Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 241 da Revista Somos Assim
Talvez como nunca antes na história desse
país, diria Lula, estivemos defrontados com dois modelos para a economia
brasileira que nos levarão fatalmente a destinos muitos distintos, especialmente
no que se refere a uma verdadeira distribuição de renda que nos coloque num
patamar mais elevado e condizente com uma sociedade que não seja tão fortemente
segregada e violenta. Nesta batalha entre Davi e Golias, de um lado temos a
aposta feita pelo governo federal numa forma peculiar de capitalismo de Estado,
onde o dinheiro arrecadado através da pesada carga tributária e de uma super
desvalorização dos salários é aplicado para criar uma casta de bilionários que
se apresentam como os paladinos bastardos de um futuro melhor. Enquanto isto,
do outro lado desta contenda, temos as propostas que giram em torno,
principalmente, da distribuição da renda através da reforma da propriedade da
terra, seja ela rural ou urbana.
Um aspecto lamentável neste confronto
desigual é ver que o Partido dos Trabalhadores, que antes representava a funda
formidável com a qual os milhões de Davis venceriam a luta contra os poucos
Golias que exploram o nosso povo desde que os conquistadores portugueses aqui
chegaram com seus espelhos, simplesmente mudou de lado. O PT agora é, segundo diagnosticava o
sociólogo Florestan Fernandes, um partido da ordem. E para demonstrar esse
aconchego do PT com a ordem não é preciso nem citar o fato de que a sua antiga
militância voluntária foi substituída pelo mesmo tipo de empregado sazonal que
a maioria dos partidos brasileiros utiliza. A maior demonstração desta
aproximação com a ordem pode ser observada, por exemplo, em alianças peculiares
que têm sido tentadas, inclusive com políticos do naipe de Gilberto Kassab que,
em outros tempos, não chegaria nem perto de uma sede do PT.
Mas esquecendo um pouco do PT neoliberal,
que é hoje apenas o gerente de plantão dentro do Estado brasileiro, a servir
sofregamente os interesses da elite minoritária, o importante mesmo é olhar
para demonstrações inequívocas de como os dois modelos se impõem sobre o nosso
território imediato, a região norte fluminense; talvez não haja nenhum outro
lugar em todo o Brasil onde esses dois modelos estejam postos de forma tão
clara e objetiva. A demarcação
inequívoca destes polos opostos apareceu nas falas que marcaram as celebrações
realizadas para marcar os 15 anos da ocupação das terras da massa falida da
Usina São João, ocorrida em 12 de Abril de1997. Em um palco montado na agrovila
do Núcleo V do Assentamento Zumbi dos Palmares, muitos dos que celebravam a
data se dedicaram a repudiar a tentativa do bilionário Eike Batista em fazer
passar o seu corredor logístico dentro das terras que hoje abrigam mais de 500 famílias
de agricultores familiares, onde se produzem uma imensa variedade de culturas
que acabam em nossas mesas e que também viajam para regiões distantes como
Porto Alegre e Brasília.
A principal razão deste repúdio a Eike
Batista nem estava ali, mas no V Distrito de São João da Barra, onde centenas
de famílias estão sendo expulsas para que seja instalado um complexo
portuário-industrial cujo objetivo precípuo é o de exportar riquezas minerais
com um mínimo de beneficiamento, ao custo da desterritorialização de pessoas
cujas famílias vivem ali há séculos, e de um grave processo de alteração
ambiental cujos efeitos não estão sendo medidos corretamente. E aqui não sou eu
quem diz, mas sim o Ministério Público Estadual, que acaba de impetrar uma Ação
Civil Pública contra o licenciamento ambiental feito pelo Instituto Estadual do
Ambiente (INEA) para a construção de uma siderúrgica que, se construída nos
moldes aprovados, utilizará tecnologia ultrapassada e de alto poder poluidor.
O aspecto mais perverso do que está
acontecendo no V Distrito de São João da Barra é justamente a imposição de uma
lógica que destrói pequenas propriedades altamente produtivas do ponto de vista
agrícola para instalar uma série de empreendimentos que pouca ou nenhuma riqueza
gerará no plano regional, enquanto milhares de hectares improdutivos são
deixados nas mãos de uma elite agrária que deve imensas fortunas aos cofres
públicos e aos trabalhadores do setor sucroalcooleiro. Quando tomada em
conjunto, esta situação sintetiza duas formas diametralmente opostas de se
pensar o futuro do norte fluminense e, por extensão, do Brasil. E aqui não há
muito para onde correr, senão oferecer uma resposta direta à pergunta sobre o
futuro que queremos: queremos um modelo social que distribua a renda, gere
empregos e alimentos ou continuaremos apostando no modelo de hiperconcentração
da renda ancorada na exportação de commodities e na acumulação interna do ônus
da degradação social e ambiental?
Ainda que estas questões pareçam algo
distante daqueles que habitam as cidades e orbitam no entorno da sociedade
consumista que se levanta no bojo do modelo concentrador de renda, o fato é que
a batalha desigual travada entre os defensores destes dois modelos tem tudo a
ver com os citadinos habitantes dos enclaves fortificados que surgem como
cogumelos nas pastagens após a estação chuvosa. Afinal, alguém tem a esperança
de que se os milhões de Davis não vencerem, não acabaremos todos passando fome?