quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Reforma agrária e soberania alimentar não são metas do governo de Dilma Rousseff


Marcos A. Pedlowski, artigo publicado originalmente no site da Revista Somos Assim



O ano de 2012 tem sido pouco memorável em muitos aspectos no que se refere ao desempenho da agricultura brasileira e de todas as questões que a afetam. Não falo apenas da aprovação da trágica reforma do Código Florestal que liberou o latifúndio para avançar o processo de desmatamento em todos os biomas brasileiros, especialmente na Amazônia. Ainda na área ambiental, tivemos a recente divulgação de que um número ainda desconhecido de agrotóxicos está sendo colocado no mercado sob pressão dos proprietários de latifúndios, sem o devido processo de análise por parte da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Para completar o escândalo, a pessoa que notou, denunciou e procurou punir essa flagrante ilegalidade, Luiz Carlos Meirelles, foi exonerada do cargo que ocupava há 13 anos. Neste caso, perderam o ambiente e a saúde dos brasileiros, e ganharam as empresas que fabricam venenos agrícolas. Para quem ainda não sabe, hoje as plantações brasileiras consomem 7,3 bilhões de dólares de agrotóxicos, equivalente a 19% do mercado global. Assim, pessoas como Meirelles são vistas como entraves para o lucro de um grupo muito pequeno de fabricantes que ficam com a maior fatia deste bolo bilionário.

Por outro lado, a reforma agrária foi claramente abandonada pelo governo Dilma. Isto fica evidente quando observamos que o desempenho de Dilma Rousseff é tão pífio que consegue perder, em termos de famílias assentadas, até para o governo de Fernando Henrique Cardoso. Esse tipo de abandono não é apenas problemático para as milhares de famílias que se encontram em acampamentos em todas as partes do território brasileiro, já que essa indiferença para com a reforma agrária aumenta de forma perigosa a nossa dependência de alimentos importados, que aliado ao fato de a agricultura nacional ter um número muito restrito de culturas, pode produzir um encarecimento sem precedentes da cesta básica dos brasileiros. Isto fica ainda ressaltado quando se analisa o funcionamento da agricultura brasileira: em uma recente publicação, o IBGE estimou que o PIB agrícola total do ano 2012/13 vá ficar em torno de R$289 bilhões; a questão é que este PIB está totalmente vinculado aos resultados obtidos com commodities, tais como soja, cana-de-açúcar e milho, que deverão responder por 65% de toda a produção agrícola brasileira. Esse modelo, além de tornar o Brasil muito dependente dos humores da economia mundial, deixa a nossa agricultura totalmente dependente de empresas estrangeiras e do mercado externo.

Uma questão que sempre me deixa curioso tem a ver com a lógica disto tudo. Apesar de todos os malabarismos discursivos dos porta-vozes do governo Dilma, a opção que foi feita e que está sendo efetivamente aplicada é por um modelo que é ambiental e socialmente insustentável. Essa opção revela uma clara aposta no latifúndio agroexportador, e é justificada pela necessidade de garantirmos reservas de dólar. O que os mentores deste modelo não falam claramente é que tal opção representa um abandono da competição no mercado internacional de produtos industrializados. E isto já pode ser visto não apenas na participação relativa da indústria brasileira no mercado mundial, mas no avanço de um processo de industrialização que está tornando o Brasil totalmente dependente da exportação de commodities agrícolas e minerais.

A questão é que esta dependência está se aprofundando num momento muito negativo da economia mundial. Assim, as chances de que tenhamos uma profunda débâcle em nossa balança comercial não são pequenas. Para piorar ainda mais as perspectivas econômicas, a chamada nova classe média brasileira parece ter chegado ao limite da sua capacidade de endividamento. Como o presidente Lula conseguiu evitar os piores efeitos da crise econômica iniciada em 2008 justamente por causa deste endividamento, as opções disponíveis para Dilma Rousseff agora estão mais restritas. O peculiar é que apesar de todas estas evidências de que o curso adotado é equivocado, as indicações são no sentido de que não haverá mudança de rumo nas macro-políticas que orientam a ação do governo federal. Em outras palavras, apesar das evidências de estarmos indo no sentido errado, tudo indica que Dilma pretende aprofundar a aposta no latifúndio agro-exportador.

Alguém pode se perguntar de forma legítima: o que nós temos a ver com isso tudo? Se ainda não ficou claro, a confirmação deste diagnóstico vai se traduzir na falta de alimentos, no aumento da degradação ambiental e do envenenamento dos produtos que chegarem às nossas mesas, e poderá nos levar a um cenário de estrangeirização da propriedade da terra. Só estas possibilidades deveriam nos levar a exigir que haja uma imediata reorientação da forma com que a agricultura brasileira está funcionando neste momento. Como isto não acontecerá de forma espontânea, o que se espera é que os movimentos e organizações sociais que defendem outro modelo agrícola saiam da posição hesitante com que vem premiando o governo de Dilma Rousseff. Para mim está cada vez mais claro que este não é um governo interessado em nos garantir soberania e segurança alimentar ou, tampouco, que irá realizar a reforma agrária. 

FONTE:http://www.somosassim.com.br/pedlowski/reforma-agraria-e-soberania-alimentar-nao-sao-metas-do-governo-de-dilma-rousseff