O Código Florestal como síntese de uma cruzada antiambiental a serviço do grande capital
Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 243 da Revista Somos Assim
Redes sociais, organizações sociais e a comunidade científica estão neste momento repudiando com correção a recente aprovação de uma versão amputada do Código Florestal pela Câmara dos Deputados. Afinal de contas, se mantidos os dispositivos que acabam de ser aprovados num plenário impregnado pela disposição de liberar o desmate futuro e também de perdoar as violações ambientais do passado, isso não pode dar em boa coisa. E não é preciso ser um ambientalista contumaz ou um cientista da área ambiental para entender o absurdo do que foi aprovado. Um pequeno exemplo é a desobrigação da reconstituição, e até mesmo preservação dos topos de morros. Os moradores de Nova Friburgo já sabem a consequência desta medida. O texto aprovado é ainda menos incompreensível, pelo menos à primeira vista, se considerarmos que o Brasil está para sediar, no Rio de Janeiro, a Conferência da ONU para o Meio Ambiente, no que está sendo conhecido como Rio +20. Assim, se essa conferência deveria colocar o Brasil como um líder da preservação ambiental e da busca de um modelo alternativo de desenvolvimento econômico, as decisões da Câmara Federal sobre o Código Florestal simplesmente nos tornaram verdadeiros párias do sistema internacional de proteção ambiental.
A propensão quase universal tem sido a de culpar a bancada ruralista pelo que ocorreu no Congresso Nacional. Afinal, os seus deputados lideraram a carga contra os poucos dispositivos de precaução que haviam sido aprovados pelo Senado; de quebra, as figuras mais proeminentes dos ruralistas não mostraram nenhum tipo de contenção verbal no momento imediatamente após a aprovação ocorrida na Câmara. Isto tornou o latifúndio e seus representantes os alvos de uma campanha visceral nas redes sociais. A repercussão negativa foi tão grande que os recentemente vitoriosos tiveram de vir a público se explicar, ainda que usando argumentos que só pioraram a sua imagem perante a parte mais mobilizada e informada da população brasileira. A verdade é que o latifúndio tende a cometer deslizes verbais por não estar acostumado ao jogo democrático. Assim, toda vez que suas lideranças precisam vir a público dar explicações, o efeito acaba sendo o contrário. É como mandar um alcoólatra defender publicamente o uso das bebidas perante a um grupo de alcoólicos anônimos. Como é de se esperar, a coisa simplesmente ficou pior para os defensores do ronco das motosserras.
Mas, ainda que eu compartilhe da visão de que a bancada ruralista da Câmara Federal perdeu o senso de limite, acredito que culpar apenas seus membros é insuficiente. Além disso, também parece insuficiente tentar concentrar o esforço de reação na cobrança sobre a presidente Dilma Rousseff para que esta vete os dispositivos mais absurdos que foram aprovados pela Câmara. O fato é que me parece que todo o teatro que foi armado no congresso nacional faz parte de uma estratégia planejada para deixar a presidente em condições de vetar o que for mais aparentemente absurdo, permitindo assim que ela deixe o resto do entulho antiambiental intacto. Neste caso, o latifúndio e seus representantes parlamentares estariam apenas usando o velho e conhecido método do "boi de piranha", onde o sacrifício de uma cabeça de gado velha e/ou doente para o banquete das piranhas permite que o resto do rebanho passe, são e salvo.
Se prestarmos mais atenção no que têm sido as práticas ambientais dos governos do PT, com Lula ou Dilma, poderemos verificar que a aparente derrota no caso do Código Florestal foi cuidadosamente preparada pelo governo federal. Aliás, alguém se lembra para onde foi alçado o primeiro relator desta reforma da Código Florestal, o pseudo comunista Aldo Rebelo? Após abrir as porteiras para o desenlace que acabamos de ter na Câmara, Rebelo foi promovido para ministro dos Esportes. E por uma dessas coincidências que de coincidência parece não ter nada, a versão do Código Florestal que acabou de ser aprovada será muito útil para legitimar uma série de absurdos ambientais que estão sendo cometidos em áreas urbanas em prol da construção de estádios e vias de acesso. Isto sem falar nas centenas de famílias que estão sendo removidas de maneira forçada dentro das cidades-sede em diferentes partes do território nacional.
O pior é que se olharmos para analisar o chamado Programa de Aceleração de Crescimento (PAC), veremos que não são apenas os latifundiários que estão destruindo áreas consideráveis de florestas de diferentes biomas. Na verdade, o principal agente de mudança é o próprio governo federal, tendo Dilma Rousseff à sua frente desde os tempos da Casa Civil, que vem galvanizando o processo de destruição das nossas florestas. Dentre os exemplos mais claros do que estou falando estão as dezenas de hidrelétricas ora sendo construídas na bacia Amazônica apenas para alimentar a fome energética de corporações mineradoras.
Diante deste quadro é que me parece insuficiente pedir que Dilma vete apenas as partes mais obviamente inaceitáveis. A demanda há que ser mais profunda, indo no sentido de que o governo federal faça um verdadeiro cavalo de pau em sua política econômica. Do contrário, qualquer eventual vitória na questão do Código Florestal será à la Pirro.