domingo, 15 de abril de 2012

Choques de capitalismo e algumas de nossas mazelas 

Marcos Pedlowski, artigo publicado no número 240 da Revista Somos Assim



A minoria de brasileiros que têm o luxo de visitar ou mesmo viver nos chamados países desenvolvidos sempre volta com muitas estórias de como o mundo nos países ricos é mais limpo, bonito e organizado. Como alguém que viveu quase uma década fora do Brasil e rotineiramente viaja a trabalho para outras partes do mundo, também tenho minha parcela de narrativas sobre como no países desenvolvidos existem diferenças gritantes em relação a coisas que deveriam ser vistas como básicas no Brasil que, afinal, é hoje uma das maiores economias do planeta. 

Minha exposição mais recente a este outro mundo onde as coisas funcionam como um relógio suíço se deu em Londres. Em função de uma combinação de tarefas profissionais, acabei ficando por lá por quase duas semanas imerso num mundo que parecia surreal. Mas, para quem pensa que estou falando da chance de bater pernas na Harrods, que na prática é uma Daslu para gente realmente endinheirada, se engana. O maior choque foi em torno de algo bem mais básico, mas que atualmente parece cada vez mais distante dos brasileiros. Na verdade, estou falando do impecável sistema público integrado de transportes cuja combinação de metrô, trem, barcas e ônibus tornam o uso do automóvel algo que beira a cafonice. Uma constatação frequente no metrô de Londres foi a exatidão da espera entre um trem e outro em relação ao anunciado em painéis eletrônicos distribuídos dentro das plataformas. 

Mas, para ser mais correto com a experiência londrina, talvez o melhor local para verificar como se dá o tratamento dispensado às pessoas que precisam usar o sistema de transportes seja o aeroporto de Heathrow, um dos mais movimentados do mundo. Ao desembarcar e me posicionar na fila da imigração, tive o desprazer de esperar por quase 90 minutos pela verificação do meu passaporte. Quando finalmente achei que a Inglaterra tinha virado Brasil, eis que apareceu um agente da imigração para pedir desculpas pela situação que considerava absurda, e para nos informar que servidores de outros terminais estavam sendo chamados para ajudar a resolver o problema, o que de fato aconteceu. Além disso, no momento da volta, acabei sendo escolhido para participar de uma pesquisa feita pela administração do aeroporto de Heathrow, cujo objetivo seria melhorar a qualidade dos serviços ali prestados. Não tive outra saída a não ser responder para a maioria dos itens que a condição era boa ou excelente. 

Em função de tudo isto, voltar ao Brasil não deixou de ser um choque de realidade já que, após aterrissar no Rio de Janeiro, passei por uma sucessão de eventos que me mostraram como estamos longe dos padrões britânicos. Um primeiro contratempo foi que o fato de que o acesso de veículos particulares ao portão do terminal de desembarque está vedado no lado externo e, pior, quem quiser ser recepcionado por um familiar ou conhecido terá de se encaminhar ao andar onde ocorrem os embarques. Ao seguir as orientações dadas por um policial com um talão de multas em punho, descobri que os quatro elevadores existentes no desembarque estavam quebrados. Para vencer mais este contratempo, a pessoa que estava lá somente para me buscar dirigiu até o interior do estacionamento, levando 11 minutos para entrar e sair dele. Como até recentemente, a tolerância de permanência na área do aeroporto era de 15 minutos, havia a esperança de que não teríamos de pagar nada, o que não ocorreu, pois o tempo de tolerância havia sido baixado para 10 minutos. 

Mas temos de convir que meus atropelos no Aeroporto do Galeão são apenas uma mostra tênue da diferença abissal que existe entre os serviços públicos de transportes brasileiros comparado a seus parceiros no topo das maiores economias. Até o mais distraído e alienado dos brasileiros vem acompanhando o grau de degeneração absurda que os serviços de transportes de passageiros estão sofrendo em diferentes partes do Brasil. Como irmão siamês de um modelo de urbanização caótico e segregado, os serviços de transporte exemplificam o que há de errado na sociedade brasileira. Um exemplo emblemático disto é o Rio de Janeiro onde, apesar dos preços escorchantes, o cidadão que tem o azar de usar metrô, trem, barca ou ônibus é diariamente castigado não apenas por péssimos serviços. Afinal, há também o uso de milícias privadas que abusam da violência para conter a justa revolta da população, que frequentemente fica presa em vagões de trem ou metrô superlotados e em péssimo estado de conservação. E diante disto tudo, o que o governo Sérgio Cabral opta por fazer? Além de aumentar os valores das passagens, se omite no controle da qualidade dos serviços prestados. De quebra, o secretário estadual de Transportes, Júlio Lopes, ainda vem cinicamente a público dizer que os serviços de metrô têm melhorado muito. 

Para finalizar, um vaticínio em relação à Copa de 2014. Se a coisa não mudar rápido, vamos passar um vexame histórico no quesito transporte público. De quebra, milhares de famílias ainda serão removidas de suas comunidades, apenas para deixar alguns poucos ricos ainda mais ricos.