domingo, 22 de abril de 2012

Dois projetos e dois destinos totalmente divergentes para o Brasil

Marcos A. Pedlowski, artigo publicado no número 241 da Revista Somos Assim



   Talvez como nunca antes na história desse país, diria Lula, estivemos defrontados com dois modelos para a economia brasileira que nos levarão fatalmente a destinos muitos distintos, especialmente no que se refere a uma verdadeira distribuição de renda que nos coloque num patamar mais elevado e condizente com uma sociedade que não seja tão fortemente segregada e violenta. Nesta batalha entre Davi e Golias, de um lado temos a aposta feita pelo governo federal numa forma peculiar de capitalismo de Estado, onde o dinheiro arrecadado através da pesada carga tributária e de uma super desvalorização dos salários é aplicado para criar uma casta de bilionários que se apresentam como os paladinos bastardos de um futuro melhor. Enquanto isto, do outro lado desta contenda, temos as propostas que giram em torno, principalmente, da distribuição da renda através da reforma da propriedade da terra, seja ela rural ou urbana.
 
    Um aspecto lamentável neste confronto desigual é ver que o Partido dos Trabalhadores, que antes representava a funda formidável com a qual os milhões de Davis venceriam a luta contra os poucos Golias que exploram o nosso povo desde que os conquistadores portugueses aqui chegaram com seus espelhos, simplesmente mudou de lado.  O PT agora é, segundo diagnosticava o sociólogo Florestan Fernandes, um partido da ordem. E para demonstrar esse aconchego do PT com a ordem não é preciso nem citar o fato de que a sua antiga militância voluntária foi substituída pelo mesmo tipo de empregado sazonal que a maioria dos partidos brasileiros utiliza. A maior demonstração desta aproximação com a ordem pode ser observada, por exemplo, em alianças peculiares que têm sido tentadas, inclusive com políticos do naipe de Gilberto Kassab que, em outros tempos, não chegaria nem perto de uma sede do PT.

    Mas esquecendo um pouco do PT neoliberal, que é hoje apenas o gerente de plantão dentro do Estado brasileiro, a servir sofregamente os interesses da elite minoritária, o importante mesmo é olhar para demonstrações inequívocas de como os dois modelos se impõem sobre o nosso território imediato, a região norte fluminense; talvez não haja nenhum outro lugar em todo o Brasil onde esses dois modelos estejam postos de forma tão clara e objetiva.  A demarcação inequívoca destes polos opostos apareceu nas falas que marcaram as celebrações realizadas para marcar os 15 anos da ocupação das terras da massa falida da Usina São João, ocorrida em 12 de Abril de1997. Em um palco montado na agrovila do Núcleo V do Assentamento Zumbi dos Palmares, muitos dos que celebravam a data se dedicaram a repudiar a tentativa do bilionário Eike Batista em fazer passar o seu corredor logístico dentro das terras que hoje abrigam mais de 500 famílias de agricultores familiares, onde se produzem uma imensa variedade de culturas que acabam em nossas mesas e que também viajam para regiões distantes como Porto Alegre e Brasília. 

    A principal razão deste repúdio a Eike Batista nem estava ali, mas no V Distrito de São João da Barra, onde centenas de famílias estão sendo expulsas para que seja instalado um complexo portuário-industrial cujo objetivo precípuo é o de exportar riquezas minerais com um mínimo de beneficiamento, ao custo da desterritorialização de pessoas cujas famílias vivem ali há séculos, e de um grave processo de alteração ambiental cujos efeitos não estão sendo medidos corretamente. E aqui não sou eu quem diz, mas sim o Ministério Público Estadual, que acaba de impetrar uma Ação Civil Pública contra o licenciamento ambiental feito pelo Instituto Estadual do Ambiente (INEA) para a construção de uma siderúrgica que, se construída nos moldes aprovados, utilizará tecnologia ultrapassada e de alto poder poluidor.

    O aspecto mais perverso do que está acontecendo no V Distrito de São João da Barra é justamente a imposição de uma lógica que destrói pequenas propriedades altamente produtivas do ponto de vista agrícola para instalar uma série de empreendimentos que pouca ou nenhuma riqueza gerará no plano regional, enquanto milhares de hectares improdutivos são deixados nas mãos de uma elite agrária que deve imensas fortunas aos cofres públicos e aos trabalhadores do setor sucroalcooleiro. Quando tomada em conjunto, esta situação sintetiza duas formas diametralmente opostas de se pensar o futuro do norte fluminense e, por extensão, do Brasil. E aqui não há muito para onde correr, senão oferecer uma resposta direta à pergunta sobre o futuro que queremos: queremos um modelo social que distribua a renda, gere empregos e alimentos ou continuaremos apostando no modelo de hiperconcentração da renda ancorada na exportação de commodities e na acumulação interna do ônus da degradação social e ambiental?

    Ainda que estas questões pareçam algo distante daqueles que habitam as cidades e orbitam no entorno da sociedade consumista que se levanta no bojo do modelo concentrador de renda, o fato é que a batalha desigual travada entre os defensores destes dois modelos tem tudo a ver com os citadinos habitantes dos enclaves fortificados que surgem como cogumelos nas pastagens após a estação chuvosa. Afinal, alguém tem a esperança de que se os milhões de Davis não vencerem, não acabaremos todos passando fome?