Por Gabriel Bonis
Da Carta Capital
Da Carta Capital
Mensagens internas de uma multinacional norte-americana do setor do agronegócio indicam uma trama de violações à legislação brasileira que poderiam resultar em complicações à saúde da população e ao meio ambiente, além de uma conspiração contra o governo.
CartaCapital teve acesso exclusivo a emails da empresa Dow AgroSciences, a quinta maior indústria de agrotóxicos do mundo, nos quais a companhia admite ter feito alterações não autorizadas em diversos herbicidas em suas duas fábricas no Brasil – em Franco da Rocha e Jacareí, em São Paulo. O documento também indica que ao saber de uma vistoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em suas instalações, a empresa montou uma estratégia para culpar os órgãos regulatórios pelo ocorrido.
As mudanças, descobertas em uma auditoria interna no final de 2009 e suspensas naquele ano, incluiam a adição de um antiespumante não autorizado a um herbicida de glifosato, além de modificações em produtos à base de macozeb e flumetsulam. “Em termos gerais, esses problemas envolvem variações mínimas na composição do produto que ocorreram durante anos, logo o produto feito nestes locais nem sempre seguiu o acordo confidencial de fórmula autorizado pelas autoridades reguladoras”, diz o email.
Para a empresa, no entanto, não houve aumento de toxicidade ou “significância para saúde, segurança ou do meio ambiente”.
De acordo com o email, a empresa optou, porém, por manter mais de 600 mil litros do herbicida irregular em seus depósitos e, quando questionada, não informou ter relatado à Anvisa as irregularidades identificadas na auditoria interna. Além disso, a empresa não quis comentar se tinha intenção de vender o produto.
Ricardo Victoria Filho, doutor em Agronomia, professor da Universidade de São Paulo e especialista em herbicidas, diz que quase 1 bilhão de litros de glifosato são utilizados mundialmente em diversos agrossistemas e que o item possui genéricos. “A qualidade do produto depende da empresa, algumas colocam na mistura componentes inferiores e isso pode implicar na eficácia do produto.”
A Anvisa destaca que os agrotóxicos possuem alto risco para saúde e meio ambiente, motivo pelo qual sofrem restrito controle também do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério da Agricultura, além da própria Agência Sanitária. “Nenhuma empresa pode alterar a fórmula de agrotóxicos sem autorização dos órgãos competentes”, diz o órgão a CartaCapital.
O controle ocorre porque as mudanças nas formulações autorizadas podem representar alterações na classificação toxicológica dos produtos, maior impacto na saúde humana e meio ambiente e desvio na eficiência dos herbicidas.
Consciente da violação das normas brasileiras, a Dow AgroSciences esperava uma visita a suas instalações algumas semanas após o final de março de 2010, conforme ilustra uma comunicação interna entre Garry Hamlin (gerente de relações com a mídia) e Burt Harris, conselheiro pessoal para litigação, ainda na sede da empresa em Indianápolis, nos Estados Unidos.
Naquele momento, havia uma preparação da multinacional para minimizar os efeitos do problema na mídia, pois a companhia acreditava que as autoridades regulatórias realizavam “inspeções de instalações de fábricas de pesticidas altamente politizadas.” Além disso, os agentes haviam encontrado violações em todos os locais visitados, tendo relatado os problemas como “assuntos de riscos significantes”. “Em alguns lugares, eles fecharam a produção e retiraram o produto como resultado de suas inspeções. Isso atraiu atenção adversa da mídia”, ressalta o email.
Neste cenário, os documentos obtidos por CartaCapital indicam que a empresa tenta justificar as alterações a partir de uma suposta ausência de retorno das autoridades brasileiras às solicitações para a realização das mudanças. “Quando as autoridades regulatórias não responderam a esses pedidos dentro do período designado (que foi com frequência o caso), os funcionários da Dow AgroSciences então resolveram realizar as mudanças sem autorização.”
Essa “linha de defesa” fica ainda mais explícita nas diretrizes criadas pela empresa para reagir a uma eventual menção da Anvisa às alterações irregulares das fórmulas. Mas isso não ocorreu, porque a agência não divulga informações deste tipo antes de serem julgadas pelo órgão. O processo ainda não foi finalizado.
“Enquanto ainda não há uma noção melhor dos tipos de acusações de violação feitas contra nós”, diz o email, a empresa poderia antecipar suas reações. Isso incluiria uma lamentação pelos eventos.
O comunicado redigido na matriz da Dow AgroSciences chegou aos funcionários da diretriz brasileira cerca de um mês após a conversa Hamlin e Harris. Em 24 de maio, Mario Von Zuben afirma que vai preparar um comunicado “sobre uma eventual fiscalização em nossos sites.” (Veja mensagem abaixo).
A fiscalização ocorreu entre 7 e 10 de junho de 2010 e a Anvisa informou, via assessoria de imprensa, ter encontrado durante as ações realizadas nas fábricas da empresa indícios de adulteração na fórmula dos agrotóxicos: Sabre (clorpirifós), Padron (picloram + trietanolamina) e Scorpion (flumetsulam). À época, a companhia foi notificada a apresentar documentos a fim de comprovar a não adulteração dos produtos e o fez no prazo adequado.
A vistoria resultou na interdição de mais de 500 mil litros de agrotóxicos irregulares. Entre as diversas irregularidades encontradas estava o herbicida Tordon, que não possuía controle de impurezas e tinha rótulos a induzir os agricultores ao erro sobre a toxicidade do produto, além de embalagens com vazamento.
A empresa se defendeu em comunicado no qual dizia ter mobilizado uma equipe de especialistas “para esclarecer eventuais aspectos técnicos levantados pela Anvisa”, além de negar que as irregularidades representassem risco pessoal, ao meio ambiente e à efetividade dos produtos.
Em seu site, a Dow AgroScience se define como uma das mais importantes empresas do mundo em ciência e tecnologia para o agronegócio. A companhia também atua na área de sementes e biotecnologia, com híbridos de milho, sorgo, girassol e variedades de soja.
A empresa, que no Brasil tem mais de 650 funcionários, é subsidiária em caráter integral da The Dow Chemical Company e possui volume de vendas de 4,9 bilhões de dólares por ano.
Questionada sobre as recomendações da matriz, a Dow AgroSciences Brasil respondeu, via assessoria de imprensa, que não comentaria nenhum assunto relacionado ao email. A companhia limitou-se a informar que disponibilizou todos os documentos necessários à Anvisa, além de ter facilitado o acesso da agência a suas instalações.
CartaCapital teve acesso exclusivo a emails da empresa Dow AgroSciences, a quinta maior indústria de agrotóxicos do mundo, nos quais a companhia admite ter feito alterações não autorizadas em diversos herbicidas em suas duas fábricas no Brasil – em Franco da Rocha e Jacareí, em São Paulo. O documento também indica que ao saber de uma vistoria da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em suas instalações, a empresa montou uma estratégia para culpar os órgãos regulatórios pelo ocorrido.
As mudanças, descobertas em uma auditoria interna no final de 2009 e suspensas naquele ano, incluiam a adição de um antiespumante não autorizado a um herbicida de glifosato, além de modificações em produtos à base de macozeb e flumetsulam. “Em termos gerais, esses problemas envolvem variações mínimas na composição do produto que ocorreram durante anos, logo o produto feito nestes locais nem sempre seguiu o acordo confidencial de fórmula autorizado pelas autoridades reguladoras”, diz o email.
Para a empresa, no entanto, não houve aumento de toxicidade ou “significância para saúde, segurança ou do meio ambiente”.
De acordo com o email, a empresa optou, porém, por manter mais de 600 mil litros do herbicida irregular em seus depósitos e, quando questionada, não informou ter relatado à Anvisa as irregularidades identificadas na auditoria interna. Além disso, a empresa não quis comentar se tinha intenção de vender o produto.
Ricardo Victoria Filho, doutor em Agronomia, professor da Universidade de São Paulo e especialista em herbicidas, diz que quase 1 bilhão de litros de glifosato são utilizados mundialmente em diversos agrossistemas e que o item possui genéricos. “A qualidade do produto depende da empresa, algumas colocam na mistura componentes inferiores e isso pode implicar na eficácia do produto.”
A Anvisa destaca que os agrotóxicos possuem alto risco para saúde e meio ambiente, motivo pelo qual sofrem restrito controle também do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Ministério da Agricultura, além da própria Agência Sanitária. “Nenhuma empresa pode alterar a fórmula de agrotóxicos sem autorização dos órgãos competentes”, diz o órgão a CartaCapital.
O controle ocorre porque as mudanças nas formulações autorizadas podem representar alterações na classificação toxicológica dos produtos, maior impacto na saúde humana e meio ambiente e desvio na eficiência dos herbicidas.
Consciente da violação das normas brasileiras, a Dow AgroSciences esperava uma visita a suas instalações algumas semanas após o final de março de 2010, conforme ilustra uma comunicação interna entre Garry Hamlin (gerente de relações com a mídia) e Burt Harris, conselheiro pessoal para litigação, ainda na sede da empresa em Indianápolis, nos Estados Unidos.
Naquele momento, havia uma preparação da multinacional para minimizar os efeitos do problema na mídia, pois a companhia acreditava que as autoridades regulatórias realizavam “inspeções de instalações de fábricas de pesticidas altamente politizadas.” Além disso, os agentes haviam encontrado violações em todos os locais visitados, tendo relatado os problemas como “assuntos de riscos significantes”. “Em alguns lugares, eles fecharam a produção e retiraram o produto como resultado de suas inspeções. Isso atraiu atenção adversa da mídia”, ressalta o email.
Neste cenário, os documentos obtidos por CartaCapital indicam que a empresa tenta justificar as alterações a partir de uma suposta ausência de retorno das autoridades brasileiras às solicitações para a realização das mudanças. “Quando as autoridades regulatórias não responderam a esses pedidos dentro do período designado (que foi com frequência o caso), os funcionários da Dow AgroSciences então resolveram realizar as mudanças sem autorização.”
Essa “linha de defesa” fica ainda mais explícita nas diretrizes criadas pela empresa para reagir a uma eventual menção da Anvisa às alterações irregulares das fórmulas. Mas isso não ocorreu, porque a agência não divulga informações deste tipo antes de serem julgadas pelo órgão. O processo ainda não foi finalizado.
“Enquanto ainda não há uma noção melhor dos tipos de acusações de violação feitas contra nós”, diz o email, a empresa poderia antecipar suas reações. Isso incluiria uma lamentação pelos eventos.
O comunicado redigido na matriz da Dow AgroSciences chegou aos funcionários da diretriz brasileira cerca de um mês após a conversa Hamlin e Harris. Em 24 de maio, Mario Von Zuben afirma que vai preparar um comunicado “sobre uma eventual fiscalização em nossos sites.” (Veja mensagem abaixo).
A fiscalização ocorreu entre 7 e 10 de junho de 2010 e a Anvisa informou, via assessoria de imprensa, ter encontrado durante as ações realizadas nas fábricas da empresa indícios de adulteração na fórmula dos agrotóxicos: Sabre (clorpirifós), Padron (picloram + trietanolamina) e Scorpion (flumetsulam). À época, a companhia foi notificada a apresentar documentos a fim de comprovar a não adulteração dos produtos e o fez no prazo adequado.
A vistoria resultou na interdição de mais de 500 mil litros de agrotóxicos irregulares. Entre as diversas irregularidades encontradas estava o herbicida Tordon, que não possuía controle de impurezas e tinha rótulos a induzir os agricultores ao erro sobre a toxicidade do produto, além de embalagens com vazamento.
A empresa se defendeu em comunicado no qual dizia ter mobilizado uma equipe de especialistas “para esclarecer eventuais aspectos técnicos levantados pela Anvisa”, além de negar que as irregularidades representassem risco pessoal, ao meio ambiente e à efetividade dos produtos.
Em seu site, a Dow AgroScience se define como uma das mais importantes empresas do mundo em ciência e tecnologia para o agronegócio. A companhia também atua na área de sementes e biotecnologia, com híbridos de milho, sorgo, girassol e variedades de soja.
A empresa, que no Brasil tem mais de 650 funcionários, é subsidiária em caráter integral da The Dow Chemical Company e possui volume de vendas de 4,9 bilhões de dólares por ano.
Questionada sobre as recomendações da matriz, a Dow AgroSciences Brasil respondeu, via assessoria de imprensa, que não comentaria nenhum assunto relacionado ao email. A companhia limitou-se a informar que disponibilizou todos os documentos necessários à Anvisa, além de ter facilitado o acesso da agência a suas instalações.