda que isto seja feito à custa da remoção forçada de populações pobres das áreas centrais das cidades-sedes e do uso das forças armadas para impor uma falsa pacificação, o fato é que os investimentos alardeados anestesiam a consciência coletiva.
Talvez por esta anestesia coletiva temporária é que ainda não vejamos por aqui os mesmos eventos massivos de protesto que chacoalham as ruas nas economias desenvolvidas. Mas que ninguém se engane com esta falsa sensação de calma, pois estamos vivendo um momento que tem tudo para desembocar numa grande convulsão social. Por um lado, há quem esteja se aproveitando da incapacidade política do governo Dilma para praticar todo tipo de violência contra assentados, povos indígenas e quilombolas: basta procurar que se encontra alguma nota sobre grupos armados atacando e assassinando alguma liderança, como foi o caso recente do cacique indígena da etnia Guarani-Kaiowá, Nísio Gomes, que foi morto na manhã do dia 18 de Novembro no município de Amambaí, em Mato Grosso do Sul, numa área grilada por grandes fazendeiros. Um detalhe sinistro neste assassinato é que os pistoleiros falavam com sotaque paraguaio, numa indicação de que há um elemento transnacional no processo de repressão violenta às disputas por terras localizadas nas fronteiras brasileiras.
Mas, a perseguição armada não está se resumindo às lideranças indígenas, pois trabalhadores rurais seguem sendo assassinados em diferentes partes do território nacional sem que o governo de Dilma Rousseff se disponha a atuar de forma preventiva nas áreas mais conflituosas. Esta omissão em relação à ação do latifúndio não se resume à prevenção ou, tampouco, à punição da violência. Se analisarmos a forma cúmplice com que está se dando a discussão da reforma do Código Florestal no Congresso Nacional, torna-se evidente a aliança do governo federal com os setores mais atrasados do latifúndio. Aliás, se atentarmos para o fato de que, ao longo de 2011, Dilma Rousseff não assinou um único e misero decreto de desapropriação de terras improdutivas, não há como negar o fato de que o PT abandonou seus compromissos com a realização da reforma agrária há bastante tempo. E isto ocorre mesmo em face do reconhecimento pelo INCRA de que 63% das terras registradas como grandes propriedades são improdutivas.
Mas qual seria a relação entre desindustrialização, dependência da exportação de produtos primários e a falta de reforma agrária? Estes elementos fazem parte de uma mesma equação cujo produto final é nos manter como uma área de sacrifício na divisão internacional do trabalho dentro do Capitalismo globalizado. Trocando em miúdos, a combinação destes ingredientes nos leva à persistência das mesmas características que nos mantém como uma economia atrasada e eternamente dependente da ascensão do centro do Capitalismo. No passado colonial dependemos das metrópoles européias; depois dos EUA e, mais recentemente, da China. A questão é que este modelo econômico não serviu para distribuir minimamente as enormes riquezas que o Brasil possui e continua servindo, pelo contrário, para criar um padrão dicotômico, onde uma fração minoritária da nossa população pode desfrutar do que é de bom e melhor.
Diante disto tudo, não há porque acreditar que o Brasil continuará imune à grave crise que varre as economias centrais. Pelo contrário, a nossa realidade contém todos os ingredientes para que aqui haja uma situação ainda mais explosiva. Ignorar isto não resolverá nada, apenas piorará ainda mais as coisas.