Abaixo segue correspondência enviada hoje pelo advogado Cristiano Pacheco, procurador da Associação dos Proprietários de Imóveis e Moradores do Açu (ASPRIM) ao reitor da UENF, Silvério da Paiva Freitas, em função da visita que foi realizada por um grupo de 20 pessoas lideradas por ele às obras do Complexo Industrial-Portuário do Açu.
ASPRIM e IJA solicitam esclarecimentos ao Reitor da UENF sobre visitação nas obras da OSX
A recente visita de docentes e funcionários da Universidade Estadual Fluminense – UENF às obras da OSX, de Eike Batista, causou controvérsias e protestos diante de dúvidas sobre os objetivos acadêmicos e científicos do encontro.
Leia abaixo a carta enviada por duas associações civis ao Reitor Ilmo. Sr. Silvério de Paiva Freitas, solicitando esclarecimentos sobre a pertinência da visitação.
Ilmo. Sr. Reitor da Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF
Sr. Silvério de Paiva Freitas
Av. Alberto Lamego, 2000 – Parque Califórnia
CEP 28013-602
Campos dos Goytacazes – RJ
A ASSOCIACAO DOS PROPRIETARIOS DE IMÓVEIS E MORADORES DO ACÚ, CAMPO DA PRAIA, PIPEIRAS, BARCELOS E CAJUEIRO – ASPRIM, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no 1º Cartório de Registros de São João da Barra, sob o nº A-9 Fls. 267 C, nº 1291, com sede na BR 240, Campo da Praia, em São João da Barra, RJ, e INSTITUTO JUSTIÇA AMBIENTAL – IJA, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ sob o nº 10.533.951/0001-80, CEP 90480-970,
Caixa Postal 18504, Porto Alegre, RS vêm, respeitosamente, por meio desta, neste ato representada por seu procurador signatário Cristiano Pacheco, OAB/RS 54.994, trazer as seguintes ponderações e requerer, pelo que passa a expor:
Por meio da presente vêm as requerentes informar que, é de conhecimento público a recente visitação de cerca de vinte (20) funcionários e professores da UENF junto às obras do chamado “Distrito Industrial do Açu”, em processo de instalação na área costeira do Município de São João da Barra, Estado do Rio de Janeiro.
É também de conhecimento público que o convite para a visitação das obras foi formulado pelas empresas do chamado Grupo X, dentre elas a OSX, e que o convite foi direcionado à Reitoria da UENF e prontamente aceito pela instituição, assim como por professores que integram o corpo docente da instituição de ensino.
Tais informações são notórias e foram veiculadas por meios de comunicação de grande circulação, especialmente por blogs de grande acesso na região e no Brasil.
Cumpre informar ao Ilmo. Reitor que em 20 de março de 2012 foi anunciado aporte financeiro (empréstimo-ponte) de R$ 518 milhões[1] em favor da LLX, do Grupo EBX, para as obras de instalação do empreendimento objeto, que teria como locação uma área costeira de aproximadamente 7.200 hectares, prevendo inúmeras desapropriações referidas como de interesse público.
Também foi divulgado um aporte financeiro de R$ 1,32 bilhão disponibilizado pelo BNDES[2] em favor da LLX Minas Rio.
Responsabilidade civil objetiva ambiental das pessoas físicas e jurídicas partícipes – Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (6.938/81)
Oportuno esclarecer que a obrigação de ressarcir por eventuais danos é norteada pelo Princípio do Poluidor-Pagador, reconhecido e consagrado internacionalmente, por força do art. 14, § 1° da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/01), que em 1981 recepcionou a responsabilidade civil objetiva ambiental no ordenamento jurídico brasileiro.
A Lei 6.938/81 é de suma relevância pois instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, sendo estrutural e uma das mais importantes legislações do Direito Ambiental brasileiro.
O art. 14, § 1° da Lei 6.938/01, ainda, prevê a responsabilidade civil objetiva ambiental sem culpa, ou seja, reconhece a possibilidade de responsabilização por participação em eventual dano ambiental. Trata-se, então, de responsabilidade solidária.
De tal forma, havendo qualquer facilitação, favorecimento ou cooperação em favor de empresa da cadeia industrial ou produtiva que venha a causar danos ou riscos ambientais, a lei brasileira determina que a responsabilidade é solidária entre o empreendedor e instituição que eventualmente fomente, por participação, dano ou risco ambiental. Conforme a Lei 7.347/85, que regula a Ação Civil Pública, podem figurar no polo passivo de eventuais ações judiciais por danos ambientais pessoas físicas e jurídicas partícipes no fato danoso.
Por fim, as notificantes, no intuito de informar a UENF sobre o duvidoso cenário do empreendimento em tela, vêm por meio desta esclarecer sobre os enormes riscos ambientais envolvidos no licenciamento e instalação do empreendimento denominado “Distrito Industrial do Porto do Açu”, especialmente quanto a instalação da Unidade de Construção Naval do Açú (UCN Açú), da OSX.
Te tal forma, visam as requerentes esclarecer sobre a inequívoca responsabilidade civil objetiva ambiental solidária contida em eventual relação institucional entre uma instituição de ensino e um empreendimento que venha a gerar passivos ambientais e sociais, assim como eventualmente esteja envolvida em violação da Constituição Federal, legislação ambiental e Direitos Humanos.
DA BAIXA ACEITAÇÃO DO EMPREENDIMENTO E DO CENÁRIO DESFAVORÁVEL ENVOLVENDO ALTO DE RISCO SOCIAL E AMBIENTAL
Cinco ações civis públicas e liminares deferidas pela Justiça Federal questionam a regularidade do licenciamento e os impactos sinérgicos ao meio ambiente
É notório que a instalação do empreendimento não é pacífica nem na comunidade local impactada, nem por associações civis legitimadas e sediadas em outros estados da federação.
Prova disso é que até o presente momento cinco (5) ações civis públicas[3] tramitam questionando os riscos ambientais e a falta de informação junto ao Estudo de Impacto Ambiental – EIA/RIMA.
A competência do órgão ambiental estadual para licenciar está sendo questionada via ações civis públicas movidas pelo MPF/MG (ação civil pública n. 2009.38.00.021033-0, Décima Quarta Vara Cível da Justiça Federal de Minas Gerais) e pelas requerentes ASPRIM, IJA e outras duas associações civis (ação civil pública n. 0000149-98.2012.4.02.5103, em transcurso na Primeira Vara Federal de Campos dos Goytacazes, RJ).
As associações requerentes alegam que, conforme o Parecer Técnico da Associação dos Geógrafos Brasileiros – AGB, há sério risco de ultrapassagem da capacidade de suporte do meio em virtude da forma fragmentada com que os Estudos Ambientais foram encaminhados, de forma que assim apresentados ao órgão ambiental, estariam omitindo a integralidade e os impactos sinérgicos envolvidos, de maneira conjunta e clara, em evidente contrariedade a Resolução 237 do CONAMA e a Constituição Federal.
Foi amplamente noticiada a ocorrência de salinização nas lagoas de água doce da região – decorrente das dragagens de abertura do calado marinho – o que já configura dano ambiental irreversível, passível de indenização tanto via ação civil pública quanto ações ordinárias por dano moral ambiental individual.
Cumpre salientar que, a omissão de informações em favor da sociedade e impactados junto aos licenciamentos ambientais, incorre, inequivocamente, em ofensa aos Princípios da Informação, da Publicidade e da Precaução, conjuntamente, ensejando a nulidade do processo administrativo que avaliou o EIA/RIMA e expediu as licenças.
É fato Ilmo. Reitor que o modus operandi dos EIA/RIMAs, de uma forma geral no País, tem adotado o formato pró forma, como se a Lei assim permitisse. Também é fato que tal conduta é ilegal e deve ser amplamente reprimida, assim como não legitima as ilegalidades ora narradas.
Cumpre frisar que, recente decisão liminar da Primeira Vara Federal de Campos dos Goytacazes, proferida pelo Juiz Federal Dr. Vinícius Vieira Indarte (Ação Civil Pública n. 0000149-98.2012.4.02.5103), dia 08.02.13 (uma sexta-feira de Carnaval), determinou que, na instalação da Unidade de Construção Naval do Açú (UCN Açú), a OSX abtenha-se de suprimir restingas localizadas em área de preservação permanente, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
Determinou também que, no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00, o IBAMA fica obrigado a realizar auditoria no local do empreendimento, assim como no processo administrativo correlato que ensejou a licença de instalação pelo órgão ambiental estadual, o INEA.
Por força da decisão, a empresa está obrigada também a informar ao Juíz Federal a extensão de área de preservação permanente suprimida em área de restinga, se a supressão já ocorreu totalmente e qual a data em que teria sido concluída.
E, por fim, o Magistrado Federal deferiu liminarmente a inversão do onus da prova contra a empresa, onde a mesma fica obrigada a fazer prova em seu favor sobre as alegações das associações autoras.
A referida ação foi proposta em fevereiro de 2012 pela ASPRIM, Instituto Justiça Ambiental – IJA e outras duas associações civis.
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DE CAMPOS INVESTIGA DESDE 2011 A FORMAÇÃO DE MILÍCIAS DA REGIÃO
Como se não bastassem todas as dúvidas sobre o empreendimento em comento, no aspecto legal do licenciamento ambiental, em 23 de dezembro de 2011 o Jornal Folha de São Paulo[4] e o Portal do IG[5], além de diversos outros veículos como sites e blogs, deram repercussão nacional sobre denúncia formal de suposta formação de milícias na região.
Compostas por Policiais Militares do Estado do Rio de Janeiro e seguranças privados da LLX, as milícias teriam supostamente atuando como facilitadoras das desapropriações.
A ASPRIM, IJA e outras duas associações civis protocolaram junto ao Ministério Público Federal de Campos, em mãos ao Procurador da República Dr. Eduardo Santos, filmagens e fotos da Polícia Militar e seguranças privados das empresas agindo conjuntamente, com emprego de truculência e hostilidade contra proprietários rurais do 5° Distrito de São João da Barra, visando a facilitação das desapropriações, o que não só é absolutamente ilegal, como também intolerável diante de um ideal de Estado Democrático de Direito.
De posse das fotos e filmagens, em menos de uma semana a Procuradoria da República instaurou inquérito investigativo determinando, dentre outras diligências, a oitiva dos diretores da LLX e empresas envolvidas. A investigação tramita junto ao MPF de Campos desde dezembro de 2011.
Cumpre frisar que as controversas desapropriações para interesse supostamente “público” continuam sendo efetuadas junto ao 5° Distrito de São João da Barra, em evidente violação de Direitos Humanos, uso de milícias, truculência e violência, como vem sendo divulgado reiteradamente por blogs[6] da região e, é claro, blindado pela mídia de massa que acaba prestando um desserviço à sociedade.
Cumpre mencionar que uma nova ação civil pública busca judicialmente o acesso a documentos e listagem das desapropriações. A ação foi movida pela ASPRIM e IJA, tendo em vista que o CODIN – Companhia de Desenvolvimento Industrial – em flagrante violação a lei 10.650 e sem justificativa legal ou plausível – nega-se a fornecê-los desde 19 de abril de 2012.
Diante do exposto, é de conhecimento da Reitoria da UENF:
a) a considerável probabilidade da ocorrência de danos ambientais irreversíveis na grande área locacional de 7.200 hectares anunciada para a instalação do empreendimento, assim como aos delicados ecossistemas e sistemas hídricos no entorno do empreendimento, já nesse momento vitimados pela salinização causada pela dragagem que vem sendo realizada na instalação da Unidade de Construção Naval do Açú (UCN Açú), da OSX;
b) a existência de uma ORDEM LIMINAR deferida pelo Juiz Federal Dr. Vinícius Vieira Indarte (Ação Civil Pública n. 0000149-98.2012.4.02.5103), proferida em 08.02.13 (sexta-feira de Carnaval), determinando que, na instalação da Unidade de Construção Naval do Açú (UCN Açú), a OSX abtenha-se de suprimir restingas localizadas em área de preservação permanente, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
c) que no prazo de 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil reais), o IBAMA fica obrigado a realizar auditoria no local do empreendimento, assim como no processo administrativo correlato que ensejou a licença de instalação pelo órgão ambiental estadual, o INEA.
d) que por força da decisão judicial da Justiça Federal, a empresa está obrigada também a informar ao Magistrado Federal a extensão de área de preservação permanente suprimida em área de restinga, se a supressão já ocorreu totalmente e qual a data em que teria sido concluída.
e) do deferimento da liminar que determinou a inversão do onus da prova contra a empresa, onde a mesma fica obrigada a fazer prova em seu favor sobre as alegações das associações autoras.
RECOMENDAÇÕES:
Diante do exposto, recomendam as associações civis requerentes sejam tomadas as devidas cautelas pela Reitoria da UENF, diante dos consideráveis riscos ambientais envolvidos no empreendimento em comento, lembrando da incidência de responsabilidade civil objetiva ambiental de qualquer instituição partícipe do êxito da empresa ou cadeia produtiva envolvida, conforme estipula a Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (art. 14, §1°, Lei 6.938/81).
Caso venham a se agravar os danos provocados pelas dragagens e salinização das lagoas, é recomendável a cautela no sentido de (1) suspender eventuais contratos de pesquisa, cooperação técnica, científica ou assemelhados, assinados ou a serem eventualmente firmados, de forma tácita ou expressa com as empresas do Grupo X, especialmente com a OSX e LLX.
Recomendam, também, (2) permaneçam suspensos eventuais tratativas de contratos, minutas, termos de cooperação ou assemelhados com os empreendedores até que, forte o instituto da inversão do ônus da prova – determinado por liminar da Justiça Federal – provem os empreendedores a verdadeira potencialidade dos danos, conforma determina a lei.
E por último, requerem o (3) esclarecimento, por escrito, no prazo de trinta (30) dias, sobre (a) a pertinência da visitação por parte de cerca de vinte (20) funcionários às obras do projeto “Distrito Industrial do Açú”, assim como os objetivos, ou intenções acadêmicas buscados com a referida visita in loco às obras em comento, inclusive quanto à finalidade científica envolvida na visita em comento feita pela UENF.
Certos da propriedade e relevância dos argumentos trazidos e esclarecimentos buscados, vêm as requentes notificantes, no intuito de cooperar para o cumprimento do art. 225 da Constituição Federal brasileira, e fomentar a cidadania ambiental, agradecer cordialmente a atenção dispensada, ficando desde já no aguardo de providências e respostas de forma expressa, que deverão ser encaminhadas para a Caixa Postal 18504, CEP 90480-970, Porto Alegre, RS.
Informamos que carta com semelhante conteúco também está sendo encaminhada a Diretoria do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPQ.
São João da Barra, 01 de abril de 2013.
Cordialmente,
ASSOCIACAO DOS PROPRIETARIOS DE IMÓVEIS E MORADORES DO ACÚ, CAMPO DA PRAIA, PIPEIRAS, BARCELOS E CAJUEIRO (ASPRIM)
INSTITUTO JUSTIÇA AMBIENTAL – IJA
p.p.: Cristiano Pacheco
OAB/RS 54.994
[1] Ecofinanças, 20.03.12: http://www.ecofinancas.com/noticias/llx-companhia-faz-emprestimo-ponte-r-518-milhoes-bndes
[2] Portal Naval, 28.01.09: http://www.portalnaval.com.br/noticia/28440/BNDES+libera+R$+1,3+bi+para+Eike+e+Anglo
[3] As ações judiciais foram movidas pelo Ministério Público Federal de Minas Gerais (uma ação), Ministério Público Federal do Rio de Janeiro (Campos dos Goytacazes) (uma ação), Ministério Público Estadual do Rio de Janeiro (São João da Barra) (duas ações) e pelas associações civis ASPRIM, IJA e outras (duas ações), na Justiça Federal de Campos dos Goytacazes, RJ.
[4] Folha de São Paulo: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/1025578-mpf-investiga-atuacao-de-milicias-em-empreendimento-de-eike.shtml