A crise do sistema capitalista nos coloca diante de uma encruzilhada histórica
Não chega a ser nenhuma novidade o fato de que nas encruzilhadas de grandes momentos históricos as forças sociais que se opõem entre o manter e o transformar uma determinada ordem social acabam se chocando e, na maioria das vezes, de forma violenta. Tampouco é novidade que as forças que se opõem à mudança normalmente detêm a seu favor o aparato repressivo e os disseminadores da ideologia que busca manter. Nestes momentos cruciais o aparato repressivo cumpre apenas uma parte do esforço de subjugar os que buscam transformar o sistema dominante, pois o aparato ideológico cumpre um papel mais estratégico no esforço de impedir que uma nova ordem social seja instalada, ao anestesiar aqueles setores que ainda não estão convencidos de que é preciso mudar.
Embora isto pareça abstrato demais, é certo que a disseminação das idéias dominantes é algo fundamental para a manutenção de qualquer ordem social. E a História mostra que aqueles interessados em defender a ordem no plano ideológico, o fazem sem qualquer escrúpulo ou compromisso com a verdade. Deste modo, restaria aos que querem alcançar um processo de mudança fazer a devida disputa de idéias, o que seria tão ou mais importante quanto pegar em armas. Aliás, se examinarmos as grandes experiências revolucionárias ocorridas ao longo do Século XX, as guerras civis que se seguiram foram alimentadas externamente, enquanto que a tomada do poder ocorreu de forma relativamente tranqüila. Isto se deu porque a luta pelo controle do aparato ideológico fora vencida pelos que queriam a mudança. Da mesma forma, as inúmeras derrotas de movimentos que ansiavam pela mudança se deu primeiro no plano do embate das idéias. O golpe militar de 1964 no Brasil e a derrubada do presidente chileno Salvador Allende são bons exemplos disto.
Assim, se a experiência histórica pode nos ensinar algo, parece claro que estamos numa destas encruzilhadas. De um lado, temos uma crise sistêmica do modo de produção capitalista, onde as forças de mercado se encontram à beira do colapso. Entretanto, ao contrário do que poderia se supor, a resposta dos que controlam o sistema capitalista tem sido o aumento da exploração social e da degradação ambiental. Além disso, há o uso da ferramenta das guerras localizadas para a instalação de governos ainda mais submissos às necessidades criadas pela instalação da crise nas economias centrais. Em outros casos, partidos políticos que antes se arvoravam como de esquerda agora cumprem o trágico papel de criar as condições para que haja a manutenção da mesma ordem que um dia prometeram transformar. Mas em qualquer que seja o cenário, assistimos a um aprofundamento das medidas de exceção, onde todas as regras e salvaguardas previamente existentes estão sendo dizimadas. E como uma cereja podre em cima de um bolo putrefato, a mídia corporativa cumpre o triste papel de desinformar para melhor servir aos esforços de sustentação do status quo.
No caso específico do Brasil, temos assistido a uma série de eventos que mostram uma profunda regressão até nos já precários mecanismos existentes para garantir a proteção da cidadania e do ambiente. Um exemplo disto é o uso das forças armadas e policiais para a criação de zonas de repressão localizada dentro de comunidades pobres da cidade do Rio de Janeiro como no caso mais recente da Favela da Rocinha, sob a desculpa esfarrapada da pacificação que, diga-se de passagem, só convence aos setores das classes abastadas que vivem fora destas áreas. Mas como a ocupação de áreas pobres já se tornou algo corriqueiro, agora estamos também assistindo a reocupação violenta de universidades públicas por forças policiais. No caso da Universidade São Paulo, a desculpa foi a repressão ao consumo de maconha, enquanto na Universidade Federal de Rondônia, nem essa desculpa esfarrapada existia. Em comum, os casos das duas universidades possuem o combate da maioria das suas comunidades contra gestões que misturam autoritarismo com corrupção.
Entretanto, a repressão policial-militar nas cidades e campi universitários é apenas parte deste processo de destruição dos mecanismos de proteção sócio-políticos. Há também o processo acelerado de pulverização das regras de proteção ambiental como no caso da reforma do Código Florestal, e do afrouxamento do processo de monitoramento de sementes geneticamente modificadas que estão sendo empurradas goelas abaixo; primeiro nas dos agricultores, depois nas nossas. E tudo isso para quê? As estimativas são que no caso do Código Florestal o que teremos é um aumento explosivo da destruição de florestas em todo nosso território, enquanto que a adoção desenfreada de sementes manipuladas em laboratórios servirá para dizimar espécies nativas e aumentar o controle que as corporações transnacionais produtoras dos pacotes da Revolução Verde já detém sobre a agricultura brasileira.
Mas, como ouvi recentemente, se a análise acima parece pessimista, não há porque se curvar ao pessimismo em relação ao futuro. É que embora as forças conservadoras estejam na ofensiva, existe também uma forte resistência das forças sociais que buscam um mundo diferente. E isto nos dá muitas razões para sermos otimistas, ainda que também aumente as responsabilidades dos que querem a chegada de uma nova era na civilização humana.