Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 245 da Revista Somos Assim
Ao escrever neste 13 de maio, duas coisas aparentemente desconectadas me ocupam a mente. Primeiro esse é o terceiro ano em que já não possuo a presença física do ser humano especial que me trouxe ao mundo. Não obstante, nas últimas semanas fui assediado por todo tipo de propaganda comercial tentando me empurrar a compra deste ou aquele produto para demonstrar o meu amor de filho. A cada propaganda recebida me ocorria o pensamento de que todos os ideólogos do consumo devem ter as respectivas mães ainda vivas; do contrário, não ficariam oferecendo produtos para pessoas cujas mães já morreram. A segunda questão é que não consigo deixar de ver uma ironia no fato do dia das mães deste ano estar ocorrendo no mesmo dia em que a escravidão foi formalmente abolida no Brasil. É que juntando os dois, é possível imaginar a dor de uma quantidade incontável de mães negras chorando por seus filhos, levados pela violência que assola a maioria das cidades brasileiras. É bem possível que estas mães desejassem ter no lugar de presentes, simplesmente a chance poder abraçar seus filhos cujas vidas foram ceifadas por um ciclo de violência que atinge especialmente jovens negros e pobres. Não custa nada lembrar das abnegadas mães negras que, além de sofrer o julgo do trabalho escravo, amamentavam a prole dos escravocratas. Também neste sentido, e passados exatos 124 anos, chega a ser chocante que a sociedade brasileira continue ignorando o custo social da escravidão.
Mas, à parte da violência mais óbvia que diariamente atinge as comunidades pobres habitadas pela maioria negra da população brasileira, uma forma mais subliminar de violência é a contínua depreciação dos negros, seja no plano econômico ou nas oportunidades de ascensão social. Segundo dados do Censo Populacional de 2010, das 438 profissões consideradas, só em 16, ou 4% do total, a renda média dos trabalhadores pretos e pardos supera a dos brancos. Além disso, a presença de negros em postos de comando é praticamente nula, tanto na área privada como na pública. A situação tampouco é melhor nos cargos eletivos, pois hoje apenas uns poucos deputados e senadores são negros ou pardos, o que se repete em todos os níveis de representação política. Se examinarmos o acesso dos negros às universidades, públicas ou privadas, também veremos que os dados são residuais. Isto mesmo face à disseminação da chamada política de cotas e do financiamento oferecido pelo governo federal para estudantes negros e pobres através do PROUNI, duas iniciativas criadas para supostamente ampliar a participação dos negros nos cursos de nível superior.
Uma demonstração adicional de que o Brasil não consegue avançar no estabelecimento de uma sociedade que efetivamente não discrimina seus cidadãos por causa da cor da sua pele está ocorrendo longe dos olhos e ouvidos da maioria dos brasileiros. Para quem não sabe, neste momento está novamente em pauta uma proposta de emenda constitucional (a chamada PEC 438) que visa punir a prática do trabalho escravo que continua sendo praticada de forma generalizada em todas as regiões brasileiras. Diante do clamor de amplos segmentos da sociedade brasileira por uma punição exemplar dos grandes proprietários de terras que são constantemente flagrados colocando centenas de trabalhadores em condições análogas às que os escravos viviam antes da promulgação da Lei Áurea, o que fez a bancada ruralista que representa os interesses políticos do latifúndio? Após usar diversas táticas de procrastinação, a bancada ruralista conseguiu paralisar a discussão da PEC 438, sob a alegação de que não há clareza jurídica sobre o que poderia ser considerado como trabalho escravo. Aliás, a bancada ruralista fez mais do que paralisar a discussão, pois colocou em xeque os critérios que atualmente são utilizados pelas equipes do Ministério do Trabalho para caracterizar a ocorrência do trabalho escravo. Na prática, isto pode implicar no questionamento de todas as ações realizadas para libertar trabalhadores que se encontravam escravizados em grandes latifúndios.
Se levarmos em consideração que os critérios que determinam a ocorrência do trabalho escravo já são razoavelmente elásticos em prol dos patrões, qualquer relaxamento mínimo implicará numa condição de total insegurança para todo trabalhador que se aventurar a sair de sua casa para ir trabalhar, por exemplo, nas grandes monoculturas de cana. Aliás, nunca é demais lembrar que a grande maioria dos libertados são encontrados em áreas onde prevalecem as monoculturas. De quebra, mesmo quando o Ministério do Trabalho consegue flagrar casos de escravidão, não há qualquer certeza de que os trabalhadores envolvidos serão ressarcidos ou que os escravocratas serão punidos na forma da lei vigente. Aqui mesmo em Campos dos Goytacazes existem centenas de trabalhadores que continuam esperando o pagamento de seus direitos, anos após terem sido libertados.
Mas alguém poderia se perguntar qual é a relação entre a persistência da escravidão com a condição desigual que a maioria dos negros ainda enfrentam no Brasil. Eu diria que esta relação é total, pois uma sociedade que se recusa a punir os escravocratas contemporâneos certamente não irá se dispor a confrontar a dívida social que foi acumulada com a maioria negra que forma a população brasileira. Frente a este cenário, não custa recordar que o geógrafo Milton Santos dizia que temia pelo dia em que os negros brasileiros não conseguissem mais sorrir e começassem a ranger os dentes frente a tanta injustiça e desigualdade.
Mas, à parte da violência mais óbvia que diariamente atinge as comunidades pobres habitadas pela maioria negra da população brasileira, uma forma mais subliminar de violência é a contínua depreciação dos negros, seja no plano econômico ou nas oportunidades de ascensão social. Segundo dados do Censo Populacional de 2010, das 438 profissões consideradas, só em 16, ou 4% do total, a renda média dos trabalhadores pretos e pardos supera a dos brancos. Além disso, a presença de negros em postos de comando é praticamente nula, tanto na área privada como na pública. A situação tampouco é melhor nos cargos eletivos, pois hoje apenas uns poucos deputados e senadores são negros ou pardos, o que se repete em todos os níveis de representação política. Se examinarmos o acesso dos negros às universidades, públicas ou privadas, também veremos que os dados são residuais. Isto mesmo face à disseminação da chamada política de cotas e do financiamento oferecido pelo governo federal para estudantes negros e pobres através do PROUNI, duas iniciativas criadas para supostamente ampliar a participação dos negros nos cursos de nível superior.
Uma demonstração adicional de que o Brasil não consegue avançar no estabelecimento de uma sociedade que efetivamente não discrimina seus cidadãos por causa da cor da sua pele está ocorrendo longe dos olhos e ouvidos da maioria dos brasileiros. Para quem não sabe, neste momento está novamente em pauta uma proposta de emenda constitucional (a chamada PEC 438) que visa punir a prática do trabalho escravo que continua sendo praticada de forma generalizada em todas as regiões brasileiras. Diante do clamor de amplos segmentos da sociedade brasileira por uma punição exemplar dos grandes proprietários de terras que são constantemente flagrados colocando centenas de trabalhadores em condições análogas às que os escravos viviam antes da promulgação da Lei Áurea, o que fez a bancada ruralista que representa os interesses políticos do latifúndio? Após usar diversas táticas de procrastinação, a bancada ruralista conseguiu paralisar a discussão da PEC 438, sob a alegação de que não há clareza jurídica sobre o que poderia ser considerado como trabalho escravo. Aliás, a bancada ruralista fez mais do que paralisar a discussão, pois colocou em xeque os critérios que atualmente são utilizados pelas equipes do Ministério do Trabalho para caracterizar a ocorrência do trabalho escravo. Na prática, isto pode implicar no questionamento de todas as ações realizadas para libertar trabalhadores que se encontravam escravizados em grandes latifúndios.
Se levarmos em consideração que os critérios que determinam a ocorrência do trabalho escravo já são razoavelmente elásticos em prol dos patrões, qualquer relaxamento mínimo implicará numa condição de total insegurança para todo trabalhador que se aventurar a sair de sua casa para ir trabalhar, por exemplo, nas grandes monoculturas de cana. Aliás, nunca é demais lembrar que a grande maioria dos libertados são encontrados em áreas onde prevalecem as monoculturas. De quebra, mesmo quando o Ministério do Trabalho consegue flagrar casos de escravidão, não há qualquer certeza de que os trabalhadores envolvidos serão ressarcidos ou que os escravocratas serão punidos na forma da lei vigente. Aqui mesmo em Campos dos Goytacazes existem centenas de trabalhadores que continuam esperando o pagamento de seus direitos, anos após terem sido libertados.
Mas alguém poderia se perguntar qual é a relação entre a persistência da escravidão com a condição desigual que a maioria dos negros ainda enfrentam no Brasil. Eu diria que esta relação é total, pois uma sociedade que se recusa a punir os escravocratas contemporâneos certamente não irá se dispor a confrontar a dívida social que foi acumulada com a maioria negra que forma a população brasileira. Frente a este cenário, não custa recordar que o geógrafo Milton Santos dizia que temia pelo dia em que os negros brasileiros não conseguissem mais sorrir e começassem a ranger os dentes frente a tanta injustiça e desigualdade.