Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 246 da Revista Somos
Um dos exercícios mais complicados que alguém pode fazer é ficar olhando para o céu tentando relacionar o que as nuvens querem dizer. No entanto, se o céu que estivermos observando for o da política brasileira, não é difícil entender que as nuvens que pairam no horizonte são indicadoras de tempestade à frente. Afinal de contas, muitos dos sinais que estão sendo emitidos em diferentes frentes da realidade brasileira são indicadores de que a frágil democracia brasileira está prestes a passar por um período de fortes turbulências.
Vejamos por exemplo o que anda acontecendo na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito que foi criada para apurar as relações pouco republicanas entre Carlinhos Cachoeira, um misto de chefe da jogatina ilegal e lobista com forte influência em todas as esferas de governo, vários membros do Congresso Nacional e chefes de executivos estaduais. Afora o cheiro inconfundível de uma imensa pizza que está sendo assada, justamente por quem deveria estar apurando minuciosamente todos os indícios de crime, tivemos ainda um momento particularmente vergonhoso quando o deputado Cândido Vaccarezza (PT/SP) foi flagrado por um cinegrafista do SBT enviando um torpedo para Sérgio Cabral, o governador mais viajante da história do Rio de Janeiro; a mensagem de Vaccarezza para Cabral não apenas feriu a língua portuguesa, como colocou todo o processo da CPMI em questão. Ao tascar um tosco “A relação com o PMDB vai azedar na CPI. Mas não se preocupe você é nosso e nós somos teu”, Vaccarezza talvez não esperasse que seu lampejo de sinceridade viesse a público. Mas felizmente veio, e agora uma boa quantidade de brasileiros já aprendeu como que as coisas funcionam no Congresso. De quebra, pudemos ainda ver de forma explícita como se dão as relações entre o PT e o PMDB, que mais parecem coisa de cúmplices no crime do que de aliados na política.
Apesar dos descaminhos da CPI do Cachoeira, nas últimas semanas tivemos finalmente, ainda que sob pressão direta da Organização dos Estados Americanos, a alvissareira inauguração da chamada “Comissão da Verdade”. A principal tarefa desta comissão (que alguns estão chamando de Comissão da Meia Verdade) seria apurar os crimes que foram perpetrados por agentes do Estado brasileiro durante a ditadura militar que durou 21 anos. Afora o fato de que essa comissão já nasceu comprometida pela falta antecipada de qualquer tipo de resultado prático dos seus trabalhos, ainda tivemos o inusitado lançamento de uma comissão paralela comandada por militares aposentados sob o patrocínio de clubes militares que reúnem, inclusive, oficiais da ativa que se encontram em pleno exercício de cargos de direção das Forças Armadas brasileiras. Segundo um dos membros desta comissão paralela, os militares vão acompanhar os trabalhos da comissão nomeada pela presidente Dilma Rousseff para não deixar que a verdade deles (militares) não seja ignorada. Mas na prática, qual é a verdade que os militares que realizaram o golpe e mantiveram o Brasil num estado de exceção por duas décadas querem mostrar?
Pensando bem, estes militares bem que poderiam nos dizer onde enterraram, cremaram ou despejaram os corpos de centenas de brasileiros que ainda continuam desaparecidos. De quebra, todos os que torturaram, praticaram violências sexuais e assassinaram cidadãos brasileiros que estavam sob sua guarda poderiam se apresentar à Comissão da Verdade e revelar aquelas verdades que continuam sendo guardadas a sete chaves sob uma montanha de vergonha. Há de se lembrar que, dos países da América do Sul que passaram por regimes de exceção, o Brasil é atualmente o único que não anulou as legislações criadas para isentar os agentes do Estado que cometeram crimes de lesa humanidade.
Aproveitando a deixa, é frustrante observar que há uma conexão direta entre os escândalos políticos e a resistência em se apurar os crimes cometidos durante a ditadura de 1964. E uma prova disto foi a recente rejeição de um projeto de lei que mudava o nome de uma Avenida em Porto Alegre de “Humberto Castelo Branco” para “Leonel de Moura Brizola”. Não bastasse o fato de que os ilustres vereadores da capital gaúcha decidiram manter a homenagem ao primeiro ditador/presidente do mesmo regime que puniu duramente o Rio Grande do Sul por ser o berço de tantas lideranças oposicionistas, isto se deu com o voto de membros da bancada do PDT! Mas nunca é demais lembrar que em outras capitais situações semelhantes vêm ocorrendo, sendo que na cidade de São Paulo a homenagem mantida foi a que a Câmara de Vereadores fez ao assassino e torturador Sérgio Paranhos Fleury.
Uma das coisas que essa indisposição em apurar os malfeitos realizados por políticos do período pós-regime de 1964 e dos agentes daquele regime indica é que ainda há muita coisa podre nas entranhas do sistema político brasileiro. Só isto explica tanta disposição em deixar as verdades inconvenientes escondidas da maioria do nosso povo. Isto provavelmente se dá não porque os personagens envolvidos não saibam que o caminho que nos permitiria evoluir é o oposto, mas justamente porque eles sabem é que optaram por ser manter alinhados com o status quo vigente desde 1500. E com esta impunidade toda, vão alegremente semeando tempestades.