Marina Lemle
A troca de conhecimentos entre as áreas de saúde, meio ambiente e agricultura e a união de esforços de diferentes instituições para o enfrentamento do uso abusivo de agrotóxicos foram os principais ganhos do Seminário Agrotóxicos e Câncer, realizado nos dias 7 e 8 de novembro na sede do Instituto Nacional do Câncer (Inca), no Centro do Rio de Janeiro. Promovido pelo Inca e a Fiocruz - órgãos do Ministério da Saúde - e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) - o evento contou com a participação de especialistas de órgãos de outras áreas, como os ministérios do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Agrário.
No primeiro dia (7/11), pesquisadores da Anvisa, da Uerj, da Universidade Federal do Ceará, da Universidade Federal de Pelotas, da Fiocruz, do Inca e da organização Rede Ecológica discutiram a contribuição dos agrotóxicos nos casos de câncer no Brasil e os impactos da exposição aos agrotóxicos na população brasileira. O consumo consciente e as alternativas para o consumidor também foram pontos de pauta.
Na manhã do segundo dia (8/11), o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (VPAAPS/Fiocruz), Valcler Rangel, coordenou a mesaRegulação e monitoramento de resíduos de agrotóxicos em alimentos. Rangel ressaltou que o evento consolida a parceria da Fiocruz com o Inca, que participou de seminário sobre o mesmo tema em maio na Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz). "Esta sequência de iniciativas potencializam a geração de conhecimento e capilarizam conclusões, contribuindo para dar mais impacto sobre as políticas", disse.
Rangel afirmou que a população espera uma atuação coordenada e potencializada pelas diversas áreas de conhecimento e lembrou que a Fiocruz está engajada na campanha de enfrentamento aos agrotóxicos.
Os ministérios da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e do Trabalho, apesar de convidados, não enviaram representantes, o que frustrou a plateia, formada em grande parte por produtores rurais e membros de organizações da sociedade civil que promovem a agroecologia e a agricultura familiar. Profissionais de saúde do Inca, da Fiocruz e do Ministério Público Federal e Estadual também prestigiaram o evento.
Pimentão tóxico
Heloisa Rey Farza, da Gerência Geral de Toxicologia da Anvisa, abordou o Programa de Análise de Agrotóxicos em Alimentos da Anvisa (Para), que avalia amostras de produtos no mercado. O pimentão é o caso mais grave: 91,8% das amostras apresentam quantidade de agrotóxicos maior do que o permitido ou produtos proibidos para o pimentão. Segudo ela, o morango e o tomate variam de qualidade - quando a Anvisa divulga que está ruim, tende a melhorar, e depois volta a piorar. “As coisas não estão mudando muito. Saiu da boca do povo, o veneno volta”, lamentou.
Heloisa contou que quando o problema é muito grave, a Anvisa informa o Ministério da Agricultura e a Polícia Federal para que tomem providências. Supermercados são multados e tenta-se rastrear o produtor, para a implementação de coletas e análises fiscais. Também são publicadas novas normas técnicas e desenvolvidos programas locais de informação e formação, que, para Heloisa, são os principais fatores para mudanças. Ela recomenda a criação de foruns. “A sociedade precisa se mobilizar para chegar até o produtor. Ele não tem informação sobre agrotóxicos, pelo contrário, tem informação errônea, dada pelas indústrias que vendem os produtos”, disse.
Questionada pelo público sobre a razão de a Anvisa não evitar tamanha contaminação dos alimentos, ela explicou que o Ibama, o Mapa e a Anvisa são responsáveis pelos agrotóxicos. “A Anvisa cuida da saúde da população. O controle do uso do agrotóxicos é dever do Mapa”, esclareceu, acrescentando que o Ministério do Trabalho também deveria se preocupar com a saúde do trabalhador rural. “Cobrem do Mapa e do Ministério do Trabalho, e de nós o que nós temos que fazer”, finalizou.
A importância da educação no desafio da transição para a produção agroecológica foi destacada por Christianne Belinzoni, da Secretaria de Agricultura Familiar do Ministério do desenvolvimento Agrário (MDA). Para ela, o desenvolvimento rural sustentável deve usar a tecnologia para melhorar a produção e a qualidade de vida.
“Precisamos formar mais técnicos para apoiar o produtor no campo. Ninguém quer produzir na base do veneno. Temos que brigar para que no currículo dos agronomos haja a disciplina agroecologia, em vez de obrigá-los a decorar princípio ativo de veneno”, disse. Ela também ressaltou a necessidade de se informar os consumidores. “O consumidor deve ser empoderado. A sociedade civil tem uma força muito grande”, opinou.
Representando o Departamento de Qualidade Ambiental da Secretaria de Desenvolvimento Rural do Ministério do Meio Ambiente (MMA), Sergia de Souza Oliveira abordou os principais impactos dos agrotóxicos no meio ambiente. “Os agrotóxicos são persistentes no meio ambiente, acumulando-se em rios e mares, contaminando peixes e outras formas de vida e provocando efeitos adversos na saúde humana”, informou.
Entre os principais problemas a serem contidos ela citou o uso indevido de produtos químicos, a alta toxidade, a falha na proteção do trabalhador e a exposição direta e indireta do meio ambiente e da população. Ela admitiu ser necessário aperfeiçoar os mecanismos de controle e que há uma deficiência da informação. Segundo Sergia, qualquer um dos três setores - Saúde, Agricultura e Ambiente - pode vetar um produto.
“Nossa legislação é moderna, rigorosa e sintonizada com outros países. A política de agroecologia recém-sancionada é um grande avanço. Grandes e pequenos produtores usam agrotóxicos, mas podem utilizar a agroecologia. O questionamento sobre o modelo de produção agrícola deve ser feito permanentemente, de forma racional e madura”, disse.
Ela reconhece, entretanto, que não é simples mudar da produção convencional para a limpa e que a proibição gera um mercado ilegal paralelo difícil de ser enfrentado. “O enfrentamento do agrotóxico deve ser um trabalho multisetorial e multiparticipativo”, concluiu.
O diretor do Departamento de Vigilância em Saúde Ambiental e Saúde do Trabalhador (SVS/MS), Guilherme Franco Netto, apresentou dados que mostram que em cinco anos, de 2005 a 2010, o volume de agrotóxico mais que dobrou. De 8.500 áreas descritas como contaminadas, 30% são contaminadas com agrotóxicos. “A intoxicação por agrotóxicos é a segunda maior causa de intoxicações exógenas. A maioria delas - 53% - é causada por inceticidas”, revelou.
Ele adiantou que ainda este ano será lançada uma portaria que deslanchará o processo de implamentação de vigilância epidemiológica no SUS, incluindo ações de proteção e promoção da saúde, a investigação dos casos e surtos e a estruturação de um sistema para responder às emergências em saúde. Nove estados com maiores demandas serão priorizados (PR, SP, MG, MT, GO, RS, SC, BA, e MS) e receberão um milhão de reais por ano, durante três anos. A partir de 2013, os outros estados começarão a receber verbas de R$ 800 mil ou R$ 900 mil e até o fim de 2014 a portaria deverá estar implantada nas 27 Ufs. Em 2015, será feita a avaliação.
Vários participantes do seminário, preocupados com a continuidade do trabalho que vem sendo desenvolvido na Anvisa de proteção da saúde da população brasileira e de luta contra o uso abusivo de agrotóxicos, manifestaram solidariedade ao profissional Luis Cláudio Meirelles, coordenador da Gerência Geral de Toxicologia da Anvisa (GGTox), diante da recente notícia de sua exoneração do cargo.