“Chuva de prata” volta a atormentar moradores de Santa Cruz – nota do PACS sobre os episódios dessa semana envolvendo a TKCSA
“Minha neta voltou da escola e me mostrou os braços, cobertos com uma poeira prateada. Mandei ela tomar banho correndo”. Relatos como o da senhora Josefa Marques se repetiam em várias versões, por diferentes pessoas, nesta quarta-feira (31/10), nas ruas do bairro de Santa C ruz, na zona oeste do Rio de Janeiro.
Segundo os moradores, na noite da segunda-feira (29) a emissão de substâncias particuladas provenientes dos altos-fornos da TKCSA voltou a ser forte. E o reflexo foi imediato. A chuva de prata, como é denominada, cobriu as ruas, os telhados e se impregnou pelo ar. Na terça-feira (30), os moradores acordaram em meio a uma grande camada de poeira prateada. “Você sente o ar pesado, a pele começa a coçar e os olhos a arder”, descreveu Martha Trindade, que mora em Santa Cruz há 30 anos. “O ar aqui não era assim. Começou logo depois que a TKCSA (Companhia Siderúrgica do Atlântico) foi instalada aqui”, disse Martha.
Pertencente ao grupo alemão Thyssen Krupp e à mineradora de origem brasileira Vale, a siderúrgica foi implementada no Rio de Janeiro - onde recebeu, gratuitamente, um terreno e isenções impostos municipais e estaduais - depois de ter sido negada em outros países e em outros estados do Brasil.
Financiada com R$ 2,5 bilhões de dinheiro público do Banco Nacional do Desenvolvimento (BNDES), a TKCSA começou a ser construída em 2006 e, desde então, a empresa acumula ações judiciais do Ministério Público por violação de direitos humanos, trabalhistas e ambientais. Desde que foi inaugurada em junho de 2010, a TKCSA segue contaminando o ar da cidade do Rio de Janeiro, com fortes impactos às populações vizinhas e ao meio ambiente. Por isso, a siderúrgica ainda não adquiriu a licença definitiva de operação. Em março de 2012, um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) foi assinado entre a TKCSA e a Secretaria de Ambiente do Estado do Rio de Janeiro (SEA), prorrogando por dois anos o período de funcionamento sem licença definitiva em troca do cumprimento de 130 condicionalidades pela empresa, dentre elas a garantia de que a população vizinha não mais seria vítima da “chuva de prata”.
Os episódios dessa semana configuram-se em um flagrante descumprimento do TAC. A siderúrgica deve, portanto, ter sua licença de operação definitiva negada.
De acordo com Miguel Borba de Sá, do PACS (Instituto Políticas Alternativas para o Cone Sul), a empresa alega que a poeira constante no ar de Santa Cruz seria “apenas” grafite, mas que segundo a pré-análise feita pela Fiocruz, há também a presença de outras substâncias.
Logo que recebeu a denúncia dos moradores, PACS foi até Santa Cruz para fazer o levantamento dos relatos, e pela manhã desta quarta-feira (31) encaminhou uma denúncia formal à Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ). A Comissão irá acionar o Ministério Público e o INEA para que essa denúncia de violações seja apurada e as providências cabíveis executadas.
Considerando que:
. A Licença não foi conseguida no tempo estipulado pela lei;
. Foi por inadequação do projeto, erros de operação e demais procedimentos de responsabilidade da siderúrgica que esta licença não pôde ser concedida;
. O TAC foi firmado para ampliar o prazo de ajuste, para dar mais tempo para que a empresa se adequasse à legislação, ação que flexibilizou de maneira perigosa a legislação ambiental brasileira ao estender por mais dois anos o período de funcionamento sem licença de operação;
. E agora nem o TAC está sendo cumprido.
Acreditamos que é hora de perguntar: o que a SEA e o INEA - responsáveis pela outorga de licenças ambientais no Estado do Rio de Janeiro - estão esperando para cancelar definitivamente a autorização de funcionamento desta siderúrgica poluidora e descumpridora das leis e acordos firmados com as autoridades públicas brasileiras?