segunda-feira, 28 de maio de 2012

Um projeto que vai na contramão

Por Arthur Soffiati


No norte do Estado do Rio de Janeiro, o terreno mais novo em termos geológicos é a restinga que se estende do Cabo de São Tomé à Praia de Manguinhos. Ela é cortada pelo Rio Paraíba do Sul em seu trecho final. Trata-se da maior restinga do Estado e uma das maiores do Brasil. Nela, formaram-se lagoas alongadas integrantes do delta do Paraíba do Sul. Uma delas, a Lagoa Salgada, apresenta valor geológico e paleontológico reconhecido pala ONU. Uma boa amostra de vegetação de restinga ainda resiste, além de uma fauna com espécies endêmicas. Na parte sul dessa restinga, que vem recebendo o nome de Açu, instalaram-se pequenos produtores rurais responsáveis pelo cultivo de legumes, frutas e gado.

Exatamente no Açu, o holding EBX resolveu instalar um porto para escoar minério de ferro conduzido de Minas Gerais por um mineroduto. Como a costa entre os Rios Macaé (RJ) e Itapemirim (ES) é nova, baixa e instável e não conta com formações pedregosas, o porto foi concebido como uma ilha artificial, construída com pedras do Morro do Itaoca, nas imediações de Campos. Esse morro abriga espécies vegetais que só ocorrem nele em todo o planeta. O acesso ao porto pelo mar será feito por um canal submarino de 13 quilômetros de extensão por 300 de largura e 18 de profundidade.

Posteriormente ao porto, a EBX anunciou a construção de duas termelétricas, uma a carvão mineral e outra a gás natural. O estaleiro previsto inicialmente para Santa Catarina transferiu-se para o Açu face à resistência de pescadores, hoteleiros e veranistas. Ele cortará uma lagoa, a do Veiga, por um canal com as mesmas dimensões do canal de acesso ao porto. O empreendimento foi crescendo pouco a pouco. Agora, já envolve um distrito industrial erguido em terreno elevado com areia oriunda da abertura dos dois canais. Prevê-se nele a construção de duas siderúrgicas, de um pólo cimenteiro e outro de indústrias metal-mecânicas.

O que se denomina Complexo Logístico Industrial Portuário do Açu (CLIPA) contará com um corredor logístico ligando o distrito industrial à margem direita do Paraíba do Sul, no município de Campos. O conjunto dos empreendimentos desfigura completamente a parte sul da restinga. As terras dos pequenos produtores rurais estão sendo desapropriadas de forma traumática pela Companhia de Desenvolvimento do Estado do Rio de Janeiro (CODIN), sob o argumento de que se trata de terras improdutivas e degradadas. Nada mais impactante do que o aterro para elevar o terreno de restinga e construir o distrito industrial.

No plano das relações entre iniciativa privada e poder público, existe também um nó górdio. O Instituto Estadual de Ambiente vem licenciando todos os empreendimentos propostos pela EBX, não considerando os limites do território, já ultrapassados com todas as instalações previstas. Também não se conhece com clareza a linha que separa a CODIN da EBX. Basta dizer que o Distrito Industrial pertence à CODIN, mas será administrada pela LLX, uma das empresas do grupo EBX.

O conceito central da Rio+20 é economia verde. Embora ainda não devidamente definido, é certo que ele não privilegiará atividades econômicas alimentadas por recursos naturais não renováveis e intensivos em carbono, como ferro, petróleo, gás natural e carvão mineral. É certo também que não apoiará empreendimentos geradores de conflitos e injustiça sociais.

Conclui-se, assim, que o complexo logístico industrial portuário do Açu caminha na contramão da história.


Arthur Soffiati é historiador e ambientalista.