segunda-feira, 2 de abril de 2012

MINERADORA (ANGLO AMERICAN) DESCUMPRE ACORDO COM MINISTÉRIO PÚBLICO EM CONCEIÇÃO DO MATO DENTRO



Empresa não garante posse de terra a famílias desapropriadas para implantação de mineração em Conceição do Mato Dentro

Zulmira Furbino 
Pedrinho Surdo (Pedro Simões Pimenta) e sua esposa, Josefina Soares Pimenta, são lavradores e descendentes de comunidades tradicionais quilombolas na área rural da Mumbuca, em Conceição do Mato Dentro, na Região Central do estado. A lida na roça é dura e dá trabalho o dia inteiro. Por isso mesmo, o silêncio na casa de janelas e portas escancaradas, cortado somente pelos latidos de três cachorros vira-latas, soa estranho em plena quinta-feira durante o dia. Lá dentro, Pedrinho e Josefina estão dormindo. O sossego do casal, porém, esconde uma realidade perversa.

Como centenas de outros chefes de família que vivem na região, eles foram obrigados a vender a propriedade onde eles, seus avós e seus pais nasceram e viveram por toda a vida. E correm o sério risco de sair de lá sem a garantia de que serão legítimos proprietários das terras para onde serão transferidos, como já ocorreu com a maioria dos atingidos pelo projeto Minas-Rio da multinacional Anglo American, que tem investimentos estimados em US$ 5 bilhões na extração e transporte de minério em Conceição e na vizinha Alvorada de Minas.

Um acordo amparado pelo Ministério Público Estadual (MPE), pela Defensoria Pública de Minas Gerais e pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), feito entre a empresa e os lavradores, obriga a mineradora não só a pagar pela porção de terra que está adquirindo dos legítimos donos, como seria de se esperar, mas também a compensar os proprietários, posseiros e seus herdeiros com terras e casas na microrregião onde sempre viveram. Além disso, eles deverão receber sementes, assistência técnica e cestas básicas por dois anos (R$ 115,2 mil) a partir do momento em que se mudarem. Mas não é isso o que vem ocorrendo.

A maior parte das famílias saiu de suas casas para a nova propriedade com um contrato de comodato – aluguel gratuito – com validade de dois anos nas mãos e não com a escritura da terra para onde estão se mudando. Além disso, quem já se transferiu não tem recebido a assistência técnica prometida. As reclamações são tantas que o Ministério Público Estadual (MPE) vai realizar audiência pública no dia 17 com as comunidades atingidas. Em meio à insatisfação geral, Pedrinho Surdo e Josefina, que puseram 11 filhos no mundo, mostram consciência de seus direitos.

Enquanto esperam o momento de se transferir para as novas terras e a casa nova, a pequena propriedade onde produziam mel, fubá, hortaliças, mandioca, frutas, leite e queijo para sobreviver, a exemplo de sua centenária parentela, está ociosa. O moinho de pedra, que fabricava o fubá, foi assoreado pela atividade mineradora e jogado no meio do mato. As abelhas, cujas colmeias produziam 80 litros de mel ao mês, foram soltas na mata, para tristeza de “seu” Pedrinho Surdo.

“Já recebemos 30% do valor (acertado com a empresa). O preço pago pela nossa terra foi bom. O lugar para onde vamos é até melhor do que esse e a casa também. É menor, mas tem revestimento no chão, não é de chão batido. O problema é que não tem jeito de sair daqui sem ter certeza de que a gente será proprietário dessa terra. Não vamos sair de jeito nenhum”, desabafa Josefina Pimenta. O lavrador João Moreira de Souza e sua irmã, Olendina Moreira de Souza, são analfabetos. Mas também se recusaram a assinar o comodato. Junto com o filho de João, Rômulo Vieira de Souza, eles venderam suas terras e receberam outras da empresa em Curvelo, também na Região Central. Hoje, vivem nessa área sem qualquer garantia de que continuarão por lá dentro de dois anos.

“São 220 quilômetros de Conceição até Curvelo. Se a gente perder essa terra, não temos para onde ir. A empresa ainda não quitou tudo o que deve ao meu pai e à minha tia”, reclama Souza. Segundo ele, a negociação entre a família e a empresa foi feita em agosto de 2011, mas os 30% só foram efetivamente pagos em fevereiro de 2012. “O cheque estava com data de agosto do ano passado. Eles não pagaram juros pelo atraso”, diz.

Também integrante da família Pimenta, Antônio Pimenta e seus irmãos são herdeiros de terras quilombolas, junto com um grupo de outras 58 pessoas. Ele e o irmão, além de outros parentes, se recusaram terminantemente a assinar qualquer contrato com a empresa e permanecem em suas terras. “Dentro do grupo da Ferrugem (comunidade da Serra da Ferrugem), sou o único morador que ficou.”

Resposta
Em resposta a esta reportagem, a Anglo Americam afirma que todas as obrigações assumidas em relação aos contratos de compra e venda dos imóveis estão sendo cumpridas rigorosamente. Segundo a empresa, caso haja qualquer consideração ou discordância quanto ao cumprimento de alguma condição, o lavrador que se sentir prejudicado deve procurar a empresa para falar do seu caso especifico, para que as explicações pertinentes sejam prestadas.

A multinacional se recusa a falar sobre a oferta de comodato. "A Anglo American não comenta os termos dos contratos que firma por tais contratos estarem amparados por cláusulas de confidencialidade e seus termos e condições dizerem respeito às partes contratantes. Caso algum dos contratantes tenha alguma dúvida ou questionamento em relação ao seu contrato, pedimos que entre em contato e exponha a sua dúvida ou questionamento."

Quanto à falta de prestação de assistência técnica, a multinacional anglo-australiana sustenta que "as obrigações contratualmente assumidas estão sendo cumpridas na sua integralidade".


Fonte: http://www.em.com.br/app/noticia/economia/2012/04/01/internas_economia,286600/mineradora-descumpre-acordo-com-ministerio-publico