Marcos A. Pedlowski, artigo originalmente publicado no site da Revista Somos Assim
De tempos em tempos, assistimos à adoção de chavões que rapidamente passam a hegemonizar a agenda política, econômica e social. O que poucos param para refletir é sobre quem escolhe a bola da vez e qual é efetivamente o objetivo da colocação de determinados conceitos para serem adotados como tendo valores universais e, pior, inquestionáveis. Para o teórico da comunicação Malcom McLuhan, tudo isso se explicaria a partir de uma simples frase, quando disse a famosa "meio é a mensagem". O que McLuhan exploraria ainda mais, ao indicar que há na mídia, e eu digo por extensão na ciência, uma tendência a estabelecer padrões do que deve ser assimilado como verdade coletiva. E nisso não há nada de acidental, pois nem a mídia ou nem mesmo a ciência operam por fora do que a economia e seus operadores necessitam ter como "verdade".
O problema é que a maioria das pessoas não tem a mínima ideia de como a "verdade" é fabricada, nem de quem são seus fabricantes. Esse fato nos leva a um fenômeno em que, embora a verdade seja um elemento elusivo, poucas pessoas param para realizar um movimento básico da racionalidade moderna, o de questionar aquilo que nos é apresentado como verdade. Em vez disso, a maioria acaba se acomodando a uma determinada versão dos fatos, como se ela fosse a única possível ou, simplesmente, a verdadeira. Essa tendência, além de refletir a existência de um poderoso mecanismo de controle ideológico, tende a criar um estado de estupefação onde quase tudo é aceito como natural, inevitável. E é obvio que nessa esteira também aparecem os oportunistas e manipuladores, que operam em proveito próprio ou a soldo em benefício de outros. E na atual etapa histórica não faltam personagens que operam nos interstícios do funcionamento da sociedade para se beneficiar da desgraça alheia, tal como fazem os ácaros que se alimentam da pele morta dos seres humanos.
Em uma de suas obras iniciais, o jovem Karl Marx e seu parceiro intelectual Friederich Engels se debruçaram sobre esta problemática, ainda que de forma indireta. A questão ali colocada foi sobre o papel da ideologia na formação de uma concepção de mundo onde a realidade não é produzida a partir do mundo material, mas do ideal;tal escolha nos levaria a adotar os modelos de mundo que são produzidos a partir dos interesses de classe, sem que tenhamos a noção disso. Assim, não temos a percepção de que as ideias dominantes são aquelas determinadas pelos grupos dominantes. Assim, voltando ao meu parágrafo inicial, é possível inferir que os chavões dominantes de determinados momentos nada mais são do que a consumação das necessidades objetivas das classes dominantes. Por isso, apesar da resistência ou aceitação formal, a simples presença de determinados chavões são produtos das necessidades momentânea daquelas forças que controlam os meios de produção.
Alguém poderia pedir exemplos práticos do que estou falando, em benefício da clareza. Uma das primeiras coisas que me vêm à mente é a auto-indicação para a construção de mecanismos de controle social que supostamente buscam melhorar a fiscalização das práticas e atos do Estado. Num país tão marcado pela corrupção e pelo desperdício (essas duas coisas são distintas, ainda que possam ocorrer juntas) do dinheiro público, a noção de que alguém queira controlar o Estado tende a ser saudada como progressiva e necessária. O que poucos param para se perguntar é como e onde surgiu essa noção de que é possível controlar o Estado sem se mudar a correlação social que determina quem ocupa seu aparelho. Afinal de contas, o Estado como entidade moderna já nasceu marcado pela existência de mecanismos de controle e de alternância. Assim, de onde saiu essa noção de que é possível haver um controle dos controles que o Estado já possui?
Essa resposta poderá ser encontrada se olharmos para a procissão fúnebre, que prometem terá festas de celebração pelo caminho, de Margareth Thatcher. É que os chamados controles de mecanismo social nada mais são do que filhotes das políticas neoliberais de Thatcher: não bastava apenas diminuir o papel do Estado na economia, havia de colocar todo o seu funcionamento sob constante observação. O que talvez ninguém tenha se perguntado é sobre quem elegeu (sim, isso é fundamental nas chamadas democracias representativas) os controladores que se apresentam para controlar o Estado. Outro aspecto que passa despercebido diz respeito à agenda que nos é proposta pelos controladores. Em outras palavras, que mudanças nos propõe e com quais objetivos? Afinal, apenas cobrar transparência é inócuo, pois as coisas do Estado nunca foram tão transparentes e devassadas e, no entanto, não existem grandes avanços em suas práticas. Na verdade, o essencial seria apontar os caminhos pelos quais a realidade poderá ser substancialmente transformada, de modo que haja uma verdadeira democratização não apenas da informação, mas da distribuição da riqueza. Afinal, sem isto, de que adianta termos um Estado transparente e bem ajustado ao que se supõe serem boas práticas no uso do dinheiro público? Nada, absolutamente nada.