domingo, 8 de abril de 2012


As desventuras de Demóstenes Torres e as ameaças à frágil democracia brasileira
 Marcos Pedlowski, artigo publicado no número 239 da Revista Somos Assim

 
A fragilidade da democracia brasileira não chega a ser um fato desconhecido da maioria do nosso povo. Apesar deste conhecimento não aparecer da forma como a que os cientistas políticos gostariam, ou seja, através de discursos elaborados, a maioria das pessoas possui uma desconfiança objetiva da eficiência das instituições democráticas existentes em nosso país. Por sua vez, a classe política, que deveria contribuir para o fortalecimento destas instituições, não para de dar razão aos que não acreditam, muitas vezes com toda razão, que vivemos numa verdadeira democracia.

O exemplo mais recente e mais pedagógico de como a classe política brasileira não inspira confiança é o caso envolvendo o banqueiro do jogo de bicho goiano Carlos Cachoeira e vários políticos de alto coturno dentro da oposição ao governo federal. De uma tacada só, apareceram em situações mais do que comprometedoras o senador do DEM de Goiás, Demóstenes Torres, e o deputado federal do PPS do Rio de Janeiro, Stepan Nercessian. No caso de Demóstenes Torres, o grau de envolvimento ficou tão explícito que, de paladino da oposição, o senador goiano está sendo guilhotinado por seu próprio partido para minimizar o dano. No caso de Nercessian, a suposta amizade com Cachoeira implicou até num empréstimo pessoal de 150 mil reais para que o dublê de deputado e ator pudesse supostamente comprar um apartamento.

Mas, além das trocas de favores pessoais que esse tipo de lobby acarreta, o fato é que as relações que agora ficaram públicas através das divulgações na imprensa também revelam um tráfico de influências que extrapola as questiúnculas pessoais. Em uma das muitas ligações divulgadas, Carlinhos Cachoeira intercedia a favor do empresário Fernando Cavendish, cuja convocação estava sendo cogitada para uma Comissão Parlamentar de Inquérito por causa dos negócios da Construtora Delta em Goiás. A coisa fica ainda mais complicada quando nos lembramos que Fernando Cavendish é grande amigo do governador Sérgio Cabral, de quem o partido de Stepan Nercessian passou recentemente a integrar a base de apoio dentro da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro.

Estas revelações todas representam uma grave desserviço à frágil democracia brasileira, na medida em que permite a determinados setores saudosos da ditadura de 1964 se colocarem em movimento. Tal processo ficou evidente há poucas semanas, quando militares aposentados tentaram realizar uma celebração do golpe militar que manteve o Brasil sob um regime de exceção por mais de duas décadas.Felizmente, a festa dos saudosistas de 1964 foi literalmente estragada pela presença de centenas de manifestantes que compareceram à porta do Clube Militar para denunciar o golpe e a impunidade da qual ainda gozam os torturadores que agiram durante aquele período.

Pasmem! O pior é que a tentativa de celebração do golpe de 1964 é apenas um detalhe em um crescente processo de manifestações antidemocráticas e violentas que estão sendo cometidas em todo o território brasileiro neste momento. Apesar da mídia corporativa não estar dando a devida cobertura, o fato é que temos observado um recrudescimento da violência contra militantes de movimentos sociais, processo este que teve um momento especialmente sangrento com o assassinato de três lideranças de sem-terras no Triângulo Mineiro na segunda quinzena de março. No entanto, outros casos emblemáticos envolveram ainda agressões a militantes da causa gay e jornalistas que vinham denunciando casos de corrupção.

No plano regional, o caso mais emblemático do que nossas instituições estão sofrendo foi a recente prisão do prefeito de São Francisco de Itabapoana, Beto Azevedo, pela acusação de desvio de recursos federais de programas de saúde. Como o agora ex-prefeito Beto Azevedo não é o único sobre o qual vinham sendo divulgadas acusações de desvios de recursos públicos em nossa região, é possível que outros alcaides venham a ser removidos, não pelo voto democrático do povo, mas sim por outras ações da Polícia Federal. Ninguém deveria duvidar de que é justo e correto que os que usam cargos públicos sejam presos e tenham de responder pelos crimes que tenham eventualmente cometido. A repetição deste tipo de situação representa apenas outra faceta do desgaste a que nossas instituições passam toda vez em que a polícia é quem resolve situações que não deveriam sequer estar ocorrendo.

Muitos podem se perguntar se há algum remédio para esta situação toda. Eu proponho que se coloque a questão de modo reverso. A pergunta que deveria estar sendo feita é o que precisa ser feito para que tenhamos instituições políticas que não estejam toda hora sendo sobressaltadas por situações vexatórias como a que vive atualmente o ainda senador Demóstenes Torres. Talvez um primeiro, mas crucial passo, é que as pessoas parem de igualar democracia ao mero exercício do voto obrigatório. Afinal, democracia é um sistema bem mais complexo do que aquilo expresso pelo conteúdo das urnas. Na prática, não há democracia enquanto faltar envolvimento direto dos cidadãos na operação cotidiana dos governos. Se conseguirmos vencer essa inércia inicial, é provável que possamos efetivamente nos colocar diante de outras tarefas maiores sobre as quais a sociedade brasileira precisa se debruçar. Do contrário, muitos outros Demóstenes Torres virão. Basta ficar parado e esperar apaticamente. O problema é que, enquanto isto, continuaremos todos perdendo.